domingo, dezembro 31, 2006

A EXECUÇÃO DE SADDAM HUSSEIN

Não podia deixar de condenar a execução de Saddam Hussein, realizada, aliás apressadamente, quando ainda estava ser julgado por outros crimes de que era acusado, com um grande envolvimento dos Estados Unidos em todo este processo, tudo isto deixando muitas dúvidas de que tenha tido um julgamento justo, pese embora sejam públicos e notórios muitos dos graves crimes de que era acusado. Condeno a sua execução, como o fizeram líderes políticos e religiosos, associações de defesa de direitos humanos e cidadãos em todo o mundo.
Sendo contra a pena de morte em qualquer circunstância por convicção considero, que a sua execução foi «trágica» e «motivo de tristeza, embora se trate de uma pessoa culpada, por graves crimes» para usar a expressão utilizada pelo Vaticano, que acrescentou que «não contribuirá para que o Iraque se torne uma democracia» e que «o assassinato de um culpado não é caminho para a reconstrução da justiça e a reconciliação da sociedade».
Estranho a pressa em o executarem no começo da importante festividade muçulmana do Sacrifício, que começou neste sábado, o que é mais uma demonstração da insensibilidade cultural, que tem vindo a alimentar a guerra civil no Iraque, deitando gasolina sobre o fogo.
George.W. Bush, não tem razão quando afirma que a execução foi «um marco importante no rumo seguido pelo Iraque para se tornar uma democracia». Como iremos todos constatar rapidamente, a morte de Saddam Hussein irá contribuir para aprofundar ódios e multiplicar as vítimas indefesas do conflito.
Foi uma «resposta à barbárie pela barbárie», como afirmou a Federação Internacional de defesa dos Direitos Humanos.
Tudo isto nos deve levar a sermos mais determinados na luta a nível mundial pela abolição da pena de morte.

CIÊNCIA, RELIGIÃO E BIOÉTICA

O livro recentemente publicado por Miguel Oliveira da Silva sobre “Ciência, Religião e Bioética, no início da vida”, Editorial Caminho, 2006, é extremamente interessante e afasta-se das tradicionais dicotomias que paralisam actualmente a reflexão bioética.
Como refere, Miguel Oliveira e Silva «Para os defensores da bioética dicotómica, a verdade e as certezas são objectivas, tudo resultando dedutivamente de dois antagónicos e primevos mundos e modos de pensar».
Este extremar de posições é particularmente claro nos debates sobre o aborto entre os partidários «vida» e os da «escolha», que tendem a não ouvir os argumentos pertinentes de qualquer dos campos em confronto. Sobre o aborto, Miguel Oliveira e Silva é autor, aliás, de um livro fundamental para seguir de forma informada o debate em curso a propósito do referendo «Sete Teses Sobre o Aborto», Editorial Caminho, 2005.
Miguel Oliveira da Silva faz uma abordagem problematizante dos discursos e abordagens fechadas sobre questões de actualidade em matéria bioética, abordando questões como o estatuto do embrião e a dignidade da pessoa humana, a lei da procriação assistida, o diagnóstico genético pré-implantatório, as células estaminais e clonagem.
A sua reflexão beneficia do facto de ser obstetra-ginecologista no Hospital de Santa Maria, de ter para de ter doutoramento em Medicina e licenciatura em Filosofia, de pertencer desde 2003 ao Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida, por eleição parlamentar. Tem também uma grande cultura teológica católica, tendo o seu último livro beneficiado das sugestões e apoios de dois teólogos, o Prof. Anselmo Borges e de Frei Mateus Peres. Tudo isto permite-lhe perceber que «…, por muito que isso custe aos paladinos de coerência dedutiva a partir de intocáveis valores e princípios, em Bioética pode perfilhar-se e defender, em situações distintas, posições existentes em diferentes Weltanschauung, em diferentes concepções do mundo».
O facto de não partilhar todos os pontos de vida defendidos pelo autor, não me impede de considerar muito importante a edição destes seus livros que representam um sério e corajoso esforço de pensar a complexidade dos desafios éticos e jurídicos que nos coloca o prodigioso desenvolvimento das ciências da vida. Só através do livre confronto de pontos de vista, sem apriorismos nem preconceitos, que ultrapasse a bioética dicotómica. Há que ter em conta na procura de respostas que sejam o mais adequadas possíveis não apenas valores como a defesa da vida ou da livre escolha, mas também valores como a responsabilidade e a compaixão, que etimologicamente significa partilha do sofrimento alheio.
A referência à “Religião” no título do seu último livro não é abusiva, porque Miguel Oliveira da Silva faz uma abordagem invulgarmente detalhada da evolução não só do ensinamento oficial da Igreja Católica sobre as matérias abordadas, mas também da história da controvérsia teológica que o tem acompanhado, questionando várias dessas tomadas de posição. Fá-lo em nome próprio o que é muito importante para que outros sigam o seu exemplo e se habituem a pensar pela sua própria cabeça e a assumir as suas próprias responsabilidades éticas.
Espero que este(s ) livro(s) inspirem os debates em curso designadamente o do referendo sobre o aborto e despertem nos ensaios e estudos sobre as questões bioéticas abordadas.

domingo, dezembro 24, 2006

RESPEITO, DIÁLOGO E COOPERAÇÃO

O ano que está a terminar foi marcado por diversas manifestações de intolerância, por graves conflitos armados, por numerosas e graves violações dos direitos humanos, pelo alimentar da ideia de que os conflitos entre religiões e culturas marcarão cada vez mais o nosso presente e o nosso futuro.
Foi também marcado por muitos gestos de colaboração entre crentes, entre crentes e não-crentes, por muito empenhamento de gente generosa e solidária no combate à fome, à doença, na luta contra o sofrimento inútil e evitável, pelo desenvolvimento sustentável, pela inclusão e a cidadania.
A comunicação social, muitas vezes, desempenhou um papel de bombeiro pirómano, valorizando todas as manifestações de estupidez e intolerância, ignorando ou desvalorizando as iniciativas, movimentos e personalidades que se batem, não apenas pelo diálogo, pela cooperação entre todos os seres humanos independentemente das suas convicções espirituais, religiosas ou filosóficas. A comunicação social contribuiu, noutros casos, para denunciar situações de exclusão, discriminação, deu voz aos que querem um futuro melhor para todos.
O futuro não está, por isso, condenado a assistir ao triunfo da intolerância, da desconfiança e do conflito. Como sabemos que esperar não é saber, estamos ao lado de todos os que se batem dia a dia pelo respeito da dignidade de todos e cada um dos seres humanos, pelo diálogo inter-religioso e inter-cultural, pela inclusão e pela cidadania. Temos uma sólida confiança no que Teilhard de Chardin designava progresso das coisas, num sentido positivo para a história humana. Não nos resignamos a que as pessoas tenham medo do futuro, se tornem mais desconfiadas e pessimistas. Temos esperança que o futuro, apesar das dificuldades e dos perigos, pode ser melhor. Confiamos nas possibilidades de cada um de nós contribuir para que assim seja, se não nos demitirmos das nossas responsabilidades de cidadãos.
Hoje há uma razão para alimentar a nossa esperança. Comemoramos o Natal, o nascimento de Jesus. Lucas no seu Evangelho dá-nos a boas notícia: «Não temais, pois vos anuncio uma grande alegria, que o será para todo o povo. Hoje, na cidade de David, nasceu-nos um Salvador, que é o Messias Senhor… Glória a Deus nas alturas e paz na terra aos homens de boa vontade».
Saúdo todos os homens e mulheres de boa vontade, designadamente, que constroem blogues e sítios na Rede, com os seus posts ou comentários, crentes ou não-crentes, agnósticos ou ateus, que se empenham na construção de uma sociedade mais justa e fraterna.
Quero acrescentar que é motivo de esperança e um motivo de compromisso o diálogo inter-religioso que tem vindo a ser desenvolvido em Portugal. Cristãos, muçulmanos e judeus tendem a conhecer melhor as tradições espirituais uns dos outros, a ter uma sensibilidade semelhante sobre o lugar da expressão religiosa no espaço público.
Faranaz Keshavjee, a maior teóloga portuguesa muçulmana da Comunidade Ismailita, na sequência da sua participação num colóquio no Centro de Reflexão Cristã a que nos referimos aqui, publicou um artigo intitulado “Jesus, Profeta do Islão” no jornal “Público”(19-12-2006), em que retoma um pouco do que então disse, que pode ler aqui ou aqui. O seu texto insere-se na linha do que tem sido a intervenção pública de Aga Khan, o Imã dos Ismailitas, que tem sublinhado o que existe de comum entre as religiões de Abraão.
Registo algumas palavras: «…posso dizer com convicção, e com conhecimento, que devemos celebrar o Natal e o nascimento de Jesus numa perspectiva religiosa e espiritual de grande importância no mundo islâmico». E acrescentou: «No meu primeiro de muitos natais a celebrar, Inshaallah, fica apenas um desejo sentido: que da mesma forma como quis conhecer o Outro, que afinal faz parte de mim, num desejo puro da minha curiosidade intelectual, humana e afectiva, também espero que todos esses “outros” tenham a mesma vontade e o mesmo desejo genuíno de conhecer também eles a “minha casa”; gostaria que reconhecêssemos nos outros crentes, laicos ou religiosos, não apenas as diferenças, mas as mesmas ansiedades, as mesmas dúvidas, e a mesma esperança, que afinal nos tornam iguais, isto é simplesmente humanos e vulneráveis perante as complexidades da vida».
Faranaz Keshavjee toca aqui dois pontos essenciais o “Outro” afinal faz parte de mim, diria, por outras palavras, o “Outro” não é apenas diferente, é também o mesmo que eu sou. Só se pode gostar de quem se conhece e é também por isso que é importante que procuremos conhecer a casa em que habita o “Outro” sem termos medo de descobrir que é muito diferente do que imaginávamos na nossa ignorância e preconceito, sem termos medo de nos deixarmos seduzir pela sua verdade e autenticidade.
Neste Natal digamos não ao medo de conhecer de ir à descoberta do “Outro”. Os que são cristãos sabem que a Bíblia cristã repete 365 vezes, tantas quantos os dias do ano, «não tenhas medo».
Com este apelo ao respeito, ao diálogo, à cooperação entre todos, à confiança e esperança no futuro, desejo a todos um Bom Natal.

domingo, dezembro 17, 2006

ANTÓNIO CÂMARA-PRÉMIO PESSOA 2006

Uma das boas notícias desta semana foi a atribuição do Prémio Pessoa 2006 a António Câmara, professor da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova, investigador e empresário da YDreams, empresa de tecnologias que fundou e que nasceu naquela Universidade e que hoje tem delegações em Barcelona, no Rio de Janeiro, em Xangai e no Colorado (EUA).
A atribuição deste prémio vem sublinhar a importância em ligar investigação, ensino e empreendedorismo, estimular a iniciativa e a criatividade dos cientistas e investigadores e das universidades portuguesas para encontrarem formas de promover a nova economia assente no conhecimento.
Temos de proceder a uma rápida e radical mudança de mentalidades, de métodos e de perspectivas se queremos criar uma dinâmica sustentada de desenvolvimento que não condene os jovens investigadores e cientistas à emigração e, que, pelo contrário torne Portugal atractivo para os melhores investigadores e cientistas de todo o mundo.
Neste processo todos são imprescindíveis: o Estado, as universidades, as empresas e a iniciativa empresarial de cientistas e investigadores.

CIMEIRA UE-ÁFRICA EM PORTUGAL

É um boa notícia o anúncio da realização no segundo semestre de 2007 da segunda Cimeira EU-África em Portugal durante a Presidência Portuguesa da União Europeia. Estão de parabéns o Governo e a diplomacia portuguesa, que conseguiram ultrapassar os obstáculos que desde 2003 têm impedido a sua realização.
Revela sensibilidade aos múltiplos laços que tornam a Europa e a África, continentes que devem saber acordar os termos de uma nova parceria estratégica que promova a paz e o desenvolvimento.
Num momento em que a China e os Estados Unidos procuram reforçar a sua presença em África seria estupidez e cegueira política se Portugal e a União Europeia não procurarem aprofundar em novas bases os laços já construídos.
Portugal deverá ter como objectivo estratégico nacional permanente, neste ou noutro quadro, reforçar os laços com os Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa e, em geral, com os milhões de falantes de português do continente africano. O futuro da Língua Portuguesa passa tanto pela África como pela Europa, sem esquecer o papel fundamental do “continente” que é só por si o Brasil.

A HORA DE MARIA JOSÉ MORGADO

A designação da Procuradora-Geral Adjunta, Maria José Morgado, pelo Procurador-Geral da República, Pinto Monteiro, para coordenar as investigações de todos os inquéritos e processos instaurados ou a instaurar conexos com o Apito Durado é uma boa notícia. Podemos ter confiança na sua seriedade, competência e determinação em cumprir as funções que lhe foram confiadas.
Maria José Morgado tem uma experiência de combate eficaz à corrupção. Teve um excelente desempenho à frente da Direcção Central de Investigação da Corrupção e Criminalidade Económica e Financeira (DCICCEF) da Polícia Judiciária, tendo passado pelas suas mãos processos que envolveram conhecidos dirigentes desportivos.
A designação de Maria José Morgado foi bem recebida pela generalidade dos agentes políticos e comentadores e foi interpretada como um sinal do empenhamento do novo Procurador-Geral da República no combate à corrupção.
Vasco Pulido Valente considerou esta semana que a corrupção no futebol «Não é a mais grave, não é a mais comum, nem sequer coitada, a mais prejudicial … é uma parte ínfima da corrupção geral do país. E serve sobretudo para a esconder» (vide, Ai Carolina, Público, 15-12-2006).
Não creio que se devam subestimar as ligações que, nalguns casos, parecem existir entre corrupção no futebol, nas autarquias locais e na construção civil. A agressão de que foi vítima o ex-vereador o PS, Ricardo Bexiga, deve levar-nos, aliás, a interrogarmo-nos sobre as possíveis conexões entre diferentes tipos de criminalidade. A propósito de corrupção recomendo a leitura do livro de Maria José Morgado e José Vegar “O inimigo sem rosto, Fraude e Corrupção em Portugal” editado pela Dom Quixote, em 2003.
Aconselho também a leitura do artigo “As mutações da máfia mansa” de Saldanha Sanches, Expresso, 16-12-2006).
Mesmo que a corrupção no futebol seja uma parte ínfima da corrupção, a nomeação da Maria José Morgado cria uma dinâmica cultural anti-corrupção que fará com que outras formas de corrupção não possam ser escondidas.
Aliás, Vasco Pulido Valente parece estar desatento da “Operação Furacão” cujo alvo é bem distinto do futebol e que conheceu importantes desenvolvimentos recentes com a análise de operações financeiras no off-shore da Madeira.

domingo, dezembro 10, 2006

IRAQUE - POR QUEM OS SINOS DOBRAM?

O relatório “The way forward. A new approach” recentemente divulgado nos Estados Unidos sobre a situação no Iraque, na sequência da iniciativa da criação da comissão Baker-Hamilton pelo Congresso dos Estados Unidos da América, é um documento que vem reconhecer o fracasso da intervenção no Iraque, e a necessidade do que designa por uma nova aproximação política, traduzida em 79 propostas. É um documento importante que honra o funcionamento das instituições americanas, que contou com o contributo de 44 peritos, que ouviu 170 pessoas, que teve em conta as opiniões expressas por Tony Blair, por membros do governo do Iraque e inclusive pelo embaixador do Irão nas Nações Unidas.
Tudo isto vem dar razão aos que, como nós, sempre consideraram um erro, para além de uma grave violação do direito internacional, a intervenção militar no Iraque e contra ela se manifestaram nas ruas.
Não temos nenhuma satisfação em dizê-lo, após toda a destruição humana e patrimonial que sofreu o Iraque, perante os milhares e milhares de mortos, iraquianos, americanos, ingleses e de muitas outras nacionalidades. Temos a consciência de que toda a região se tornou mais perigosa e se agravaram ódios entre correntes políticas e religiosas.
Que dizer dos dirigentes políticos e militares que nos arrastaram para este beco, em nome da existência de armas de destruição maciça, cuja existência nunca conseguiram provar? Que dizer da arrogância daqueles intelectuais e académicos que reunidos sobre a designação de “neoconservadores” tudo fizeram para promover e justificar esta intervenção, com a promessa de que a invasão do Iraque seria recebida pelos iraquianos como uma libertação? Os políticos que os seguiram começaram a cair, muitos milhares de pessoas foram já mortas como consequência da intervenção militar e da desordem existente, mas não é claro de que forma se exercita a responsabilidade dos intelectuais e académicos quando cometem erros de apreciação tão grosseiros e de tão funestas consequências.
É trágica a situação a que se chegou e não há fórmula mágica que garanta a resolução dos problemas do Iraque e da região. O que é evidente é que começou a contagem decrescente para a retirada das topas americanas e aliadas do Iraque e que tudo deve ser feito para construir, por via diplomática, um novo quadro político e institucional, quer no Iraque quer na região que evite o caos e dê oportunidades à paz.
De acordo com o relatório «Ninguém pode garantir que qualquer medida seja capaz de parar o conflito sectário, a escalada da violência e o deslize para o caos. Se a actual tendência prosseguir, as potenciais consequências são gravíssimas». (vide Público, 7-12-2006).
Perante as hesitações e contradições de George W. Bush, a resposta à pergunta que formulámos, só pode ser, os sinos continuam a dobrar por todos nós.

PS 1. O acordo obtido na Concertação Social sobre o aumento do salário mínimo nacional, actualmente designado por retribuição mínima mensal garantida (RMMG) é uma boa notícia e, quer o Governo, quer os parceiros sociais estão de parabéns por terem dado um passo para atenuar a situação de pobreza de muitos trabalhadores.
O aumento da RMMG para 403,00 euros em 2007, já foi aprovado pelo Governo, e foi assumido o compromisso de que continuará a aumentar de forma sustentada acima da inflação esperada até 2011, atingindo então 500,00 euros.
É-nos grato identificar e apoiar medidas justas que contribuem para que se caminhe no sentido de uma maior igualdade de oportunidades.
Saudamos também o anunciado alargamento da cobertura da rede do ensino pré-escolar. Criar condições para que todas as crianças que vivem em Portugal, independentemente da sua origem, condição social ou da área geográfica em que vivam, tenham acesso à educação pré-escolar deve ser um objectivo prioritário para todos os que aspiram à criação de condições para a efectivação da igualdade de oportunidades entre todos os cidadãos.

PS 2 Não podemos silenciar a preocupação com que encaramos a recente publicação do diploma que estabelece o regime comum de mobilidade entre serviços dos funcionários e agentes da Administração Pública visando, ao que se afirma, o seu aproveitamento racional. Foi pena que não tenha havido um acordo na Concertação Social sobre a Reforma da Administração Pública. Se é certo que as partes interessadas neste caso não se restringem aos parceiros sociais aí representados, mas são todos os cidadãos, mesmo assim poderia ter-se introduzido por essa via um factor de racionalidade nas medidas anunciadas. Sem uma prévia definição das tarefas essenciais do Estado, receamos que se enverede em Ministérios mais “zelosos” por uma política de cortes orçamentais cegos com o pretexto da mobilidade. Se assim vier a acontecer estar-se-á a comprometer o tratamento equitativo dos funcionários públicos, mas também a possibilidade de assegurar uma Administração eficiente, mais amiga dos cidadãos e do desenvolvimento económico. O que é normal é ser a definição das tarefas essenciais do Estado a determinar a reabilitação das finanças públicas e não o inverso.

domingo, dezembro 03, 2006

CRISTIANISMO E ISLAMISMO - NOVOS DINAMISMOS

No dia em que Bento XVI desembarcou na Turquia realizaram-se em Lisboa duas importantes iniciativas.
O Centro de Reflexão Cristão promoveu a segunda Conferência do Ciclo “Diálogos Sobre Jesus”, intitulada “Jesus Profeta do Islão”, que contou com uma assistência numerosa e interessada, que ouviu com agrado as intervenções do Prof. António Dias Farinha, da Dr.ª Faranaz Keshavjee e do Dr Artur Cunha de Oliveira, que foi moderada pelo Dr. Guilherme d’Oliveira Martins.
Ficou claro para todos o lugar de relevo que o Alcorão atribui a Jesus, filho Maria, Profeta, Verbo de Deus e Messias, concebido virginalmente por Maria, mas que não é Deus, não foi crucificado, nem morto, mas Deus elevou-o para Ele. O Alcorão e as tradições islâmicas têm afinidades com as narrativas sobre Jesus dos Evangelhos canónicos de Mateus, Marcos e Lucas, manifestando também ecos de Evangelhos apócrifos. Particularmente interessante, e diria mesmo perturbante, foi a intervenção e o testemunho da mais notável teóloga muçulmana portuguesa, da corrente xiita ismaili, Faranaz Keshavjee do seu encontro com o Jesus muçulmano.
No mesmo dia realizou-se outro encontro, promovido pela Paróquia de Nossa Senhora dos Navegantes, no Parque das Nações, em que se discutiu “O Islão no Ocidente”, com a participação do Padre Peter Stilwell, do imã da Mesquita de Lisboa, David Munir, muçulmano sunita, e de Faranaz Keshavjee.
A visita de Bento XVI à Turquia foi iniciada da melhor forma e viria a confirmar, ultrapassando as minhas previsões, feitas contra os profetas da desgraça, de que a visita iria correr bem e marcar o futuro da Igreja Católica nas suas relações com as Igrejas Ortodoxas e com o Islamismo, bem como as relações entre a Turquia e a União Europeia. Acertei porque confiei em Bento XVI e nos turcos e não fiquei desiludido.
Há pequenos gestos de Bento XVI que gostaria de sublinhar pela sua relevância: o facto de quer quando desembarcou, quer quando foi prestar homenagem a Ataturk não ter ostentado a cruz, no respeito pelos princípios da democracia laica turca e a forma como visitou a Mesquita Azul onde virado para Meca rezou a Deus, a quem todos cristãos, muçulmanos e judeus prestam culto. Como referiu o Mufti de Istambul, Mustafa Cagrici, «Ele fez prova de uma grande cortesia não fazendo o sinal da cruz no fim da oração e cruzando as mãos sobre o ventre como todos os muçulmanos durante a oração” (Público, 02-12-2006). Acrescente-se que durante a oração ostentou, com naturalidade, a cruz sobre o peito. A vida é feita de pequenos nadas, que muitas vezes são tudo.
Se a viagem de Bento XVI à Turquia abriu novos caminhos para uma descoberta mútua, um maior respeito e cooperação entre cristãos e muçulmanos, veio confirmar os que dentro da Igreja Católica se têm esforçado para promover o diálogo entre católicos e muçulmanos como tem acontecido entre nós através da acção, designadamente, do Padre Peter Stilwell, com o apoio do Cardeal Patriarca de Lisboa.
Contribuiu também para que a importância estratégica de que se reveste a futura adesão da Turquia à União Europeia seja compreendida pelos cidadãos europeus.
A notável entrevista que D. José Policarpo deu ontem ao jornal “Público” merece ser lida e meditada. É justo dizer que a entrevista foi realizada com a inteligência e o rigor que caracterizam o jornalista António Marujo. Gostaria de sublinhar, para além da importância que atribui à futura adesão da Turquia à União Europeia, a valorização que faz dos dinamismos no interior do Islão a que importa estar atento, referindo três grandes movimentos: o desenvolvimento da mística; a expressão social da fé islâmica; o movimento da dignidade e da promoção da mulher. Três movimentos profundos no interior do islamismo, de que fala com conhecimento de causa e que são ignorados pela informação superficial que alimenta o preconceito contra os muçulmanos.
Esta semana com tudo o que de positivo trouxe não resolveu magicamente as questões e as tensões acumuladas ao longo da história entre cristãos e muçulmanos, entre muçulmanos e cristãos. Mas esta semana permite alimentar a esperança de novos dinamismos ente o cristianismo e o islamismo. Como afirmou D. José Policarpo na citada entrevista: «…o Islão também tem convergências [com o Cristianismo]. Se um dia for possível ao Islão unir-se com o Cristianismo num projecto de civilização as convergências virão ao de cima. O diálogo é difícil estamos a começar, o conceito de racionalidade é diferente. Mas há fenómenos importantes dentro do Islão…».
Vivemos um momento raro de diálogo e respeito mútuo, que há que prosseguir, sem ignorar que este diálogo tem muitos inimigos, que preferem o confronto e que tudo farão para lhe colocar obstáculos.
Depois desta semana, por maiores que venham a ser as dificuldades temos o dever de prosseguir. Sabemos que outro mundo melhor, e menos perigoso do que aquele em que vivemos, é possível.

domingo, novembro 26, 2006

BENTO XVI NA TURQUIA

A visita do Papa Bento XVI à Turquia nos próximos dias 28 de Novembro a 1 de Dezembro é um acontecimento que irá marcar o futuro da Igreja Católica nas suas relações com as Igrejas Ortodoxas e com o Islamismo, bem como as relações entre a Turquia e a União Europeia.
Está a criar-se um clima de desconfiança e medo relativamente à forma como irá decorrer a viagem, de que é exemplo a notícia do “Expresso”, titulada “Turcos ameaçam Papa”, mas arrisco-me a prever que a visita irá decorrer bem e será recordada pelo seu contributo para o ecumenismo e para a aproximação entre a Turquia e a União Europeia.
A viagem é exemplar a vários níveis. O Papa visita uma Igreja Católica hiper-minoritária, num país em que o conjunto das Igrejas cristãs é minoritário e um dos objectivos desta visita é dar um passo significativo no sentido da comunhão total com os ortodoxos, sendo a este respeito particularmente significativo o diálogo com o Patriarca Ortodoxo de Constantinopla, Bartolomeu I e a declaração conjunta que irá ser divulgada. Estão também previstos encontros não só com a Conferência Episcopal Católica, mas também com encontro e oração com O Patriarca Mesrob II da Igreja Arménia-apostólica e com o Metropolita Sírio-Ortodoxo.
A viagem começará com a visita ao Mausoléu de Ataturk, o pai da Turquia moderna, laica e aberta aos valores europeus, a que se seguirá um encontro com o Presidente da República Necedet Sezer.
Esta visita poderá ser também um contributo para o diálogo entre cristãos, muçulmanos e judeus, estando previsto, por exemplo, um encontro com o Grão-Rabino da Turquia.
Esta visita é também muito importante para todos os turcos que defendem uma democracia laica e a integração na União Europeia e para todos os cidadãos europeus, incluindo os cristãos, que não querem que a União Europeia seja reduzida a um clube cristão.
Saúdo a lucidez do Patriarca Bartolomeu I, que se tem empenhado no diálogo ecuménico e na aproximação recíproca entre a Turquia e a União Europeia.
A visita à Turquia poderá será uma oportunidade para Bento XVI percepcionar o pluralismo de correntes teológicas e sensibilidades culturais islâmicas e inclusive de uma iniciação mais profunda ao pluralismo do catolicismo
A Turquia foi um dos berços do cristianismo, diz-se que foi em Antioquia que os seguidores de Jesus foram pela primeira vez denominados como “cristãos”. Na Turquia terão vivido Maria, mãe de Jesus, os discípulos Paulo, Pedro, André e João, e tiveram lugar concílios fundamentais para os cristãos. O pluralismo cultural e teológico está bem patente no facto de em cerca de 30 mil católicos existir uma diversidade de ritos. Da Igreja católica turca fazem parte dois bispos latinos, dois bispos armeno-católicos, um vigário patriarcal siro-católico, um vigário patriarcal caldeu. Na Anatólia existe um delegado para os maronitas e estão presentes também greco-católicos.
A adesão da Turquia à União Europeia é um processo que tem ainda muitas dificuldades a ultrapassar, mas os políticos europeus não podem equivocar-se, não há alternativa à adesão da Turquia que não se traduza na derrota interna dos sectores democráticos e laicos e a possibilidade de atracção da Turquia por países como a Rússia ou o Irão.
A Turquia desde Ataturk fez um caminho notável: está ligada à União Europeia por um acordo desde 1963; é membro do Conselho da Europa; é membro fundador da Nato, na qual tem desempenhado um papel de relevo, foi um aliado leal e eficaz durante todo o período da “guerra-fria”.
A União Europeia criou expectativas aos turcos quando atribuiu à Turquia em 1999 em Helsínquia o estatuto de país candidato. A Turquia tem realizado reformas fundamentais para satisfazer os critérios de adesão, como foi a abolição da pena de morte, realizou progressos no sentido do respeito pelas minorias, incluindo a curda, diversas reformas para integrar o “acquis communautaire”. Com isto não quero ignorar que há ainda um caminho a percorrer para satisfazer os critérios e esse esforço deve ser-lhe exigido.
O que é inadmissível são as campanhas populistas dirigidas contra a adesão da Turquia, a cobardia de muitos responsáveis políticos europeus (e turcos) e a vontade deliberada de criar novos obstáculos no caminho para a adesão.
A Turquia é uma fronteira natural da União Europeia, ponte para outras civilizações. Espero que depois desta viagem fique mais claro que a Europa, que é rodeada do Mediterrâneo ao Cáucaso por países muçulmanos muito ganharia em contar no seu interior com uma democracia laica, de clara maioria islâmica e de aprender a conjugar o mesmo com o diferente.
Tenho esperança que Bento XVI também perceba que o Patriarca Bartolomeu I tem razão, bem como a generalidade dos cristãos turcos, em defenderem a adesão da Turquia à União Europeia e reveja a posição que tomou no passado contrária a essa adesão.

domingo, novembro 19, 2006

NA MORTE DE MÁRIO SOTTOMAYOR CARDIA

A morte do camarada e amigo Mário Sottomayor Cardia apanhou-me, de surpresa.
Conheci-o no início dos anos 70 e durante cerca de dez anos partilhámos muitos combates pela consolidação da democracia e pela afirmação do Partido Socialista, designadamente na redacção do “Portugal Socialista”, que era publicado como jornal semanal do qual era director nessa época e em cuja redacção participei no período pós- 25 de Abril.
Jovem socialista de formação católica tive sempre diálogos muito interessantes com ele, que vinha do marxismo e o seu livrinho “Por uma democracia anti-capitalista” foi uma referência ideológica fundamental. Admirava-o pela coragem física e moral e pela sua preocupação com o diálogo. Recordo-me de um debate que organizei na Juventude Universitária Católica, antes do 25 de Abril, sobre o marxismo, em que ele dialogou com o Padre Manuel Antunes e no qual abriu perspectivas para um marxismo crítico e não dogmático, de que conservo algumas notas.
Quero aqui deixar registados dois momentos de combate político, em que estivemos lado a lado. Faço-o também porque são episódios significativos, que muitas vezes são esquecidos.
Poucos saberão que foi o Mário Sottomayor Cardia, nessa altura um dos mais influentes dirigentes do Partido Socialista, que promoveu a sua autonomização eleitoral no pós-25 de Abril e impediu que tivesse sucesso a estratégia que pretendia levar o PS e o PPD a apresentarem-se às eleições para a Assembleia Constituinte em listas do MDP/CDE.
Vale a pena ler o que sobre este episódio escreveu Mário Sottomayor Cardia sobre o título «Em torno da génese da lei eleitoral» no “Portugal Socialista” n.º228.º, de Abril de 2003, pp.46-49. O MDP/CDE tentava então apresentar-se como uma frente de partidos democráticos. Para além do PS e do PCP, que o tinham integrado antes do 25 de Abril e de outras organizações, o próprio PPD, que tinha sido formado em Maio, também tinha aderido.
O que parece hoje óbvio não o era nessa altura. Em Agosto de 1974 apresentei na direcção do MDP/CDE uma proposta, redigida pelo Mário Sottomayor Cardia, no sentido de que o MDP/CDE não patrocinaria candidatos às eleições constituintes no ano seguinte. Esta proposta foi tacitamente rejeitada, pelo que me demiti da direcção do MDP/CDE, acompanhado por mais dois camaradas do Partido Socialista. Em 28 de Agosto, o Secretariado Nacional do Partido Socialista veio denunciar como inaceitável este projecto, tendo sido seguido pelo PPD.
Se não tivesse havido este separar de águas o Partido Socialista nunca teria chegado a afirmar-se como o primeiro partido português. Devemos isso à lucidez e à coragem política do Mário Sottomayor Cardia.
Houve outras batalhas que travou com outros camaradas que tiveram também na génese uma visão libertadora do socialismo democrático. Foi o caso do voto de sete deputados socialistas contra a proposta de Lei n.º71/III (Segurança Interna e Protecção Civil), em 26 de Julho de 1984, apresentada pelo governo do bloco central (PS/PSD) liderado por Mário Soares e que era para alguns de nós uma lei inadequada e liberticida, que violava a Constituição da República. Foi uma decisão de consciência, nomeadamente, dos deputados Mário Sottomayor Cardia, Manuel Alegre, Margarida Marques, Eurico Figueiredo, Edmundo Pedro, eu próprio, votarmos contra a Lei de Segurança Interna, que teve o seu custo político com a exclusão de alguns de nós das listas para deputados nas legislativas seguintes. As intervenções de Mário Sottomayor Cardia sobre este diploma podem ler-se no seu livro “Prosas sem importância 1978-1984”, Editorial Presença, 1985, pp.212-218.
Mário Mesquita saudou este voto contra no dia seguinte no “Diário de Notícias” num editorial, intitulado “Afinal o Parlamento existe”.
Refiro este último episódio para sublinhar que Mário Sottomayor Cardia não se bateu apenas com coragem contra o salazarismo e o caetanismo, mas também no pós-25 de Abril e inclusive no interior do Partido Socialista.
Mário Sottomayor Cardia não foi apenas um militante e dirigente político, foi um intelectual e um académico, que evolui do marxismo crítico para um racionalismo exigente.
Não quis deixar em silêncio o seu contributo decisivo em muitos momentos para a democracia em que vivemos.
Há muito trabalho a fazer pela nova geração de investigadores para conhecerem bem esse período. Não devem esquecer a advertência de Bertolt Brecht «César conquistou a Gália/ Não teria levado ao menos um cozinheiro?».
Se estudarem bem esse período, perceberão o enorme contributo de Mário Sottomayor Cardia.

domingo, novembro 05, 2006

A CONFEDERAÇÃO SINDICAL INTERNACIONAL (CSI)

Um dos acontecimentos mais positivos da semana passada foi a constituição no dia 1 de Novembro, em Viena, da Confederação Sindical Internacional (CSI), representando 168 milhões de trabalhadores, de 155 países.
A CSI reúne 306 centrais sindicais que eram anteriormente filiadas na Confederação Internacional de Sindicatos Livres (CISL), de inspiração reformista e laica ou na Confederação Mundial de Trabalho (CMT), de inspiração cristã, e ainda outras oito importantes centrais.
Temos seguido com atenção o processo de formação da CSI que consideramos essencial para que os trabalhadores tenham trabalho decente e com direitos a nível mundial, e não mais precariedade, mais desemprego e mais arbitrariedade patronal, como escrevemos aqui (20-11-2005).
Num mundo globalizado, marcado por crescentes desigualdades, pelo poder das empresas multinacionais, por conflitos armados e pelo avançar da fome em muitos países, com excepção da China e do Brasil, é necessária a unidade orgânica do movimento sindical mundial para regular a globalização e assegurar a dignidade dos trabalhadores e para responder de uma forma mais eficaz às novas estratégias do capitalismo total.
É com satisfação que constato que na nova Confederação está representada a quase totalidade do movimento sindical lusófono: UGT de Portugal; CGSILA e UNTA de Angola; CGT, CUT, FS, CAT, CNPL e SDS do Brasil; UNTC de Cabo Verde; UNTG da Guiné-Bissau; OTM de Moçambique; ONTSTP-CS e UGT-STP de São Tomé e Príncipe. De lamentar que a CGTP-IN tenha querido ficar meramente como observadora, isto é, fora da CSI.
Nesta matéria está de parabéns a UGT pela sua clara opção internacionalista e o seu Secretário-Geral, João Proença, que foi eleito para a direcção da nova instituição.
Para secretário-geral da CSI foi eleito o sindicalista inglês, Guy Ryder.
As anteriores confederações de âmbito mundial, a CISL e a CMT dissolveram-se.
É a hora da CSI e esperamos que isto signifique o regresso dos trabalhadores ao centro dos debates políticos internacionais e à definição das grandes opções estratégicas.
Temos de reconhecer que os sindicatos e as centrais sindicais têm perdido protagonismo quer no quadro nacional, quer no quadro internacional, e que se encontram na defensiva em muitos países. São várias as razões para que assim suceda. Estão confrontados com novos desafios provenientes da globalização, que exigem novas respostas e novas propostas e, simultaneamente, com a ofensiva ideológica conservadora e liberal desencadeada contra eles.
Em alguns países europeus, incluindo Portugal, tem-se confundido o que são legítimas divergências com as posições e as estratégias dos sindicatos, com a desvalorização deliberada da importância da sua intervenção.
Os sindicatos têm também tido falta de iniciativa e não têm sabido alargar a cooperação a outros movimentos sociais com os quais podiam criar sinergias positivas.
Um exemplo recente de um erro grave foi a não entrada da CGTP-IN como membro de pleno direito da CSI.
Os sindicatos tiveram um papel histórico na conquista dos direitos humanos e sociais pelos trabalhadores e na construção do modelo social europeu. Foram sempre parceiros imprescindíveis dos partidos socialistas e sociais-democratas em todas as batalhas que contribuíram para transformações progressistas das sociedades europeias.
João Proença na sua intervenção no congresso constitutivo, afirmou: «Com a CSI assumimos como prioritário o desenvolvimento económico, e social, sustentado e sustentável e o combate à pobreza e à exclusão, a luta pela igualdade de oportunidades e contra todas as formas de discriminação, incluindo as de que são vítimas os imigrantes, o que exige de cada um de nós ser parte activa nas políticas de cooperação e solidariedade, particularmente nas relações Norte-Sul».
Partilhamos estas preocupações e continuaremos a apoiar as iniciativas que permitam concretizar estas promessas e combater com mais eficácia as deslocalizações selvagens, a desregulação social e a precariedade, que atingem cada vez mais trabalhadores.

domingo, outubro 29, 2006

JESUS, JUDEU DA PALESTINA

O CRC (Centro de Reflexão Cristã) iniciou um ciclo de «Diálogos sobre Jesus», extremamente interessante que nos colocam perante diversas compreensões da sua identidade, o que nos suscita a pergunta quem é para mim este homem.
Jesus nasceu judeu na Palestina, é considerado como profeta pelo Islão, são várias as narrativas gnósticas que dele nos dão retratos inesperados, é confessado como o Cristo por milhões de cristãos.
Os debates começaram pelo princípio, falando de Jesus judeu da Palestina. Jesus nasceu judeu, foi circuncidado, apresentado no Templo, frequentou e ensinou em sinagogas.
Estes debates começaram por interrogar Jesus como judeu da Palestina, com as intervenções de Alain Hayat e de José Tolentino de Mendonça.
Alain Hayat é um judeu francês nascido em Tunes, que trabalhou durante muitos anos em Portugal e que é Reitor da Sinagoga de Lisboa, e autor do livro “Éclats de Tora” e empenhado no diálogo inter-religioso no quadro do Forum Abraâmico. Fez uma abordagem muito serena e objectiva.
Considerou que seria mais correcto dizer que Jesus nasceu no Reino da Judeia, que era um protectorado de Roma, no qual exercia poder um governador romano e um rei local, e não na Palestina, designação mais associada, em seu entender ao mandato britânico sobre a região. Sublinhou que as fontes que dispomos sobre Jesus são textos gerados pela fé dos homens e não trabalhos de historiadores. Apoiando-se no historiador judeu do I século Flavius Joseph referiu que quando surgiu Jesus, a religião judaica estava dividida em várias tendências, numa situação de confronto e de desordem total.
Caracterizou várias tendências ou seitas: os saduceus, aristocracia conservadora muito ligada ao Templo de Jerusalém abertos a todo o tipo de compromissos com os romanos; os fariseus mais exigentes com um fundo nacionalista, que desenvolveram uma tradição oral, grupos místicos como os de Qumran, que desenvolvem conceitos como o de Mestre da Justiça, que pode ter tido eco em Jesus. Havia ainda os “brigantes”, os zelotas, que hoje chamaríamos fundamentalistas e que recorriam a atentados contra os romanos.
Não havia apenas uma grande divisão, mas também uma pergunta enorme sobre o futuro. Era um momento propício para uma mensagem forte. Jesus aparece ligado a símbolos fortes. Jesus é filho de José, filho preferido do patriarca Jacob, de cujo ramo sairá o Messias. Há um conjunto de coincidências e de pormenores relativos a Jesus que o ligam à tradição judaica. Jesus era um judeu que estava à procura de promover a santidade e de a generalizar. Naquela altura as discussões entre judeus, eram constantes e não provocavam rupturas. Jesus foi considerado durante toda a vida como judeu, com uma visão diferente. Só depois com os apóstolos e o desenvolvimento do cristianismo como religião se deu a ruptura.
José Tolentino de Mendonça, padre católico, doutorado em Ciências Bíblicas, poeta e escritor, reconheceu que faltam fontes para conhecer o judaísmo no tempo de Jesus. Jesus é-nos dado sempre através dos testemunhos e de uma comunidade que tem a referência da sua fé É necessária a mediação da linguagem e da comunidade e precisamos sempre de uma hermenêutica.
Estamos actualmente na terceira vaga de estudos acerca de Jesus. As duas anteriores descreviam Jesus com critérios de separação relativamente ao judaísmo. Hoje vinga o critério da plausibilidade.
É mais credível inseri-lo no contexto de um judaísmo que era uma realidade fragmentada, como o comprova o facto de se falar em tendências, o que vai permitir que um pregador da Galileia pudesse fazer o caminho que Jesus fez. Os próprios Evangelhos vão costurando os filamentos que explicam o movimento de Jesus. De referir, por exemplo, a sua ligação a João Baptista que bebe do entusiasmo reformador que existe no seu tempo.
Hoje muitos autores judeus escrevem sobre Jesus, sobre a sua dimensão de sábio à maneira dos rabinos com os seus grupos de discípulos, debatendo a partir de citações do Antigo Testamento. O método parabólico não é desconhecido da tradição judaica. Jesus explora a margem desse judaísmo plural de onde vai emergir o cristianismo. Outra dimensão de Jesus, é a profética e apocalíptica. Não é por acaso que Isaías é citado nos Evangelhos. O profetismo judaico é uma chave essencial para compreender.
Jesus faz um percurso solitário. A partir do capítulo 3 do Evangelho de Lucas não pode entrar nas cidades. Sofre a perseguição que sofriam os que reclamavam uma mudança do sistema religioso e social.
Os milagres, as curas, as refeições são essenciais para compreender o personagem Jesus, mostrando, por exemplo, na multiplicação dos pães a sua visão da sociedade.
O critério da plausibilidade é essencial para compreender Jesus, mas há um limite. Fica por explicar como morreu, como foi excluído dentro daquele sistema religioso e social. Jesus tem de ser explicado pela continuidade e pela ruptura. Jesus foi um judeu marginal, um camponês do Mediterrâneo, aberto ao helenismo, segundo outros autores. A pertença judaica é uma dimensão de Jesus, não nos diz tudo sobre ele.
Ao deixar aqui este apontamento quero sublinhar que a importância das questões abordadas nesta sessão justificariam a organização entre cristãos e judeus de um Seminário sobre este tema.
Era muito importante divulgar entre nós os autores desta terceira vaga de estudos sobre Jesus, incluindo os autores judeus. O suplemento “Mil Folhas”, de 8 de Julho de 2006 do jornal “Público” divulgou, por exemplo, um desses autores, Geza Vermes, mas infelizmente as suas obras ainda não estão publicadas em português.
Se me permitem uma sugestão não percam os próximos debates sobre Jesus, o primeiro dos quais será sobre Jesus como profeta do Islão.
Olhar em volta é a única forma de viver livre e de pensar livremente.

domingo, outubro 22, 2006

DEBATER A CONSTRUÇÃO EUROPEIA

A próxima Presidência Portuguesa da União Europeia, que terá lugar no segundo semestre de 2007, é uma oportunidade que não pode ser perdida, nem pelas instituições políticas portuguesas nem pelos cidadãos. Não basta acenar com reintroduzir a discussão do Tratado que institui uma Constituição para a Europa, há muitas outras questões cujo debate é imprescindível e condicionará o futuro desse projecto.
Reveste-se neste contexto de particular oportunidade a proposta avançada pelo deputado Manuel Alegre, vice-presidente da Assembleia da República, que numa excelente entrevista, publicada em 21-10-2006 no Diário de Notícias, defendeu a revisão do PEC [Pacto de Estabilidade e Crescimento] «para ficar fora das contas públicas o investimento público, que é o instrumento que o Estado tem para promover o crescimento». Manuel Alegre recordou que o presidente Sampaio, em 2002, pediu numa entrevista ao Le Monde, a revisão do Pacto de Estabilidade.
É uma proposta que vai contra o conformismo reinante nesta matéria e que se reveste de grande importância estratégica para o futuro da construção europeia. A esquerda europeia deixou-se amarrar ao PEC que tem contribuído para assegurar a estabilidade, mas tem impedido o crescimento.
Na moção que pode ler aqui, que, com Helena Roseta, subscrevi para o próximo XV Congresso do PS, referimos o facto de haver na Europa uma constituição económica não escrita, formada pelo Pacto de Estabilidade e Crescimento e pelas Grandes Orientações de Política Económica, que condiciona todos os governos e na prática impede a construção de políticas alternativas.
Mas há muitas outras questões que não dizem apenas respeito ao Governo, mas também à Assembleia da República, à Presidência da República e a todos os cidadãos e que se prendem, por exemplo, com a necessidade de reinventar o modelo social europeu, tendo em conta a necessidade de articulação dos planos locais, nacionais, europeus e mundiais e as mudanças dos estilos de vida. Torna-se necessário contrariar a predominância neo-liberal em directivas europeias fundamentais, como a Directiva Serviços, apesar da luta travada pela Confederação Europeia dos Sindicatos, agentes políticos e forças sociais de vários Estados-Membros da União Europeia.
Em tudo isto há um défice de iniciativa dos próprios cidadãos. A grande maioria dos cidadãos portugueses têm-se manifestado favoráveis ao aprofundamento da construção europeia nas sondagens que têm sido efectuadas, mas é também verdade, que é escassa a informação da maioria dos cidadãos portugueses sobre as questões europeias actualmente em agenda. Ora só cidadãos informados podem intervir de forma inteligente e eficaz neste debate.
Há também questões que têm a ver com o défice democrático no processo de construção europeia que nada justifica que não possam ser desde já implementadas. Referimo-nos, por exemplo, à necessidade de um maior acompanhamento efectivo, por parte dos parlamentos nacionais, do processo de construção política da União Europeia e da produção legislativa comunitária e ao respeito pelos princípios da subsidiariedade e da proporcionalidade.
O processo histórico não está predefinido, é resultado da intervenção livre dos cidadãos que consideram que sem a sua participação informada não haverá legitimidade para proceder a avanços significativos na nova arquitectura europeia.
Verifica-se que existe uma falta de informação acessível à generalidade dos cidadãos, que lhes permita o acompanhamento das transformações em curso no processo de construção europeia, designadamente sobre os impactos negativos do PEC no crescimento, o que tem efeitos negativos na vida social e política a nível europeu.
A proposta de Manuel Alegre reveste-se, neste contexto, de grande oportunidade e todos ganharíamos se fosse discutida e incluída na agenda política europeia pela próxima Presidência Portuguesa da União Europeia.

domingo, outubro 15, 2006

RELAÇÕES IGREJA-ESTADO EM ESPANHA E PORTUGAL

Realizou-se, ontem, um interessante colóquio promovido pelos Movimentos "Nós Somos Igreja" de Portugal e Espanha sobre um tema que raramente é discutido com conhecimento e rigor: “As relações Igreja-Estado em Espanha e Portugal”. No debate participaram, pelo lado português: José Vera Jardim (deputado socialista), Teresa Clímaco Leitão (investigadora), Margarida Salema (jurista) e D. Januário Torgal Ferreira (bispo católico) e, pelo lado espanhol: Raquel Malavibarrena (professora universitária e coordenadora do Movimento Internacional «Nós Somos Igreja»), Hugo Castelli (empresário e membro da Comunidade de base S. Tomás de Aquino-Madrid), Maria Pau Trayner (professora universitária e membro do movimento «Donnes en L’Eglesia» de Barcelona e Evaristo Vilar (sacerdote e teólogo).
O debate foi moderado por Guilherme d’Oliveira Martins e teve lugar no Centro Nacional de Cultura. É impossível resumir as comunicações, muitas delas muito estruturadas, mas gostaria de registar este acontecimento que a imprensa não acompanhou como devia.
Raquel Malavibarrena falou do contencioso actualmente existente em Espanha, designadamente em matéria de financiamento da Igreja pelo Estado, enquanto José Vera Jardim, a cuja comunicação regressarei, abordou as transformações verificadas em Portugal com a nova Lei da Liberdade Religiosa e a nova Concordata entre Portugal e a Santa Sé.
Hugo Castelli falou da outra forma de Igreja que representa a comunidade de base em que está inserido, que defende um Estado laico, faz uma opção pelos pobres e promove a igualdade de género e a não-discriminação em função da orientação sexual, fazendo o historial da sua progressiva marginalização dentro da Igreja Católica.
Maria Pau Trayner fez uma leitura crítica da forma como as encíclicas papais desde Leão XIII se referiram ao papel da Igreja na sociedade até à emergência da teologia feminista.
Teresa Clímaco Leitão falou das relações Igreja/Estado na transição para a democracia nos dois países, abordando o papel das Igrejas portuguesa e espanhola nesse período e o comportamento dos novos partidos políticos face à Igreja e às novas relações desta com o poder temporal. As soluções encontradas não foram as mesmas, o que também contribui para perceber as diferenças nos modos de intervenção dos episcopados portugueses e espanhóis.
Margarida Salema fez uma apresentação centrada sobre a evolução do estatuto da Igreja Católica ao nível do direito internacional público desde o século IX até à actual personalidade jurídica internacional do Vaticano, justificando a celebração de Concordatas, como a nova celebrada entre Portugal e a Santa Sé, que considerou um documento muito importante.
D. Januário Torgal Ferreira fez uma curta intervenção, na qual referiu a não confessionalidade do Estado, a tragédia dos Estados teocráticos, a opção religiosa. Afirmou, ao que julgo pela primeira vez, que nas suas funções de assistência religiosa às Forças Armadas não devia ter uma categoria militar.
Evaristo Vilar explicou que os participantes espanhóis, não tinham vindo preparados para fazer intervenções tão estruturadas como as feitas pelos portugueses, mas para dialogar a partir da sua experiência. Referiu que a situação actual é uma situação de crispação nas relações Igreja-Estado em Espanha, de divisão entre “as duas Espanhas” de que falava António Machado, o que considerou injustificado face à política social do governo socialista, acusando a rádio da Igreja espanhola de convergir com o jornal “ El Mundo” da direita espanhola, do Partido Popular.
Guilherme de Oliveira Martins recordou que o colóquio ocorria numa data em que fazia anos que Miguel de Unamuno se manifestou contra os gritos de “Viva la muerte” do general franquista Millán Astray, para sublinhar que nada é mais grave que o silêncio.
Gostaria de sublinhar que José Vera Jardim, com a autoridade que tem por ser o responsável pela nova Lei da Liberdade Religiosa, não se limitou a referir o caminho já percorrido para assegurar uma presença mais equitativa das diferentes confissões religiosas ou a importância da nova Concordata, mas chamou a atenção para o que falta fazer para permitir a plena aplicação da Lei da Liberdade Religiosa, ou os acordos a negociar entre o Governo e a Conferência Episcopal para completar a revisão da Concordata e que abrangem matérias como a fiscalidade ou a assistência religiosa às Forças Armadas.
Não podemos ficar a meio deste processo. Há que prosseguir com bom senso, determinação e preocupação com a equidade.

MUHAMMAD YUNUS-PRÉMIO NOBEL DA PAZ

A atribuição do Prémio Nobel da Paz a Muhammad Yunus e ao Grammeen Bank é uma excelente notícia, que sinaliza a importância que o combate à pobreza e à exclusão social tem para a construção da paz.
Premeia um homem que não se ficou por dar aulas de Economia na Universidade de Chittagong, no Bangladesh e criou uma instituição original, um banco que empresta dinheiro aos mais pobres, o Grammen Bank, permitindo-lhes criarem iniciativas empresariais.
O seu livro “O Banqueiro dos Pobres”, que conta como tudo começou está disponível em português desde 2001, em edição da Difel.
A inspiração de Muhammad Yunis esteve também na origem da Associação Nacional do Direito ao Crédito, sobre a qual pode obter mais informação aqui e que é membro fundador da REM-Rede Europeia de Microfinanças.A Associação Nacional de Direito ao Crédito já apoiou com 615 empréstimos pessoas e que não têm possibilidade de obter crédito junto da banca e que têm capacidades para desenvolver uma actividade económica. O montante do crédito concedido já atingiu os 2686.724 Euros.
Não deixa de ser sintomático que na mesma semana um cidadão do Bangladesh foi premiado com o Prémio Nobel da Paz e um cidadão sul-coreano, Ban Ki-Moon, Ministro dos Negócios Estrangeiros da Coreia do Sul, foi eleito secretário-geral das Nações Unidas. Se somarmos a tudo isso a crescente emergência da China e da Índia como potências económicas, mas não só, temos uma antevisão da importância que a Ásia vai ter no quadro político mundial desde o princípio do século XXI.

domingo, outubro 08, 2006

A ERA DAS METRÓPOLES COSMOPOLITAS

Dizia-se há alguns anos que estávamos na era das migrações, que elas se tinham tornado um elemento fundamental das sociedades contemporâneas. Hoje dizê-lo é insuficiente, é preciso acrescentar que as migrações mudaram profundamente as sociedades de acolhimento, e que a sua presença se inscreveu nos territórios, dando origem a grandes metrópoles cosmopolitas como Londres, Amesterdão, Paris ou Lisboa. Este processo está apenas no início. Torna-se necessário mobilizar investigadores, académicos, decisores, agentes políticos e imigrantes para desenhar políticas públicas mais eficazes, que permitam uma integração de qualidade, potenciar as oportunidades de desenvolvimento que estes processos comportam e prevenir efeitos perversos.
A recente realização em Lisboa da 11.ª Conferência METROPLIS, subordinada ao tema “Paths & Crossroads: Moving People, Changing Places” entre 2 e 6 de Outubro de 2006, foi um acontecimento de enorme relevância para o aprofundamento das redes internacionais de reflexão e estudo sobre as migrações internacionais. O programa e a qualidade dos intervenientes, quer nas sessões plenárias, quer nos workshops, e a diversidade das abordagens, como se pode ver no programa aqui, dizem-nos bem da relevância deste acontecimento. Continuo a pensar que, como afirmei no seminário Metropolis International Workshop, realizado em Lisboa, em 28 e 29 de Setembro de 1998, que está publicado pela Fundação Luso-Americana, “as migrações nos obrigam a recordar que somos todos parte da mesma família humana, e que devemos agir uns para com os outros em espírito de fraternidade” (Migration forces uses to remember that since we are all part of the same human family, part of humankind as a whole, we must act in spirit of brotherhood toward each other).
É impossível resumir a riqueza das diversas contribuições. Espero que venham a ser disponibilizados na Rede e em suporte papel.
Gostaria de me congratular desde já pelo facto de a CPLP ter sido objecto de debate (A Lusophone Community: Multicional Alliances; Multiplice Belongings) e pelo facto de vários participantes estrangeiros me terem manifestado uma apreciação positiva do que tem sido realizado em Portugal em matéria de integração desde há uma década.
Alguns colocaram, contudo, uma questão que vale a pena aprofundar, em que medida o facto da maioria dos imigrantes serem provenientes de países de Língua Oficial Portuguesa, tem contribuído para atenuar algumas deficiências das nossas políticas de integração, isto é, se não fossem imigrantes lusófonos os resultados da integração seriam mais limitados. Creio que é uma questão que é possível trabalhar cientificamente. Num workshop em que participei, dedicado às segundas gerações post-coloniais foi apresentada uma interessante comunicação de Mies van Niekerk., intitulada “Post-Colonial Migration and the Second Generation, the Caribbeans in Netherlands”, na qual comprovou que os filhos de imigrantes das Caraíbas, mais concretamente, do Suriname e das Antilhas Holandesas, beneficiaram de um leque alargado de direitos, são cidadãos holandeses, têm um domínio da língua e da cultura holandesa, e inclusive do reconhecimento por parte dos holandeses de que “são como eles”, pelo que têm maiores níveis de sucesso escolar e profissional do que os filhos dos restantes de imigrantes. Esta é uma área de investigação que se afigura interessante e foi muito positivo que a Prof.ª Doutora Margarida Marques, da Universidade Nova de Lisboa, tenha dedicado um workshop às “Post-Colonial Second Generatin in Europe”.
Naturalmente que há imenso trabalho por fazer para assegurar uma melhor qualidade da integração de todos os imigrantes, mas sobre isso tenho apresentado propostas em textos políticos de intervenção.
Hoje queria apenas fazer uma chamada de atenção para este encontro excelentemente organizado e que foi um dos maiores realizados a nível mundial sobre migrações. Manifesto, no entanto, o meu desejo de que no futuro seja assegurada a possibilidade de falar em português em todos os workshops, o que em Espanha se faz recorrendo a voluntários, recrutados entre estudantes universitários de línguas estrangeiras.
O sítio do ACIME disponibiliza aqui, os cinco exemplares do Metropolis Policy News, jornal diário em língua inglesa da Conferência, onde os que tiverem interesse podem ter mais informações sobre esta Conferência.

PS.1 - As Associações de Imigrantes têm contribuído para facilitar uma integração de qualidade dos imigrantes em Portugal e foram associadas desde a criação em 1996 do ACIME (Alto Comissário para a Imigração e Minorias Étnicas), à definição e concretização das políticas públicas de integração. Uma das Associações que até hoje mais me impressionou pela preocupação com o apoio aos seus membros e o progresso da sua terra natal, foi a ANPRP - Associação dos Naturais do Pelundo - que conseguiu finalmente ter um espaço em Lisboa, na Rua Fernando de Gusmão, Zona 6 A, Lote 7-Loja A, Quinta da Torrinha, na Ameixoeira.
A ANPRP é uma das associações em que os seus membros, na sua maioria trabalhadores com modestos salários, mais contribuem com as suas quotas, permitindo que funcione como associação de socorros mútuos que apoia os associados e suas famílias perante diversas adversidades da vida, além de apoiar projectos de desenvolvimento em Pelundo.
As Associações têm sido muito marcadas pela qualidade humana dos seus fundadores e principais dirigentes.
Assisti um dia a uma sessão singular, na qual Malam Gomes, que tinha cessado as funções de presidente, transferia as suas funções para o novo presidente eleito. Malam Gomes prestou contas, por sua iniciativa, de tudo, entregou fichas de sócios, livros de contabilidade em dia, livros de cheques, extractos bancários e inclusive a pasta que tudo continha e, que, como explicou tinha sido comprada com dinheiro da Associação. Fez isto com uma total naturalidade na frente de toda a gente.
Associações como esta dão um contributo imprescindível não apenas para a integração dos imigrantes, mas para a qualidade da sociedade civil portuguesa.

domingo, outubro 01, 2006

SOLIDARIEDADE E CIDADANIA

A afirmação da importância dos movimentos de cidadania não nos pode fazer esquecer o papel dos partidos políticos. É verdade que há mais vida para além dos partidos, e que a intervenção cívica dos cidadãos não se esgota na militância partidária, mas os partidos continuam a ter um papel insubstituível na organização democrática do poder político. Os partidos políticos são entre nós associações privadas com funções constitucionais, cuja renovação e abertura à sociedade são fundamentais para melhorar a qualidade da nossa democracia.
É por isso que, como socialista, não podia deixar de participar activamente no XV Congresso do Partido Socialista. A moção Solidariedade e Cidadania, que podem ler aqui, de que Helena Roseta e eu próprio, somos os primeiros subscritores, pretende contribuir para que o Partido Socialista esteja atento aos sinais e encontre respostas que dêem sentido ao nosso combate quotidiano por um Portugal mais livre, mais justo, mais fraterno.
A moção pretende dar um contributo para reinventar o socialismo. Apresenta propostas, critica soluções, mas sobretudo coloca questões que se podem sintetizar desta forma como conjugar a solidariedade e a cidadania. A construção das respostas exige um debate alargado com a participação dos militantes. Preocupa-nos o modelo de sociedade que estamos a construir, entendemos ser essencial dar prioridade aos direitos sociais e à defesa concreta da solidariedade. Não nos resignamos à falta de horizontes pessoais e familiares e sociais para a “geração dos recibos verdes” que levam muitos jovens portugueses a emigrar.
A defesa de uma visão solidária da sociedade, a urgência da cidadania e a responsabilidade e oportunidade histórica do PS são os eixos fundamentais em torno dos quais nos propomos promover a participação activa dos militantes que se identificam com esta moção no XV Congresso do PS. Temos de discutir questões como o Estado e os direitos sociais, as questões laborais, a necessidade de políticas activas de emprego, pela necessidade de reforma do Código do Trabalho, a escola pública e a mudança educativa, a reestruturação das universidades no âmbito do processo de Bolonha, a política social de habitação, o novo modelo social europeu, desertificação e identidade nacional, energia e interesse nacional, a construção de uma sociedade cosmopolita de inclusão.
Queremos contribuir para tornar mais evidente a urgência da cidadania, que se concretiza na luta por uma maior igualdade de género para reconciliar os jovens com a política, por uma justiça atempada, eficiente, equitativa e acessível, concebida como um novo direito social.
Consideramos que há que reforçar o combate à corrupção.
Os partidos têm de continuar a ser espaços de formação cívica e não nos resignamos a que o clientelismo e o carreirismo substituam a convicção genuína e a luta por valores. Há que valorizar o mérito e a independência de espírito.
Os desafios colocados ao aprofundamento da cidadania passam por um debate sobre o poder mediático e o direito à informação, a “democracia electrónica” e os novos movimentos de cidadania.
A necessidade de um PS, mais aberto aos cidadãos é uma lição que se impõe como resultado das eleições presidenciais.
Temos de estar atentos colectivamente à forma como Cavaco Silva vai procurar concretizar o seu conceito de cooperação estratégica, criticado por Manuel Alegre durante a campanha presidencial. A insistência sobre um acordo numa matéria como a segurança social em que as propostas do PS e do PSD são manifestamente diferentes releva de uma tentação de bloco central a partir de Belém, que recusamos.
Como escreveu Elísio Estanque no blogue BoaSociedade (29/09/2006) aqui esta moção pode resumir-se desta forma “por uma política mais solidária e mais à esquerda”.
Mas qual poderá será o seu impacto no Partido Socialista neste momento? A resposta é simples e clara. Este é um momento em que temos de dizer o que pensamos, porque isso é para nós uma exigência ética de cidadania. O resultado já não depende apenas de nós, mas da consciência e da vontade dos militantes. Nós confiamos nos militantes e desafiamo-los a através do blogue Solidariedade e Cidadania aqui a participarem connosco neste debate.

domingo, setembro 24, 2006

COMPROMISSO PORTUGAL OU COMPROMISSO LIBERAL?

Durante a passada semana fomos bombardeados com declarações nas televisões, rádios e jornais de membros da plataforma denominada Compromisso Portugal. A designação é totalmente desajustada já que não se percebe o que tem a ver com as aspirações da grande maioria dos portugueses e de que forma a concretização das suas propostas contribuiria para reforçar o papel de Portugal na Europa e no Mundo. É, sem dúvida, um manifesto liberal emanado de um lóbi influente de mais de cinco centenas de economistas, quadros médios e superiores, empresários e gestores com articulações com o poder político. As suas propostas devem ser discutidas. Representam um sector de opinião, cuja intervenção deve ser saudada por propor soluções para os problemas do País, que devem ser discutidas e que mostram, uma vez mais, que a vontade de participação não é exclusiva da esquerda.
A sua intervenção contrasta com o silêncio de intervenção da esquerda democrática e socialista, que tem de ser rapidamente colmatado. Desde o histórico Congresso do PS em que se confrontaram as análises e propostas apresentadas por José Sócrates, Manuel Alegre e João Soares que a esquerda não apresenta perante o País as suas propostas de uma forma viva e incisiva. As eleições presidenciais não tinham essa vocação e a acção do Governo mesmo quando representa a execução de um programa de esquerda, não é, naturalmente, acompanhado da explicitação dos seus pressupostos ideológicos.
Da floresta de propostas detenhamo-nos em três. Uma delas consiste na “passagem de um modelo de Segurança Social de repartição para capitalização, complementado por uma pensão mínima suportada pelo OE”, o que envolve a criação de “um novo fundo de pensões por capitalização, de contribuição definida através de uma conta individual de cidadão” (vide “Jornal de Negócios”, 22/09/2006). Ora se é evidente que a Segurança Social necessita de uma profunda reforma para assegurar a sua viabilidade no futuro, é também claro que tem de assentar numa solidariedade intergeracional e que no caso de um modelo de capitalização puro e duro, como refere Nicolau Santos, “mais do que saber se serão suportáveis os seus custos, se caminhará para uma sociedade bem mais desigual, economista e cruel” (vide, A solidariedade é de esquerda? “Expresso”, 23/09/2006.
Outra proposta consiste na defesa da “flexibilização da lei laboral, permitindo a opção por um novo contrato de trabalho que estabeleça previamente condições para a rescisão pelo empregador, definindo a lei os limites mínimos para a indemnização”. Esta proposta ignora a desigualdade radical em que se encontra o trabalhador perante o empregador ao negociar um contrato de trabalho, que justificou a consagração constitucional do princípio da segurança no emprego. Ignora também que se entre nós o despedimento individual por causas subjectivas é rodeado de garantias, já o despedimento por causas objectivas, o despedimento colectivo ou por extinção do posto de trabalho, está extremamente facilitado, não assegurando, muitas vezes, o respeito pelo princípio constitucional da segurança no emprego.
Outra proposta de que discordamos é a da “redução de 150 a 200 mil funcionários públicos através da sua migração apoiada e socialmente equilibrada para a iniciativa privada”. É fundamental trabalhar para assegurar uma Administração mais eficiente, mais amiga dos cidadãos e do desenvolvimento económico, mas o problema não está em reduzir funcionários para quem considera, como nós, que o Estado deve assegurar as funções de soberania e as funções sociais, mas também ser um Estado estratega, capaz de harmonizar a esfera da economia, onde impera a competitividade, com a esfera social, onde tem de imperar a coesão, e com a esfera ambiental, onde a sustentabilidade deve ser a regra.
Por tudo isto as propostas do Compromisso Portugal não servem os portugueses. A sua concretização levaria a um aumento considerável do número de portugueses que estão a emigrar para países, como Reino Unido, Suiça, Espanha ou Angola.
Mas será que prejudicando os portugueses as propostas contribuiriam para reforçar o papel de Portugal na Europa e no Mundo? Não vejo como, na medida em que não reforçariam, por exemplo, o controle dos empresários portugueses sobre centros de decisão económica relevantes ou a eficácia do Estado no exercício das suas funções. Por tudo isto também não servem Portugal.
Neste contexto soam a insólito as declarações de António Carrapatoso no encerramento da 2.ª convenção do Compromisso Portugal “Somos revolucionários”. Fazem-me lembrar uma outra proclamação “revolucionária”, que ouvi quando era miúdo “enquanto houver um português com fome a revolução continua”. Adivinhem quem era o autor?
É caso para os que se identificam com a esquerda democrática e com o socialismo democrático contraporem uma proclamação bem mais moderna, sejamos ousadamente reformistas. O País e o Mundo avançam mais através de reformas estruturais do que por proclamações ditas revolucionárias.

domingo, setembro 17, 2006

ESQUERDA, PARTICIPAÇÃO E CIDADANIA

A esquerda democrática e o socialismo democrático procuram novas respostas para construir sociedades mais livres, justas, igualitárias e solidárias.
Dos Estados Unidos a França, passando por Portugal, a esquerda reinventa-se, através de uma participação acrescida dos cidadãos.
Nos Estados Unidos basta recordar a intervenção de figuras inovadoras do Partido democrático como Howard Dean, o papel dos blogues, como “Crashing the gate” aqui ou do cinema, como o recente documentário “Uma Verdade Inconveniente” de Davis Guggenheim com a participação de Al Gore e, sobretudo, o apelo a uma maior intervenção dos cidadãos.
Em Portugal, está bem presente a candidatura presidencial independente de Manuel Alegre, que conseguiu provar que o poder dos cidadãos é uma força que não pode ser subestimada. Em França, a pré-candidatura presidencial de Ségòlene Royal utiliza um sítio na Rede como espaço de cidadania e como organizador colectivo.
Todos estes novos movimentos ilustram a afirmação de Manuel Alegre de que “a Liberdade é o motor da história”.
É neste contexto que o MIC (Movimento de Intervenção e Cidadania) se está a afirmar como um movimento de tipo novo. De acordo com os seus estatutos, divulgados aqui hoje, o MIC é um movimento independente, transversal e aberto a filiados e não filiados em partidos políticos. O MIC tem como objectivo promover, através de todos os meios de intervenção cívica, o aprofundamento da democracia participativa, visando a qualidade da vida democrática e o cumprimentos dos objectivos inscritos na Constituição da República Portuguesa.
O MIC é um movimento de tipo novo porque dele podem fazer parte pessoas singulares, associações - com ou sem personalidade jurídica - ou fundações, nacionais ou estrangeiras , que se proponham colaborar e prosseguir os fins associativos previstos nos seus estatutos.
O MIC tem vindo a propor novos temas para a agenda, como o alargamento da licença de paternidade, ou uma abordagem inovadora do envelhecimento e da cidadania. Em breve irá debater questões como a água - direito humano ou mercadoria, a desertificação do País ou o estado do território. A água é aliás uma questão que preocupa Manuel Alegre e Al Gore.
A questão que se pode colocar é a de saber se o MIC será capaz de realizar os objectivos que se propõe. A resposta não está escrita nos astros. O MIC será capaz de os alcançar se for essa a vontade dos cidadãos, que sabendo que o caminho se faz caminhando, decidam assumir a sua cidadania participativa.

PS. 1- A morte de Teresa Ambrósio (1936-2006) na passada segunda-feira apanhou-me totalmente de surpresa. Ignorava que estava doente.
A missa celebrada no dia do seu funeral, com a participação activa dos filhos, foi um momento de verdade e fez-me sentir a sua presença e o sentido da sua vida.
Teresa Ambrósio foi uma cidadã exemplar, uma figura de relevo do Partido Socialista à renovação do qual deu vários anos da sua vida, tendo sido vice-presidente do Grupo Parlamentar e dirigente nacional do Partido Socialista. Foi uma parlamentar, com uma intervenção de invulgar qualidade, designadamente nas questões de educação e nas relativas à condição feminina.
Teresa Ambrósio começou por militar na JUC (Juventude Universitária Católica) e inscreve-se no PS pouco depois do 25 de Abril. Colaborou muito de perto com Francisco Salgado Zenha, quer no PS, quer no IED (Instituto de Estudos e Desenvolvimento).
Teresa Ambrósio foi até agora a única mulher que presidiu ao CNE (Conselho Nacional de Educação) e era professora jubilada da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, sendo doutorada em Ciências da Educação na Universidade de Tours, de que era professora agregada. Foi também consultora das Comunidades Europeias e da Unesco para as áreas de Educação, Ensino Superior e Formação. Dou-me ao trabalho de o referir, porque como disse à imprensa o seu marido, José Pedro Martins Barata, “era mais conhecida nos meios académicos estrangeiros, do que cá em Portugal” (vide, Sol, 16/09/2006), tendo colaborado com personalidades como Edgar Morin.
A sua preocupação com a educação e a cidadania poderá sintetizar-se dizendo que procurou “formar espíritos capazes de organizar conhecimentos (…), ensinar a condição humana (…), criar uma escola de cidadania”.
Não esqueceremos a coragem e a dignidade com que viveu a sua vida e a sua morte.
Obrigado Teresa pela amizade e pelo que aprendemos contigo!

domingo, setembro 10, 2006

DISCRIMINAÇÕES NO ACESSO À HABITAÇÃO

O art.65.º da Constituição da República Portuguesa (CRP) estabelece que: «1. Todos têm direito, para si e para a sua família, a uma habitação de dimensão adequada, em condições de higiene e conforto e que preserve a intimidade pessoal e a privacidade familiar».
Sabemos que muito tem sido feito para criar condições para a sua efectivação nas últimas décadas, mas é necessário continuar a fazer muito. São necessárias novas iniciativas e novas medidas de política legislativa.
A CRP exige que o Estado assuma um papel activo promovendo um conjunto de medidas para que seja um direito de todos.
Cabe também ao Estado impedir que os cidadãos sejam discriminados no acesso à habitação.
A Lei n.º46/2006, de 28 de Agosto, proíbe e pune a discriminação em razão da deficiência e da existência de risco agravado de saúde, designadamente, «a recusa ou o condicionamento de venda, arrendamento ou subarrendamento de imóveis, bem como o acesso ao crédito bancário para compra de habitação, assim como a recusa ou penalização na celebração de contratos de seguros» (art.4, alínea c)).
Esta lei vem contrariar as práticas discriminatórias que têm vindo a verificar-se. A associação de defesa de consumidores DECO, espera que «a nova lei contra a discriminação de deficientes…venha acabar com as recusas das seguradoras em fazer seguros de vida a estes indivíduos, impedindo-os de aceder ao crédito à habitação» (Público, 8 de Setembro de 2006). Os bancos exigem seguros de vida para a concessão dos créditos e os cidadãos que não conseguem celebrar contratos de seguros, vêem-se assim impedidos de ter acesso ao crédito bancário para a compra de habitação.
As sanções previstas na nova lei para as práticas discriminatórias são suficientemente dissuasoras e podem ir até ao encerramento das empresas durante dois anos.
Esta legislação é muito oportuna, porque corresponde a uma necessidade de pôr termo a discriminações injustificadas, e entra em vigor num momento em que na comunicação social se têm multiplicado as denúncias deste tipo de situações.
Associamo-nos à luta dos cidadãos, e de associações como a DECO, para terminar com as discriminações de que são vítimas muitas pessoas em razão de deficiência ou de risco agravado de saúde.
A prática das seguradoras, se os cidadãos se mantiverem atentos e exigentes, terá que mudar. Entre o texto da lei e a prática social há um hiato a preencher pela intervenção dos cidadãos.

PS. 1- O Forum Gulbenkian Imigração está a promover um conjunto de actividades artísticas, que permite chamar a tenção para a mais-valia que os imigrantes representam também do ponto e vista cultural para a sociedade de acolhimento. É um conjunto diversificado de iniciativas, abrangendo exposições, que incluem uma instalação/fotografia e uma instalação multimédia de doze filmes de três minutos em doze suportes audiovisuais, espectáculos, estando também em produção um documentário, a apresentar publicamente no dia 31 de Janeiro de 2007. É uma iniciativa positiva que contribui para dar visibilidade a um conjunto de artistas e grupos provenientes da imigração. Fixemos os seus nomes: Contra-Banzo, Chullage, Vento Leste, The Pyramed Sessions, Lisa.
É um passo positivo que só terá sentido se os artistas provenientes da imigração fizerem naturalmente parte das programações gerais sem precisarem sequer de ser escolhidos para representarem a imigração. Estou certo que é essa a intenção dos organizadores. A iniciativa é um sublinhado vivo da forma como o contributo cultural dos imigrantes nos enriquece o gosto e alarga os nossos horizontes.

2- A presença de representantes das FARC - Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia na Festa do Avante não pode deixar de merecer a repulsa de todos os democratas e militantes de esquerda.
Falemos claro, a condenação do regime colombiano e o reconhecimento do direito à insurreição dos povos contra todas as formas de opressão, exigem também que, em nome dos valores democráticos e da esquerda, condenemos organizações terroristas como as FARC, que se financiam através da extorsão, roubo, tráfico de droga e têm sequestradas mais de 3000 pessoas entre as quais, a candidata à Presidência da Colômbia em 2002, Ingrid Betancourt, uma senadora incorruptível.
Não confundimos este tipo de organizações com organizações progressistas. É um erro tão grosseiro como confundir bandos criminosos que actuam a partir das favelas do Rio de Janeiro ou de São Paulo e dominam o tráfico de droga e de armas com organizações progressistas só porque tiveram na sua génese algum tipo de ligação com o denominado Comando Vermelho.
Solidarizamo-nos por isso com os abaixo-assinados de repúdio pela presença das FARC na Festa do Avante, promovidos por um conjunto de blogues entre os quais, dois com quem temos uma ligação permanente, Tugir e Canhoto, através dos quais podem assinar os abaixo-assinados, e com eles, apelamos à libertação de todos os presos por esta organização e solidarizamo-nos com milhares de colombianos vítimas de terrorismo.

domingo, setembro 03, 2006

CRIMES DE GUERRA NO LÍBANO

A Amnistia Internacional divulgou no seu sítio um relatório relativo à guerra do Líbano, onde coloca a questão de saber se foram ou não cometidos crimes de guerra durante o recente conflito por Israel e pelo Hezbollah. A Amnistia interroga-se sobre se estamos perante uma destruição deliberada de infra-estruturas civis libanesas por parte de Israel, e não apenas perante danos colaterais, acusando também o Hezbollah de violação das leis internacionais, as quais serão objecto de um relatório específico
Já tivemos oportunidade de nos referir aqui à recente guerra do Líbano e congratulamo-nos pelo fim da guerra. Consideramos também positiva, apesar de ser uma operação de risco, a presença de militares de Estados-Membros da União Europeia, incluindo portugueses, na força das Nações Unidas no Líbano (UNIFIL II). As Nações Unidas têm de demonstrar na prática a sua capacidade para assegurar a paz e evitar a guerra.
É positivo, neste contexto, que uma organização independente como a Amnistia Internacional analise e divulgue informação que permita conhecer com mais rigor a forma como Israel conduziu a guerra no Líbano, designadamente, relativamente às populações civis.
A guerra no Líbano, relançou também o debate sobre as questões éticas colocadas pela utilização de bombas de fragmentação, cuja utilização não é formalmente ilegal, mas que pelo facto de afectarem a população civil constituem uma violação dos direitos humanos e do direito humanitário internacional. Este tipo de bombas, cuja utilização por Israel no Líbano foi considerada como imoral pelas Nações Unidas, pelo facto de 90 por cento terem sido lançadas quando se sabia que havia uma resolução para por fim à guerra, contêm um dispositivo que espalha um grande número de pequenas bombas, que podem causar danos ao longo de meses ou anos e têm efeitos indiscriminados sobre as populações civis. Para ter uma noção da gravidade da situação criada, é suficiente recordar que, durará anos a desactivação das bombas que não explodiram no sul do Líbano, tendo até agora a ONU encontrado 400 locais, com a colaboração de Israel, com explosivos deste género.
Esperamos que a Amnistia Internacional divulgue com brevidade o seu relatório sobre os crimes de guerra cometidos pelo Hezbollah por uma questão de justiça e de equidade.
Actos como o rapto de militares ou civis, o bombardeamento de populações civis ou a utilização de bombistas suicidas, são crimes que têm de merecer a inequívoca condenação internacional e considerados crimes de guerra.
Os passos que estão a ser dados para assegurar a paz e a reconstrução do Líbano são muito importantes para o futuro de todos nós, mas não produzirão todos os seus frutos se não forem acompanhados de avanços diplomáticos que assegurem em simultâneo a independência da Palestina com fronteiras definidas por negociação e o reconhecimento inequívoco de Israel por parte dos Estados vizinhos.
Continuamos convencidos que o futuro da paz e do progresso da região passa pela existência de regimes democráticos em Israel, Jordânia, Líbano e Palestina.

PS.1 De uma forma discreta, mas que espero venha a ser eficaz, o governo irá proceder à regularização da permanência de imigrantes que se encontravam em território nacional, que tinham procurado regularizar-se ao abrigo do disposto no artigo 71.º do Decreto-Regulamentar n.º6/2004, de 26 de Abril, ou ao abrigo do Acordo Luso-Brasileiro sobre Contratação Recíproca de Nacionais. Este processo de regularização tem por base um despacho do Secretário de Estado Adjunto e da Administração Interna, José Magalhães.
É uma oportunidade que não pode ser perdida pelos seus destinatários e que a imprensa não tem dado a devida divulgação, com excepção do Diário de Notícias de 16/08/2006.
Os imigrantes abrangidos por este processo de regularização são os que fizeram o pré-registo nos CTT entre 3 de Maio e 14 de Junho de 2004, bem como brasileiros inscritos no âmbito do Acordo Lula.
Sugiro aos interessados que consultem aqui informação mais detalhada sobre a forma como irá desenrolar-se a regularização da sua permanência. Estes processos de regularização dirigem-se a cerca de cinquenta mil imigrantes que se encontram em Portugal e já procuraram até agora sem sucesso regularizar a sua situação, entre os quais os 6520 brasileiros, cuja possibilidade de legalização José Sócrates anunciou na sua visita ao Brasil.

domingo, agosto 13, 2006

BRASIL E PORTUGAL - NOVO ACHAMENTO

A recente visita do primeiro-ministro português José Sócrates ao Brasil reveste-se de grande oportunidade e significado político. Sendo uma visita com uma agenda centrada no estreitamente dos laços económicos entre os dois países e subsidiariamente a dar mais alguns (tímidos) passos na cooperação cultural, revestiu-se de um significado político que transcendeu o inicialmente previsto. Ainda bem que assim foi
As relações entre Portugal e o Brasil são de importância capital para Portugal, mas podem ser também muito mais vantajosas para o Brasil do que é normalmente percebido pela sua diplomacia.
José Sócrates disse-o de forma rigorosa aos empresários brasileiro “Portugal pode significar para o Brasil o mesmo que a Irlanda significou para os Estados Unidos”. Esta frase subentende o não-dito de que o Brasil pode significar para Portugal o que os Estados Unidos significaram para o desenvolvimento da Irlanda.
Além disso, a cooperação empenhada dos dois países em projectos, como a CPLP, é essencial para o seu sucesso.
Os portugueses re-descobriram o Brasil depois do 25 de Abril, primeiro através das telenovelas. Quem não recorda a importância que teve a telenovela “Gabriela, Cravo e Canela”, a partir do livro de Jorge Amado, com Sónia Braga O novo achamento, permitam-me que use esta antiga e bela palavra portuguesa, prosseguiu em todas as áreas e sectores do futebol, à informática, à cultura, aos dicionários de português, à imigração e ao turismo. Com os governos de António Guterres passou a ser uma opção política estimular o investimento português no Brasil, que hoje é de grande significado em sectores estratégicos. É a hora de estimular o novo achamento de Portugal pelo povo brasileiro, que apesar de tudo o vai descobrindo, privilegiando Portugal como destino de imigração, mas também pelas novas elites emergentes económicas, culturais e políticas.
Temos que partir de uma análise objectiva de situação para a alterarmos e não ignorar as resistências da tradicional doutrina diplomática brasileira.
Não podemos ignorar o que afirmou o Embaixador de Portugal no Brasil, Francisco Seixas da Costa; diplomata de grande cultura e inteligência, que na entrevista concedeu a Maria João Avillez (Única, Expresso, nº1762,5 de Agosto2006) refere ser um leitor de blogues com regularidade, cuja leitura completa é imprescindível. Registo a afirmação: «A nossa relação política [Portugal e Brasil] será sempre desigual e assimétrica. Porquê? Porque para nós, a lusofonia é um elemento axial da nossa afirmação externa». Outra constatação a reter: «está a desaparecer no Brasil a geração, política e cultural, que tinha uma relação de afectividade profunda com Portugal».
Isto significa que temos de promover um novo achamento recíproco, que para ser possível exige determinação e persistência política. Pessoalmente nunca esquecerei a homenagem que organizei com Dulce Pereira, então responsável máxima da CPLP, em Durban (África do Sul) durante “A Conferência Mundial Contra o Racismo”, a Fernando Pessoa, em cuja estátua depusemos flores, depois de uma marcha, na qual a maioria dos participantes para além de alguns emigrantes portugueses (poucos) eram sobretudo políticos brasileiros, mulheres e homens, próximos do Movimento Negro Brasileiro, o qual é uma realidade que a diplomacia portuguesa não pode ignorar.
Outra constatação pessoal, metade das visitas a este blogue vêm do Brasil. Penso que algo de semelhante acontecerá com outros.
O facto do maior número de imigrantes em Portugal ser constituído por brasileiros é uma oportunidade estratégica para esse novo achamento de Portugal pelo Brasil. É preciso, como para todos os imigrantes sem excepção criar condições para uma integração de qualidade.
É positivo que José Sócrates tenha anunciado a legalização de seis mil e quinhentos brasileiros, durante a visita ao Brasil. Alguma imprensa portuguesa considerou este facto como um apoio à reeleição de Lula da Silva, estimulando o voto dos imigrantes na sua re-candidatura. Se tiver esse efeito, como socialista, não deixarei de me regozijar, mas foi sobretudo um acto de justiça que abrangerá também outros milhares de imigrantes de outras nacionalidades que tinham ficado a meio dos burocráticos processos de legalização promovidos pelo governo de Durão Barroso. Foi também um acto de eminente interesse nacional, já que só imigrantes legalizados, podem ter uma boa integração e contribuir para um bom relacionamento de Portugal e os seus países de origem.

PS. 1- Uma breve nota para saudar o facto da nova proposta de lei do Governo sobre a entrada, permanência, saída e afastamento de estrangeiros ter tido em conta sugestões e críticas, designadamente, de associações de imigrantes, durante o período de discussão pública. Esperemos que a Assembleia da República não se deixe impressionar pelo CDS e pelo BE, que «acusam o Governo de fazer um convite à imigração ilegal», segundo o Público de 12.08.2006. Diremos detalhadamente, em Setembro, porque não é verdade.
Nesta semana Francis Obikwelo brindou-nos com mais duas medalhas de ouro, e João Vieira com uma medalha de bronze.
Saudamos os dois atletas portugueses pelas suas vitórias. Só com o esforço de todos os portugueses, quer os que aqui nasceram, quer os que se nos juntaram por decisão livre e consciente, é que podemos estar à altura dos desafios em todos os campos. Portugal, quando se não fecha sobre si mesmo, descobre que terá de ser cada vez mais uma Nação cosmopolita.

PS. 2- A prova de que os blogues podem, contribuir para desenvolver o melhor conhecimento entre os países de língua oficial portuguesa, actuando espontaneamente em rede, foi ilustrado esta semana pela sinergia que se estabeleceu entre o que escrevemos sobre S. Tomé e Príncipe e textos e imagens que dois excelentes blogues decidiram também editar sobre S.Tomé e Príncipe no passado dia 7 de Agosto de 2006. Referimo-nos aos blogues OS DOIS PILARES DA CRIAÇÃO e RELIGARE.
Seria muito interessante que pudéssemos criar uma rede de cumplicidade com blogues de S.Tomé e Príncipe, do Brasil, de Portugal e dos outros Estados-Membros da CPLP. Existe uma enorme riqueza cultural que vale a pena divulgar e partilhar, bem como boas práticas em matéria de inclusão e cidadania em diferentes países que podem inspirar projectos e iniciativas noutros países.
Vamos pensar no que podemos fazer para o concretizar, durante a curta pausa estival que vamos fazer. Até breve.

domingo, agosto 06, 2006

S.TOMÉ E PRÍNCIPE-O DESAFIO DO DESENVOLVIMENTO

Fradique Melo Bandeira de Menezes foi reeleito Presidente da República em eleições que decorreram com normalidade democrática. Obteve 60,03% dos votos, enquanto os restantes candidatos Patrice Trovoada e Nilo Guimarães obtiveram respectivamente 38,50% e 0,59% dos votos. Patrice Trovada reconheceu a derrota, com dignidade, e desejou um bom mandato a Fradique de Menezes, o qual no meio do enorme entusiasmo popular pela sua reeleição teve palavras de saudação também para os que não votaram nele prometendo exercer as suas funções no interesse de todos. Tudo isto constitui um exemplo de respeito pelas instituições democráticas, de liberdade e tolerância, que nos apraz sublinhar.
As boas notícias não merecem normalmente o mesmo destaque do que as más. É por isso positivo que a televisão portuguesa tenha transmitido imagens quer das declarações de Patrice Trovoada, quer do Presidente Fradique de Menezes.
Com esta expressiva vitória Fradique de Menezes, que ganhara também as eleições legislativas, tem condições para iniciar um novo ciclo político em que se verifique um crescimento da satisfação das necessidades básicas da grande maioria da população e o crescimento económico, que torne S.Tomé e Príncipe num país desenvolvido. É este o desafio com que será confrontado nos próximos cinco anos, dispondo de um recurso novo a juntar à importância tradicional da agricultura, a exploração do petróleo.
Fradique de Menezes é filho de pai português do distrito de Viseu, e mãe santomense, estudou em Portugal e na Bélgica, e tem um grande currículo político e diplomático, sendo um abastado empresário, que se afirmou na vida política santomense.
Portugal, onde se situa a maioria da diáspora santomense, e da qual um número crescente são também cidadãos portugueses, deve intensificar o seu relacionamento a todos os níveis com S.Tomé e Príncipe.
O Presidente da República portuguesa expressou correctamente o sentimento nacional quando ao felicitar Fradique de Menezes, afirmou: «esperar que se encontrem «novas oportunidades para se desenvolverem e aprofundarem ainda mais [os laços entre os dois países], quer no campo bilateral, quer no quadro da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP)».
S.Tomé e Príncipe não é apenas um país de uma beleza deslumbrante, é um país rico em capital humano e cultural.
Para o exemplificar, e não falando da riqueza do teatro popular, das variadas expressões musicais, da literatura santomense no seu conjunto, gostaria de referir hoje duas grandes poetisas, Alda do Espírito Santo e Conceição Lima e um grande prosador Sacramento Neto.
Foi publicado recentemente, em Portugal, o livro A Poesia e a Vida - Homenagem a Alda Espírito Santo, pelas Edições Colibri, da iniciativa de Inocência Mata e Laura Padilha, que contou com a colaboração designadamente de Conceição Lima e Natália Umbelina. Alda do Espírito Santo é não só uma grande escritora da Língua Portuguesa, de que seria necessário publicar a obra poética completa e que merecia receber o Prémio Camões, mas foi também Ministra da Informação, Ministra da Educação e Cultura de S.Tomé e Príncipe.
Mas a poesia santomense renova-se continuamente como se pode constatar pela leitura dos dois belíssimos livros de poesia de Conceição Lima, «O Útero da Casa» e «A Dolorosa Raiz do Micondó».
Em Lisboa, ou entre S.Tomé e Princípe e Lisboa, processa-se, uma parte importante da criação cultural santomense.
Para dar mais um exemplo, não posso deixar de referir, a produção literária contínua de Sacramento Neto, padre católico, que exerce as suas funções sacerdotais em Lisboa e tem vindo discreta, mas persistentemente a criar uma obra literária que permanecerá para sempre, que mais não seja por ter introduzido no português escrito palavras provenientes de outras línguas de S.Tomé e Príncipe. Um dos seus livros «Milongo» foi, aliás, já adaptado à televisão pela RTP, em colaboração com a Televisão de S.Tomé e Príncipe.
Só me resta felicitar uma vez mais Fradique de Menezes pela sua vitória e desejar progresso e desenvolvimento ao povo santomense e uma maior cooperação entre Portugal e S.Tomé e Princípe a todos os níveis.
Como cidadãos, temos sempre os nossos blogues e sítios na Rede para estimularmos a intensificação do relacionamento pessoal, cultural, económico e político entre os dois países.

domingo, julho 30, 2006

É URGENTE A PAZ NO LÍBANO

A situação do Médio Oriente tem a ver com o quotidiano de todos nós. Israel, o Líbano, a Palestina têm profundas e diversificadas ligações ao espaço euro-mediterrâneo em que nos inserimos.
Não é fácil falar do conflito para quem não distingue vítimas civis, sejam elas libanesas, israelistas ou palestinianas e condena a violência que as atinge a todas sejam os seus autores milícias ou exércitos regulares e condena quer o anti-semitismo, quer a islamofobia.
Não podemos contudo ficar calados perante a escalada da violência e da guerra e temos de arriscar juízos discutíveis porque desejamos uma paz duradoura para a região, se possível sem vencedores e sem vencidos.
Não nos podemos calar porque pensamos que a passividade da comunidade e, sobretudo, das instituições internacionais, tem enorme responsabilidade na situação a que se chegou.
Participei, como responsável da delegação portuguesa, em 2001 nas longas e difíceis negociações que precederam a aprovação de uma resolução sobre o Médio Oriente na Conferência Mundial contra o Racismo, a Discriminação Racial, a Xenofobia e a Intolerância Conexa, realizada em Durban (África do Sul) e tenho bem a noção da extrema complexidade da situação no Médio Oriente e da dificuldade de construir uma paz duradoura na região, mas creio que não sairemos desta situação se não conseguirmos dar passos decisivos nessa direcção.
Uma demonstração dessa demissão está ser dada pela União Europeia. Se não fosse a iniciativa do Ministro dos Negócios Estrangeiros Português, Luís Amado, não se realizaria neste período estival uma reunião extraordinária dos Ministros dos Estrangeiros da Europa para discutir a situação do Médio Oriente e qual o papel que cabe à Europa na procura de uma solução para o conflito.
O conflito actual vem tornar claro que a ausência de uma solução duradoura e garantida pelas Nações Unidas para o conflito israelo-palestiniano, bem como a errada intervenção americana no Iraque contribuíram para o fortalecimento de partidos armados, que procuram utilizar referências assentes em versões manipuladas politicamente do islamismo. O Hezbollah é o exemplo mais significativo desta nova realidade, sem esquecermos que no passado saudou a primeira intervenção de Israel no Líbano.
A diplomacia tem de ser incansável e criativa se quisermos construir a paz enquanto o conflito não alastra mais e a Síria ou o Irão não intervêm. A atitude de prudente expectativa e de condenação inclusive do Hezbollah por parte de países como o Egipto ou a Arábia Saudita abrem uma janela de oportunidade que não pode ser desaproveitada.
Não há soluções fáceis nem milagrosas, mas creio que uma paz duradoura exige mais do que um urgente cessar-fogo, a libertação dos três militares israelitas raptados e o fim da intervenção militar israelita. Exige o fortalecimento do Estado libanês, o país que mais tem sofrido com as sequelas do conflito israelo-palestiniano, um povo plural, do ponto de vista cultural e espiritual, que pode voltar a ser uma democracia exemplar. Vão ser necessárias forças de paz para permitir às forças armadas libanesas exercer a sua soberania sobre todo o seu território inclusive o sul do Líbano e desmilitarizar o Hezbollah.
Se tudo isto aparece como mais urgente, não creio que seja possível concretizá-lo sem avanços significativos em matéria de reconhecimento de um Estado Palestiniano com fronteiras negociadas e, simultaneamente, o reconhecimento pela Presidência e Governo palestinianos do Estado de Israel com o efectivo compromisso de reprimir a acção do grupos terroristas que procurem promover atentados em Israel.
Só dessa forma será talvez possível separar a Síria do Irão.
O futuro da democracia na região não terá como impulsionadora a situação do Iraque que continuará ainda por muito tempo numa situação de trágico conflito interno.
Se a comunidade internacional se empenhar a fundo será a partir de Estados como Israel, o Líbano, a Jordânia e a Palestina, que a democracia qual pequena luz frágil poderá ganhar raízes na região.
Também por tudo isto é urgente a paz e a paz não se constrói com mais guerra, mas com um esforçado, inteligente e ousado empenhamento diplomático das Nações Unidas, dos Estados Unidos, da União Europeia, dos Estados Árabes.

P.S.- Estão por estudar as antigas e profundas ligações entre o Líbano, Portugal e o Brasil. José Rodrigues dos Santos fez uma excelente reportagem na RTP sobre uma aldeia sunita no sul do Líbano, onde o português era uma língua falada (e bem) por muitos dos habitantes. Na Guiné-Bissau há muitas famílias de origem libanesa, mas é no Brasil que vivem praticamente tantos brasileiros de origem libanesa, como o número de libaneses que vivem no Líbano. Significa isto que deverão existir três a quatro milhões de pessoas de origem libanesa, que falam também português e vivem no Brasil.
Mais uma razão afectiva a juntar às racionais para nos sentirmos envolvidos com a guerra no Líbano e nos empenharmos na construção da paz, no Médio Oriente, onde Israel tem também muitos milhares de cidadãos a que nos ligam laços de cultura e /ou de sangue profundos e sofridos como resultado de uma história, em que muitos dos seus antepassados foram injustiçados neste país, que também é seu.