domingo, janeiro 30, 2011

DA MONARQUIA À REPÚBLICA - CARTAS PORTUGUESAS DE ROMOLO MURRI

A participação política de católicos a título pessoal, de acordo com a sua consciência, em diferentes partidos políticos é hoje encarada como um dado natural, que não suscita emoção, nem sequer especial reflexão.
Os problemas que armadilharam e dificultaram essa participação política no passado foram ultrapassados, mas para que assim fosse muitos sofreram amargas incompreensões. Leigos ou padres, ao longo do século XX, lançaram as bases teológicas e filosóficas que a tornaram possível, antes e depois do Concílio Vaticano II.
Romolo Murri, notável pensador italiano, um dos pioneiros dessa participação, como o foi noutro tempo e modo, por exemplo, Jacques Maritain com a distinção entre agir como cristão e enquanto cristão.
As reflexões de Romolo Murri sobre a sociedade, a política e a Igreja em Portugal, resultante da sua visita a Portugal como correspondente do jornal La Stampa no limiar da queda da Monarquia e do advento da República, revestem-se de particular interesse por serem um olhar singular, de um intelectual católico e político italiano de esquerda.
A publicação pela primeira vez em português deste pequeno livro de Romolo Murri muito deve ao empenho e à qualidade profissional e académica de João Miguel Almeida, que tem publicado livros imprescindíveis para analisar a prática política dos católicos no século XX português. João Miguel Almeida faz preceder o texto de Romolo Murri de um ensaio, em que analisa com profundidade diferentes correntes de pensamento que atravessavam o catolicismo político português, a crise do rotativismo monárquico e a forma como Murri foi discutido pelos católicos portugueses na época.
Com a sua publicação disponibiliza-se uma fonte importante que “(…) contribui para o labor historiográfico, como desenvolvimento do conhecimento da realidade na sua complexidade”, como refere António Matos Ferreira, Director-adjunto do CEHR (Centro de Estudos de História Religiosa) da Universidade Católica Portuguesa.
Maurilio Guasco, Professor de História do Pensamento Político Contemporâneo na Universidadde de Piemonte Oriental; Itália., traça um retrato impressivo de “Romolo Murri: percurso de um crente, intelectual e político católico”.
Romolo Murri teve uma acção precursora durante o pontificado de Leão XIII, foi vítima das orientações políticas conservadoras de Pio X e foi excomungado, sob a acusação de modernista, apesar de ter sido sempre um pensador tomista, tendo acabado por se reconciliar plenamente com a Igreja graças à intervenção directa de Pio XII, que fora seu aluno. Romolo Murri pagou um preço muito elevado por ter sido pioneiro na defesa da intervenção política dos católicos sem sujeição à tutela eclesiástica e por defender a colaboração entre democratas-cristãos e socialistas.
Murri, aliás, nunca deixou de ser católico e de se considerar como tal. Maurilio Guasco cita as suas palavras depois da reconciliação: “O meu lugar na tradição e na vida espiritual e nas lutas de pensamento da sociedade a que pertenço está no catolicismo: e do catolicismo procurei sempre dar testemunho (…)”.
João Miguel Almeida tem razão quando afirma que “detecto ecos das questões levantadas por Rómulo Murri nos problemas que Francisco Lino Neto e Salgado Zenha enfrentaram na transição do Estado Novo para a democracia”. Os católicos democratas e oposicionistas como Francisco Lino Neto optaram por colaborar politicamente com uma geração de republicanos e socialistas, “como Salgado Zenha e Mário Soares, que se demarcaram da tradição anti-clerical” e aderiram ao Partido Socialista em vez de criarem um Partido Democrata-Cristão.
Estas opções, permitam-me que acrescente, marcaram profundamente o curso político pós 25 de Abril e contribuíram positivamente para o enraizamento sustentável do Partido Socialista, em comparação como outros congéneres europeus menos abertos à pluralidade de inspirações ideológicas.
Romolo Murri, quaisquer que tenham sido as limitações do seu pensamento, abriu um caminho que teria sido mais difícil de percorrer sem o seu contributo.
Como católico e socialista não posso deixar de considerar este livro uma leitura imprescindível, para os muitos milhares de católicos que têm feito uma opção política similar.

domingo, janeiro 16, 2011

MANUEL ALEGRE-GARANTE DA DEMOCRACIA E DO ESTADO SOCIAL

As eleições presidenciais revestem-se de importância decisiva para a definição do nosso futuro colectivo. Está em causa uma escolha clara, Manuel Alegre ou Cavaco Silva.
Manuel Alegre será um Presidente da República que exercerá os poderes que a Constituição lhe confere como um garante da qualidade da nossa democracia política, com mais paridade e sem discriminações, mas, que além disso, não esquece que a nossa democracia não é apenas política, mas também económica, social e cultural.
Os sectores mais conservadores da sociedade portuguesa pretendem, a partir de uma eventual reeleição de Cavaco Silva, abrir caminho a uma crise política num contexto que lhes seja favorável, e aceder ao poder, com condições para alterar profundamente a Constituição da República.
A actual candidatura de Cavaco Silva e a presidência que pretende exercer caso seja eleito pouco têm a ver com a sua anterior candidatura e com o mandato que agora termina. Os ataques de Cavaco Silva ao Governo, o pré-aviso de que poderá verificar-se uma grave crise política, o projecto radical da revisão constitucional do partido que é a sua principal base de apoio, o PSD, não deixam dúvidas de uma mudança do programa presidencial de Cavaco Silva.
Uma das divergências fundamentais entre Manuel Alegre e Cavaco Silva tem a ver com a defesa do Estado Social.
Cavaco Silva cita a sua simpatia pelas Misericórdias e pelas IPSS e acções como a distribuição de restos de refeições dos restaurantes, mas nunca diz defender a escola pública, o Serviço Nacional de Saúde, a Segurança Social pública, ou a proibição constitucional dos despedimentos sem justa causa, tudo isto posto em causa pelo projecto de revisão constitucional de PSD, o seu principal apoio político.
Falemos claro: em Portugal existam diversas manifestações do que Boaventura Sousa Santos qualificou de sociedade providência, iniciativas individuais e colectivas de entreajuda ou de solidariedade, muitas vezes inspiradas pela Igreja Católica, que Manuel Alegre considera importantíssimas, como o afirmou na visita à Caritas Portuguesa.
Nada disto se confunde ou substitui a defesa do Estado Social, que tem vindo a ser construído arduamente nos últimos trinta e cinco anos num contexto económico difícil, através de um conjunto de políticas sociais sem paralelo na história portuguesa. Estado Social significa direitos sociais para os cidadãos, a garantia de que a sua contribuição fiscal e para a segurança social lhes conferem direitos por parte do Estado, de que são exemplo, o acesso à educação através da escola pública, o direito à saúde através do Serviço Nacional de Saúde, o direito à Segurança Social pública.
Tudo o que construímos não nos faz esquecer os novos desafios que as transformações demográficas, a pós-industrialização e a precariedade colocam e a necessidade de novas respostas que assegurem sustentabilidade e uma maior equidade.
Manuel Alegre não será cúmplice ou espectador da destruição do Estado Social. Será fiel ao juramento de defender a Constituição da República, que consagra os fundamentos do Estado Social e não permitirá a sua destruição, utilizando os poderes que lhe serão confiados.
O valor da democracia e do Estado Social só se percebem, por vezes, tragicamente, quando se perdem.
Estamos num momento decisivo, sejamos cidadãos independentes, socialistas, bloquistas, comunistas, ou cristãos, crentes de qualquer outra confissão religiosa, agnósticos ou ateus, ou simplesmente patriotas que apostam num futuro melhor para Portugal, precisamos de um Presidente da República, que seja, fraterno, justo, solidário, que a todos respeite, que garanta a democracia e o Estado Social.
Não podemos demitir-nos das nossas responsabilidades.

sexta-feira, janeiro 14, 2011

AGENDA CULTURAL ( 44 )

CRC-
CENTRO DE REFLEXÃO CRISTÃ
CICLO DE COLÓQUIOS 2010/2011

25 de Janeiro de 2011
3ª feira, 18h30m

Jesus na História, Jesus da Fé: Perspectivas comparadas

Com a participação de :
Joaquim Carreira das Neves
José Luís de Matos
José de Sousa e Brito

Local: Centro Nacional de Cultura – Galeria Fernando Pessoa
Largo do Picadeiro, nº 10, 1º, Lisboa.
[Metro: Baixa-Chiado]

Entrada Livre

domingo, janeiro 02, 2011

PORQUÊ E PARA QUÊ? DE MANUEL CLEMENTE

Se quisermos resumir a atitude de Manuel Clemente no belíssimo livro Porquê e para quê? Pensar com esperança o Portugal de hoje poderíamos resumi-la em duas palavras: confiança e esperança. Confiança em Portugal e nos portugueses, Esperança, assente na “certeza firme de que, sendo verdadeiro objectivo do Estado e de todos os responsáveis sociais salvaguardar e promover a dignidade da pessoa humana, aumentaremos para isso as possibilidades materiais, culturais, e espirituais existentes, que, no conjunto, constituem o nosso bem comum, na subsidiariedade e na solidariedade.
Manuel Clemente é um homem bom, sereno e bem-humorado, um bispo que é simultaneamente um historiador, um homem de cultura e um cidadão empenhado no futuro da cidade e que diz o que é necessário dizer com clareza e simplicidade.
Tem um jeito muito pessoal de tornar simples e coloquial o que é complexo. Um exemplo disso foi o seu discurso na aceitação do Prémio Pessoa onde, antes de nos dizer o que considera ser importante dizer sobre Portugal e os portugueses, começa por desfiar farrapos da sua memória como dos anos cinquenta no ensino primário e secundário.
Manuel Clemente não abusa das palavras, diz o que pensa e assume as suas posições, sem excessos retóricos.
Este livro é composto de fragmentos diversos, discursos e intervenções, três catequeses quaresmais, uma excelente entrevista. Os textos têm uma unidade que lhes é dada pela coerência das suas referências e do seu olhar, apesar de proferidos em contextos muito diferentes.
Estudou o contributo dos católicos liberais e o movimento católico do século XIX e princípio do século XX, como Francisco de Azeredo Teixeira de Aguilar, Conde de Samodães, Visconde de Azevedo e não deixa de recordar o seu contributo “para estabelecer na doutrina e na convivência social o regime das liberdades cívicas e políticas”. Seria muito importante conhecer o que foi esta intervenção e dispor de uma antologia de textos mais importantes por eles produzidos. A valorização da intervenção dos leigos católicos é uma constante de um bispo que chama justamente à releitura da exortação apostólica pós-sinodal Christifidelis Laici
Nas suas intervenções está bem presente a importância da doutrina social da Igreja e os horizontes abertos pela encíclica Caritas in Veritate de Bento XVI.
Outros textos exprimem a sua leitura muito estimulante sobre Portugal e os portugueses, como o já referido discurso na entrega do Prémio Pessoa ou a excelente entrevista conduzida inteligentemente por Teresa de Sousa, publicada com o título “ Portugal é um país onde se chega e donde se parte”, sublinhando a nossa condição de “povo-cais”. Esta constatação não aponta para uma qualquer desresponsabilização, mas para a valorização das nossas competências.
Tem razão quando afirma: “Temos aqui uma batalha a vencer, que sempre foi difícil, e que é a batalha do nosso auto-reconhecimento, isso é verdade. Precisamos de olhar para a nossa realidade concreta e acreditarmos que somos o nosso próprio potencial de futuro.”
Manuel Clemente é coerente e consequente. Fazendo parte da Comissão Consultiva da Comemoração Nacional do Centenário da República, como podem ver aqui, não deixa de ter presente o facto República e de incluir a liberdade, a igualdade e fraternidade como tópicos de reflexão nas suas catequeses quaresmais de 2010.
Frei Bento Domingues tem razão quando afirmou aqui que Manuel Clemente neste livro, que qualificou de “magnífico”, vê a Igreja em Portugal e no Mundo com os olhos de historiador e de pastor, como um “optimista realista”.
Este livro foi apresentado por Manuel António Pina, um excelente escritor e cronista, o que mostra que as intervenções de Manuel Clemente continuam a abrir espaços alargados de comunhão e de diálogo na sociedade portuguesa.