Vale a pena ler no suplemento Y do Público de 25 de Novembro de 2005, “A vez do Tropicalismo mestiço” onde parte de uma nova geração de portugueses que invocam o “tropicalismo” e a “mestiçagem” falam de si e das músicas que fazem a partir de diferentes géneros e raízes. São jovens conhecidos por Kalaf, Melo D, Sagas, Sam The Kid ou Sara Tavares. Como escreve Mário Lopes nesse suplemento “assistimos ao embrião de uma mestiçagem que o futuro tornará inevitável”. Vale a pena registar as palavras de Melo D: “Mesmo que se tente tapar os olhos, já está tudo aí. Somos portugueses mais africanos e africanos mais portugueses”. Acrescento, nada podia ser mais natural depois do regresso das naus.
Uma das realidades a que se deve estar atento é que os jovens portugueses são cada vez mais plurais numa sociedade democrática como é hoje a nossa e constroem e reconstroem livremente a sua identidade. Se há um contributo que as instituições devem assegurar é uma mais efectiva igualdade de oportunidades e o derrubar dos muros reais e imaginários que ainda envenenam o mútuo reconhecimento da dignidade de cada um.
Como dizia Miguel Torga “o universal é o particular sem os muros”. Temos que criar mais condições para que cada jovem possa circular livremente entre grupos e associações e fixar-se em qualquer aldeia, vila ou cidade, sem estar limitado pelas suas características fenotípicas, pela origem dos pais, pelo bairro onde vive.
É preciso também que os jovens não se demitam da sua cidadania, do seu direito e dever de imporem a sua marca no futuro do país.
Todos os jovens têm direitos de cidadania, embora os que não têm nacionalidade portuguesa vejam depois limitada a sua participação política, em termos que têm que ser ultrapassados facilitando o acesso à cidadania e estendendo a todos os cidadãos estrangeiros pelo menos o acesso às eleições locais.
A política não está reservada a especialistas ou a jovens de qualquer origem ou situação social, é uma questão que tem a ver com a vida de todos nós. O caminho faz-se caminhando, o melhor conhecimento do país só se ganha participando nos processos políticos.
Como tem dito, Carlos Alberto Nobre Pereira Neves, Pacman dos Da Weasel, um jovem desta geração, que é o mandatário da candidatura presidencial de Manuel Alegre: “é importante que os jovens afirmem aquilo que são e aquilo que acreditam”.
Portugal, é cada vez mais um país assumidamente plural, em que há que procurar conjugar a promoção da coesão com a valorização da diversidade, prevenindo a segmentação social e a discriminação racial.
Os jovens que habitam nos subúrbios das grandes cidades, ou nas zonas rurais enfrentam mais obstáculos para o acesso à educação, formação e emprego, que têm que ser ultrapassados para assegurar uma efectiva igualdade de oportunidades, sem a qual não haverá coesão social, como os recentes acontecimentos em França demonstraram. Nada pode ser mais perturbador da coesão social, que privar grupos significativos de jovens de esperança no futuro.
É preciso também perceber que não basta valorizar a diferença, há que aproximar os jovens uns dos outros, eliminar sempre as barreiras reais ou imaginárias que se detectem, apostar decididamente no diálogo intercultural. A descoberta da alteridade é a descoberta de uma relação, não de uma barreira. Como diz Kalaf, vocalista dos 1-Uik Project no suplemento Y “A música por si não é pura sempre viajou. A mestiçagem começa a partir daí: mostra-nos um pouco do teu quintal e nós mostramos-te um pouco do nosso”.
A realidade social desafia-nos a ir para além da tolerância racional face à diversidade, a assumir a nossa identidade como uma identidade aberta, susceptível de respeitar a identidade do outro no que tem de livre e de diferente, de aprender com ele, e de com ele criar laços de solidariedade e cumplicidade.
Os que sempre lutaram por uma sociedade mais justa e fraterna, têm de prosseguir essa luta com os jovens, dando-lhes mais espaço com a preocupação de criar condições para que a cidade futura seja, como sempre sonharam, uma “terra de harmonia”, para usar uma expressão do poeta Carlos de Oliveira.