O ano que está a terminar foi marcado por diversas manifestações de intolerância, por graves conflitos armados, por numerosas e graves violações dos direitos humanos, pelo alimentar da ideia de que os conflitos entre religiões e culturas marcarão cada vez mais o nosso presente e o nosso futuro.
Foi também marcado por muitos gestos de colaboração entre crentes, entre crentes e não-crentes, por muito empenhamento de gente generosa e solidária no combate à fome, à doença, na luta contra o sofrimento inútil e evitável, pelo desenvolvimento sustentável, pela inclusão e a cidadania.
A comunicação social, muitas vezes, desempenhou um papel de bombeiro pirómano, valorizando todas as manifestações de estupidez e intolerância, ignorando ou desvalorizando as iniciativas, movimentos e personalidades que se batem, não apenas pelo diálogo, pela cooperação entre todos os seres humanos independentemente das suas convicções espirituais, religiosas ou filosóficas. A comunicação social contribuiu, noutros casos, para denunciar situações de exclusão, discriminação, deu voz aos que querem um futuro melhor para todos.
O futuro não está, por isso, condenado a assistir ao triunfo da intolerância, da desconfiança e do conflito. Como sabemos que esperar não é saber, estamos ao lado de todos os que se batem dia a dia pelo respeito da dignidade de todos e cada um dos seres humanos, pelo diálogo inter-religioso e inter-cultural, pela inclusão e pela cidadania. Temos uma sólida confiança no que Teilhard de Chardin designava progresso das coisas, num sentido positivo para a história humana. Não nos resignamos a que as pessoas tenham medo do futuro, se tornem mais desconfiadas e pessimistas. Temos esperança que o futuro, apesar das dificuldades e dos perigos, pode ser melhor. Confiamos nas possibilidades de cada um de nós contribuir para que assim seja, se não nos demitirmos das nossas responsabilidades de cidadãos.
Hoje há uma razão para alimentar a nossa esperança. Comemoramos o Natal, o nascimento de Jesus. Lucas no seu Evangelho dá-nos a boas notícia: «Não temais, pois vos anuncio uma grande alegria, que o será para todo o povo. Hoje, na cidade de David, nasceu-nos um Salvador, que é o Messias Senhor… Glória a Deus nas alturas e paz na terra aos homens de boa vontade».
Saúdo todos os homens e mulheres de boa vontade, designadamente, que constroem blogues e sítios na Rede, com os seus posts ou comentários, crentes ou não-crentes, agnósticos ou ateus, que se empenham na construção de uma sociedade mais justa e fraterna.
Quero acrescentar que é motivo de esperança e um motivo de compromisso o diálogo inter-religioso que tem vindo a ser desenvolvido em Portugal. Cristãos, muçulmanos e judeus tendem a conhecer melhor as tradições espirituais uns dos outros, a ter uma sensibilidade semelhante sobre o lugar da expressão religiosa no espaço público.
Faranaz Keshavjee, a maior teóloga portuguesa muçulmana da Comunidade Ismailita, na sequência da sua participação num colóquio no Centro de Reflexão Cristã a que nos referimos aqui, publicou um artigo intitulado “Jesus, Profeta do Islão” no jornal “Público”(19-12-2006), em que retoma um pouco do que então disse, que pode ler aqui ou aqui. O seu texto insere-se na linha do que tem sido a intervenção pública de Aga Khan, o Imã dos Ismailitas, que tem sublinhado o que existe de comum entre as religiões de Abraão.
Registo algumas palavras: «…posso dizer com convicção, e com conhecimento, que devemos celebrar o Natal e o nascimento de Jesus numa perspectiva religiosa e espiritual de grande importância no mundo islâmico». E acrescentou: «No meu primeiro de muitos natais a celebrar, Inshaallah, fica apenas um desejo sentido: que da mesma forma como quis conhecer o Outro, que afinal faz parte de mim, num desejo puro da minha curiosidade intelectual, humana e afectiva, também espero que todos esses “outros” tenham a mesma vontade e o mesmo desejo genuíno de conhecer também eles a “minha casa”; gostaria que reconhecêssemos nos outros crentes, laicos ou religiosos, não apenas as diferenças, mas as mesmas ansiedades, as mesmas dúvidas, e a mesma esperança, que afinal nos tornam iguais, isto é simplesmente humanos e vulneráveis perante as complexidades da vida».
Faranaz Keshavjee toca aqui dois pontos essenciais o “Outro” afinal faz parte de mim, diria, por outras palavras, o “Outro” não é apenas diferente, é também o mesmo que eu sou. Só se pode gostar de quem se conhece e é também por isso que é importante que procuremos conhecer a casa em que habita o “Outro” sem termos medo de descobrir que é muito diferente do que imaginávamos na nossa ignorância e preconceito, sem termos medo de nos deixarmos seduzir pela sua verdade e autenticidade.
Neste Natal digamos não ao medo de conhecer de ir à descoberta do “Outro”. Os que são cristãos sabem que a Bíblia cristã repete 365 vezes, tantas quantos os dias do ano, «não tenhas medo».
Com este apelo ao respeito, ao diálogo, à cooperação entre todos, à confiança e esperança no futuro, desejo a todos um Bom Natal.
domingo, dezembro 24, 2006
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