domingo, junho 28, 2009

ELEIÇÕES AUTÁRQUICAS - ALARGAR A CIDADANIA

As eleições autárquicas marcadas para 11 de Outubro vão ser extremamente importantes e é positivo que se realizem depois das legislativas, porque desta forma poderão centrar-se na análise séria das propostas eleitorais e não ser contaminadas por uma lógica de voto de protesto.
Estou certo que isso permitirá analisar mais objectivamente como os diferentes autarcas têm cumprido as suas promessas eleitorais e discutir os projectos em confronto.
Estas serão também eleições em que irão participar um número maior de candidatas do que nas eleições anteriores em virtude da Lei da Paridade que se deve ao empenhamento reformador do Partido Socialista sob a liderança de José Sócrates, que tem estado na primeira linha do alargamento da participação política das mulheres, como é justo recordar.
Esta participação representa por si só um alargamento da cidadania, mas há outra oportunidade que não devia ser perdida de alargar a cidadania, que tem a ver com a possibilidade de participação de imigrantes de algumas nacionalidades nas eleições locais.
Essa participação também teve início por iniciativa do Partido Socialista, na altura sob a liderança de Antonio Guterres, e foi um primeiro passo do que deverá ser a participação de todos os imigrantes nas eleições locais, quando se eliminar a exigência de reciprocidade ainda consagrada na Constituição da República.
Foi enorme o entusiasmo com que os imigrantes designadamente cabo-verdianos e brasileiros acolheram esta possibilidade e muito elevada a participação dos cabo-verdianos. Realizaram-se campanhas de informação quando se realizaram as primeiras e segundas eleições autárquicas abertas à participação dos imigrantes com a participação activa do ACIME, do STAPE e da CNE e de diversas associações imigrantes.
Nos últimos anos têm-se realizado muitas iniciativas sobre o alargamento da participação política dos imigrantes como a que refiro aqui, mas essa participação tornou-se menor, menos visível, tendo faltado campanhas de informação que mobilizem os que já podem participar nas eleições locais.
Ao mesmo tempo que se verifica a defesa de uma discutível participação irrestrita de todos os imigrantes nas eleições em geral, incluindo legislativas e presidenciais, verifica-se um défice de informação e iniciativa para assegurar que aqueles imigrantes que o podem fazer participem nas próximas eleições locais.
Uma excepção a esta atitude é campanha pelo recenseamento que está a ter lugar nos Açores por iniciativa da AIPA, Associação dos Imigrantes nos Açores, como podem ver aqui, através da qual se pretendem precisamente criar condições para que participem os que já o podem fazer.
A participação dos imigrantes nos partidos políticos, de que foi também pioneiro o Partido Socialista sob a liderança de António Guterres, e nas eleições locais são um acto de justiça, um alargamento da cidadania que é imprescindível para criar sociedades mais igualitárias e coesas.
O recenseamento eleitoral dos imigrantes e dos cidadãos em geral irá ser encerrado por volta de 29 de Julho pelo facto de se irem realizar eleições legislativas a 27 de Setembro, antes das eleições autárquicas.
Ignoro se irá ainda ser publicado um novo aviso indicando se os cidadãos de mais algum país ainda se poderão recensear, tendo em conta as alterações legislativas verificadas, mas independentemente disso é importante que os que já podem recensear-se e ainda o não fizeram o venham a fazer.
De acordo com a informação disponibilizada pela Comissão Nacional de Eleições aqui têm já capacidade eleitoral activa e passiva os cidadãos dos Estados-Membros da União Europeia, do Brasil de Cabo Verde. Só têm capacidade eleitoral activa os cidadãos da Argentina, Chile, Islândia, Noruega, Uruguai e Venezuela.
As próximas eleições autárquicas podem ser mais inclusivas e contribuir para um alargamento da cidadania, nomeadamente, através da participação de mais mulheres e de mais imigrantes.

domingo, junho 21, 2009

OS CATÓLICOS E A CRISE DE PARTICIPAÇÃO POLÍTICA

José Tolentino de Mendonça escreveu um texto em que fala do que designa por alergia dos cristãos à política, neste excelente sítio aqui.
Se tivermos em conta a participação assumida na vida política, a manifestação clara de opções, o sujeitar-se a eleições no interior de organizações políticas ou cívicas, temos de reconhecer que assim é de facto. Estamos muito longe da participação de católicos nos diferentes partidos e sindicatos, que se viveu no pós-25 de Abril e que tão positiva foi para a consolidação da democracia
Haverá, decerto, várias razões para esta situação, para além do desaparecimento dos movimentos da Acção Católica, com excepções como a da JOC (Juventude Operária Católica) aqui, que se orientavam por uma espiritualidade assente no ver, julgar e agir.
A alergia da política procura muitas vezes justificar-se da desconfiança existente relativamente à actividade política, ignorando os apelos daqueles militantes cristãos que escreveram designadamente:
“Todos e cada um têm direito e o dever de participar na política, embora com diversidade e complementaridade de formas, níveis, funções e responsabilidades. As acusações de arrivismo, idolatria de poder, egoísmo e corrupção que muitas vezes são dirigidas aos homens do governo, do parlamento, da classe dominante ou do poder político, bem como a opinião muito difusa de que a política é um lugar de necessário perigo moral, não justificam minimamente nem o cepticismo nem o absentismo dos cristãos pela coisa pública.”
O texto citado é da autoria do Papa João Paulo II e encontra-se na Exortação Apostólica Christifideles Laici, cuja leitura na íntegra pode fazer aqui.
A situação actual não se pode, contudo, reduzir a uma atitude de alergia à política. Verifica-se também que existem movimentos que privilegiam uma agenda fracturante, assente em temas como o aborto, o divórcio, a eutanásia, o casamento homossexual e mais recentemente a oposição à educação sexual nas escolas. Estes movimentos não são alérgicos à política e são dominados pela direita, como afirmava já há meses Marcelo Rebelo de Sousa aqui.
Todas estas questões, como muitas outras, como a desigualdade social, a exclusão social, o racismo, os direitos dos trabalhadores e dos imigrantes, podem naturalmente servir de motivação à intervenção organizada de cristãos, mas é necessário, por uma questão de lealdade e transparência, distinguir a intervenção dos cristãos como cristãos e enquanto cristãos, bem como a pluralidade das suas opções, é necessário que quando os cristãos intervém para apoiar uma determinada estratégia política não se pretenda fazer passar a intervenção como sendo feita apenas com base numa motivação cristã.
O exemplo do que se não deve fazer é, por exemplo, lançar como faz o jornal “ Voz da Verdade”, de 21 de Junho, uma campanha intitulada “Sexualidade nas escolas? Não, obrigado!” dando voz ao movimento intitulado “Plataforma Resistência Nacional”.
Segundo divulga a “Voz da Verdade”, uma das campanhas recentes da Plataforma Resistência Nacional passa por apelar aos pais para entregarem, no acto de renovação das matrículas para o ano lectivo de 2009/2010, uma carta referindo que não permitem que os filhos participem nas aulas de educação sexual, pelo menos sem que sejam previamente avisados dos conteúdos.
Na mesma notícia, critica-se o PS e o PCP por continuarem, segundo dizem de “ouvidos não abertos à sociedade”. Refere-se também que “Federação Portuguesa pela Vida acusa desnorte na educação sexual”.
Para uma informação sobre a discussão desta matéria na Assembleia da República, sugiro que consulte o sítio aqui.
É evidente que todos os pais têm o direito e o dever de promover a educação sexual dos filhos, o que não se verifica hoje, como não se verificava ontem.
Todas as leis podem e devem ser discutidas, bem como o conteúdo da educação sexual, mas é óbvio, que um jornal cristão não deve silenciar o facto de grande número de cristãos serem favoráveis à existência de educação sexual nas escolas, por não ignorarem que faz falta para completar toda a informação com que os jovens são bombardeados de forma caótica, através da comunicação social, incluindo a Internet.
A alergia dos cristãos ao empenhamento político no que se refere às grandes opções nacionais, é acompanhada pela intervenção por outras formas, legítimas em democracia, mas cujo significado político não pode ser ignorado e deve ser questionado.
De um jornal católico exige-se que seja objectivo, que publique informações que ajudem a perceber o que está em questão e dê voz aos cristãos que estão a favor ou contra leis como esta, mas não privilegie grupos sectários.
O debate sobre a participação política dos cristãos é um debate necessário e José Tolentino de Mendonça fez bem em tê-lo colocado.

domingo, junho 14, 2009

LISBOA DE FERNANDO PESSOA, SEGUNDO JOSÉ FONSECA E COSTA

Os Mistérios de Lisboa or What TheTourist Should See do cineasta José Fonseca e Costa, cuja obra podem conhecer melhor aqui, é um filme, simultaneamente, fiel ao Guia escrito por Fernando Pessoa em que se inspirou e uma leitura pessoal e original desse texto.
A antestreia deste filme, de que podem ver aqui um trailer, no passado dia 13 de Junho, em que se assinalaram cento e vinte e um anos da data do nascimento de Fernando Pessoa é uma homenagem digna, e representa uma forma de continuar a sua obra e a sua acção. O nome completo do poeta nascido no dia de nascimento de Santo António, 13 de Junho, que se chamava Fernando de Bulhões, foi por isso mesmo Fernando António Nogueira Pessoa, que podem conhecder melhor aqui.
Lisboa é a cidade onde nasceu Fernando Pessoa e que ele amou mais do que qualquer outra e a Câmara de Lisboa tem procurado contribuir para o melhor conhecimento e internacionalização da sua obra, o que faz de forma permanente com a Casa – Museu Fernando Pessoa, que pode conhecer melhor aqui.
Lisboa foi para Fernando Pessoa a pátria, condensadamente no dizer de Teresa Rita Lopes, no prefácio que escreveu para aquele Guia, editado com o título Lisboa: O que o turista deve ver, Livros Horizonte, 1992, edição patrocinada pela Câmara Municipal de Lisboa.
O poeta escreveu este texto em inglês para promover internacionalmente a cidade. Inseria-se num conjunto de publicações, intitulado All about Portugal, que desejava editar, como refere Teresa Rita Lopes, que acrescenta também que ele pretendia criar uma firma significativamente denominada Cosmopolis para realizar este e outros projectos afins. Fernando Pessoa pretendia, desta forma, exportar a nossa cultura, e não apenas importar a cultura estrangeira, lutar contra a nossa descategorização europeia, a nossa descategorização civilizacional animado pelo seu nacionalismo cosmopolita.
José Fonseca e Costa partiu deste escrito, adaptando-o para servir de guião ao filme. A versão original do filme é narrada em inglês pelo escritor americano Peter Coyote, mas foram feitas: duas versões em português, uma portuguesa de Paulo Pires, outra brasileira de Marília Gabriela; versões em francês, italiano, castelhano e alemão. Cumprem-se desta forma o objectivo com que Fernando Pessoa escreveu o seu guia em inglês.
Este projecto deve-se também ao entusiasmo e estímulo inicial do Presidente da Câmara de Lisboa, António Costa, sem os quais, como afirmou Fonseca e Costa talvez não tivesse realizado o filme. José Fonseca e Costa realizou um belíssimo filme sobre Lisboa, cumprindo de forma admirável o projecto do poeta de iniciação dos estrangeiros (e nacionais) ao conhecimento de Lisboa. Fê-lo com grande rigor, tendo em conta não apenas o escrito de Fernando Pessoa, mas também a Lisboa de poemas de Álvaro de Campos.
A Lisboa do Guia de Pessoa, datada de 1925, era também necessariamente diferente da actual. José Fonseca e Costa manteve-se fiel à Lisboa de Pessoa, dando dela contudo, necessariamente uma versão actualista. Os sons correspondentes aos ambientes são outros e foram gravados com muito rigor, as casas ganharam cor, o Chiado foi reconstruído, mas Pessoa reconheceria facilmente a Lisboa, que conheceu. José Fonseca e Costa teve o cuidado de ao iniciar o filme dar a ver algumas imagens da Lisboa que não existia, o Parque das Nações, a Gare do Oriente, de deixar ver o Centro Cultural de Belém, antes de filmar os Jerónimos.
É, como já referimos, um belíssimo filme que fica a fazer parte da iconografia de Lisboa, tal como os filmes Dans la Ville Blanche de Alain Tanner ou Lisbon Story de Wim Wenders.
A cidade de Fernando Pessoa mudou muito, criou novas centralidades, tornou-se mais cosmopolita, os alfacinhas enriqueceram-se com a vinda de novos lisboetas, vindos de todo o país e de vários continentes, a cidade tornou-se mais ecuménica, tendo ao lado das magníficas Igrejas de que nos fala o filme novas Igrejas católicas, mas também uma Mesquita, um Templo Ismaíli, um Templo Hindu, para lá da Sinagoga, que já existia.
Só podemos desejar que o sucesso deste filme abra caminho a novas visões cinematográficas de Lisboa, que prossigam o projecto de Fernando Pessoa de lutar contra a descategorização europeia, contribuindo para afirmar Lisboa como cidade global, uma grande metrópole cosmopolita.

domingo, junho 07, 2009

OBAMA NO CAIRO - UMA NOVA ERA NAS RELAÇÕES COM O MUNDO ISLÂMICO

Se quisermos resumir a mensagem deixada, no Cairo, por Barack Hussein Obama ao mundo islâmico podemos sintetizá-la em duas palavras que fez questão de proferir em árabe: “assalamu alaykum”, que significa “Que a paz esteja contigo”.
O seu discurso representa uma viragem radical relativamente à política seguida pela administração de G.W. Bush e da sua teoria do eixo do mal.
É significativo que o seu histórico discurso, que podem ler em português aqui, tenha sido proferido no Cairo, onde foi recebido por duas importantes instituições, a Universidade de al-Azhar e a Universidade do Cairo.
Obama, ao contrário de Bush, demonstrou ser uma pessoa culta e que não ignora as dimensões culturais e religiosas não apenas no relacionamento com os Estados, mas também com os cidadãos.
Obama, que se apresentou como cristão, filho de um muçulmano, que viveu num país maioritariamente muçulmano, a Indonésia, abordou frontalmente as principais questões que se têm colocado nas relações entre os Estados Unidos e o mundo islâmico, considerando que “temos de as enfrentar juntos”, deixando pistas para essa convergência, que tentarei sintetizar.
No que se refere ao extremismo violento, reafirmou a determinação no combate, mas também que os Estados Unidos não pretendem instalar bases no Afeganistão, que não haverá solução apenas militar e que apostam no desenvolvimento, reafirmando a retirada total do Iraque até 2012.
A questão israelo-palestiniana foi a segunda questão abordada, tendo sublinhado os laços inquebrantáveis entre os Estados Unidos e Israel e a condenação do Holocausto que não pode ser negado, mas evocando também o sofrimento dos palestinianos “muçulmanos e cristãos em busca de uma pátria”; os campos de refugiados; as humilhações resultantes da ocupação; o direito dos palestinianos a terem um Estado seu, condenando a construção de novos colonatos por Israel; bem como a importância da luta não-violenta para conseguirem os seus objectivos.
Obama manifestou a esperança de que “Jerusalém seja lar seguro e permanente para judeus, cristãos e muçulmanos, e lugar onde todas as crianças de Abraão vivam juntas e em paz”.
Muito importante é a clara posição contra a proliferação das armas nucleares, a defesa de um mundo em que “nenhuma nação tenha armas nucleares” e a importância nesse contexto do Tratado de Não proliferação de Armas Nucleares, bem como, noutro plano, o direito do Irão desenvolver a energia nuclear para fins pacíficos.
Reafirmando a importância e a superioridade dos valores democráticos, rejeitou a ideia de que a guerra seja o meio para impor a democracia, dizendo: “nenhum sistema ou governo pode ser imposto por uma nação a outra nação”.
A liberdade religiosa foi considerada, por Obama, “central para que os povos consigam viver juntos” , tendo saudado os esforços do rei Abdullah da Arábia Saudita de diálogo entre as religiões e a liderança da Turquia na Aliança de Civilizações.
A questão dos direitos das mulheres foi sublinhada de forma positiva, acentuando o facto de na Turquia, no Paquistão, no Bangladesh e na Indonésia, países de maioria muçulmana, terem sido eleitas mulheres para postos de liderança.
Em vez do afrontamento Obama procurou mobilizar os muçulmanos para a cooperação para o desenvolvimento económico e a igualdade de oportunidades, manifestando a disponibilidade dos norte-americanos para reunir-se aos cidadãos e governos, às organizações comunitárias e aos líderes religiosos, aos homens de negócios nas comunidades muçulmanas em todo o mundo “para ajudar nosso povo a alcançar uma vida melhor”.
O discurso de Obama está repleto de referências religiosas ecuménicas, terminando com citações do Corão, do Talmud e da Bíblia, convergentes na necessidade dos povos do mundo viverem juntos e em paz.
Paulo Pedroso demonstrou lucidez quando chamou a atenção no Blogue Banco Corrido aqui para o que designou por “a teologia política de Obama: pós secularismo ecuménico”.
É por isso que os cristãos tradicionalistas partilham com os laicistas tradicionais um certo mal-estar perante a forma desenvolta como Barack Obama se refere às práticas religiosas e à liberdade de religião e à separação das igrejas do Estado nos Estados Unidos, que é compatível, por exemplo, como se verifica neste discurso com a preocupação em trabalhar com os muçulmanos americanos para lhes criar condições que permitam cumprir o dever de pagar o zakat, cujo significado podem perceber aqui.
È uma nova linguagem que anuncia uma nova era nas relações dos Estados Unidos com o mundo islâmico, que merece ser apoiada, e que tem de levar a mudanças drásticas na agenda e nas prioridade da diplomacia americana e das diplomacias europeias.