domingo, outubro 24, 2010

O DESAFIO DA INTEGRAÇÃO DOS IMIGRANTES

As recentes declarações de Angela Merkel sobre o fracasso do multiculturalismo na Alemanha que podem ler aqui, provocaram comentários e reacções por toda a Europa, porque pretendem ter como destinatários não apenas os alemães, mas os cidadãos e as instituições da União Europeia.
Tanto Angela Merkel como Sarkozy têm pretendido transformar as suas políticas internas em decisões e políticas europeias, contornando as alterações institucionais introduzidas pelo Tratado de Lisboa, o que é intolerável.
Não podemos também ignorar as diferenças muito acentuadas que se verificam em matéria de integração dos imigrantes nos diferentes países, como refere M. Margarida Marques na introdução ao livro Estado-Nação e Migrações Internacionais, a que nos referimos aqui.
O multiculturalismo alemão partiu da convicção, de que os imigrantes eram apenas «gastarbeiter», trabalhadores convidados, que iriam regressar aos seus países de origem. Não havia a preocupação de os considerar como futuros cidadãos da Alemanha. Só com a mudança da lei da nacionalidade é que começou a abrir-se a concessão da nacionalidade alemã aos cidadãos provenientes da imigração. Entretanto, a Alemanha acumulou uma população imigrante muçulmana muito numerosa, em que se manifestam tendências fundamentalistas, minoritárias, por vezes, com ligações a grupos muito radicais.
Não se podem tirar conclusões generalizáveis a nível europeu da realidade alemã, sem sujeitar a uma análise crítica as políticas seguidas, tendo em conta a singularidade da situação alemã.
Devemos prevenir o efeito de contágio, começando por sublinhar a falta de paralelismo das palavras de Angela Merkel com a realidade portuguesa, como escreveu Filomena Fontes no Público num artigo interessante que podem ler aqui.
O crescimento da rejeição dos imigrantes na Holanda, na Suécia ou na Áustria não podem ser imputadas às mesmas causas, mas creio que existem ensinamentos para as definições das políticas públicas em matéria de integração, como venho defendendo há muitos anos.
É necessária firmeza na afirmação e defesa dos direitos e deveres dos imigrantes numa linha de equiparação com os nacionais, como resulta entre nós do estatuto constitucional dos estrangeiros. Nesta matéria não pode haver nem paternalismo, nem discriminação.
Deve facilitar-se a aquisição da nacionalidade portuguesa nos termos da lei actual, que foi aprovada, sem votos contra, na Assembleia da República.
É necessário levar a sério a aquisição da nacionalidade portuguesas tornando claro a começar pelas instituições oficiais, que um estrangeiro que adquiriu a nacionalidade portuguesa, não é alguém que passou a “ter” a nacionalidade portuguesa é alguém que passou a “ser” português, que passou a integrar a Nação cosmopolita que é actualmente a comunidade nacional, sem prejuízo da diferença cultural ou espiritual que o singulariza, ou de continuar a manter a nacionalidade de origem.
Há também que conjugar o respeito pela diferença cultural e espiritual dos cidadãos nacionais ou imigrantes, com o permanente estímulo ao diálogo intercultural, ao viver juntos na escola, no trabalho, nas instituições diversificadas da sociedade civil, em espírito de cooperação e solidariedade.
A segmentação social e cultural e a criação de comunidades fechadas etnicamente marcadas são fenómenos que põem em causa a coesão social e não estimulariam a solidariedade entre nacionais e imigrantes.
A prioridade à aprendizagem da língua portuguesa pelos imigrantes, que é essencial e que foi iniciada entre nós com as políticas que foram promovidas no quadro do Portugal Acolhe, é compaginável com medidas que facilitem a aprendizagem das línguas dos países de origem dos imigrantes pelos imigrantes e pelos cidadãos nacionais que o pretendam. O multilinguismo é uma oportunidade para todos os cidadãos.
Devemos prosseguir as políticas públicas de integração, que temos seguido e que mereceram a apreciação positiva das Nações Unidas, como referimos aqui, e enfrentar com determinação e serenidade os novos desafios com que sejamos confrontados.

domingo, outubro 17, 2010

MILAGRÁRIO PESSOAL DE JOSÉ EDUARDO AGUALUSA

O novo romance de José Eduardo Agualusa lê-se com muito prazer e proveito, o que desde logo recomenda a sua leitura.
Pedro Mexia titulou o seu comentário a este livro "José Eduardo Agualusa escreve um ensaio sobre o português disfarçado de romance", como podem ler aqui. Não creio que o livro seja um ensaio, é quando muito um romance ensaio, cruzado com um romance policial e um romance de viagens e muitas estórias. Tem bons antecedentes. Não terá sido, por exemplo, o livro Viagens na Minha Terra de Almeida Garrett um romance ensaio, um romance de viagens e uma estória de amor?
Pedro Mexia, escreveu, em conclusão numa análise críítica deste livro:"Agualusa sabe que a poesia começou por ser uma linguagem prática, útil, ou mágica e xamânica. «Milagrário Pessoal» nunca esquece a dimensão política, nem a política da língua, mas o seu impulso é todo poético, adâmico. O milagre é que esta língua seja tantas línguas, que tantas línguas sejam uma só língua. Um enigma que Agualusa compara ao mais poético dos enigmas: a linguagem dos pássaros" .
O romance é construído, com subtileza, ironia, lirismo e humor, e arranca da procura do jovem Iara dos neologismos "das palavras recém-nascidas (..) caídas de repente nesse vasto alarido que é a vida" (p.13) através do programa informático Neotrack, disponível para esse efeito, e utilizando no título um neologismo milagrário, que designa um diário de prodígios, que ainda não encontram no Dicionário da Academia das Ciências de Lisboa. Uma hipótese percorre o romance e se fosse possível identificar as palavras que exprimem a linguagem dos pássaros, que poderão estar recolhidas em velhos livros e que não seriam neologismos, mas paleologismos.
Poderíamos dizer que é um livro repleto de afectos e de estórias de personagens, que pertencem a uma mesma Nação crioula, repartida por vários Estados e continentes, a que a língua portuguesa serve, não apenas de traço de união, mas também de veículo de comunicação e de comunhão.
Iara, o professor, Mara Bruto da Costa, Alexandre Anhanguera, Fadário da Luz do Espírito Santo, Magda-a-Meiga, Plácido Domingo, Júlio Branquinho, o Quitubia, são algumas das personagens com que nos cruzamos ao longo deste livro.
A língua portuguesa de que nos fala Agualusa é uma língua viva, que se tem acrescentado ao longo dos séculos, no contacto e diálogo com outras línguas, não apenas do inglês, mas das outras línguas que fazem parte do universo do Mundo de Língua Portuguesa. Moisés da Conceição escreve, que que "a língua portuguesa sendo já africana na sua matriz, pelo demorado convívio com o árabe, que muito a contaminou, necessita de enegrecer ainda mais, afeiçoando-se à geografia e aos lugares onde estão os seus abundosos falantes". (pág.32)
Recordei-me ao ler estas reflexões de outras mais elaboradas e convergentes de Léopold Sédar Senghor, num ensaio intitulado Lusitanidade e Negritude, que foi republicado nas suas obras completas.
"A língua portuguesa, em particular, recolheu palavras do mundo inteiro. Garoto, por exemplo, vem do francês gars; branco, do germânico blank, que também significa brilhante ou limpo. Carimbo, do quimbundo ka´rima; bule, do malaio buli; leque, do chinês lieu khieu. Jangada veio de changadam, uma palavra do malaiala de Malabar, na Índia (...)".(p. 85)
Outros romances poderiam ser escritos partindo de palavras com que a língua portuguesa contribuiu para outras línguas, que são também marcas de viagens, contactos e negócios nos mais diversos continentes.
O romance tem, como subtítulo (Apologia das varandas, dos quintais e da língua portuguesa, seguida de uma breve refutação da morte) e recomendo a leitura atenta do décimo primeiro capítulo em que desenvolve o papel dos quintais nas sociedades crioulas de matriz portuguesa nos trópicos e aborda a relação entre o português e o quimbundo.
O romance contém pistas preciosas para uma política da língua, que merecem a atenção dos cientistas sociais, dos linguistas e dos responsáveis pela política da língua portuguesa, mas e sobretudo, é um romance que nos agarra pela leveza da escrita, pelas estórias que compõem a sua estrutura narrativa, pela subtileza, pela ironia, pelo humor, em suma, pelo prazer de o ler.

domingo, outubro 10, 2010

OS CATÓLICOS E AS COMEMORAÇÕES DO CENTENÁRIO DA REPÚBLICA

As comemorações do Centenário da Republica têm-se revestido de grande dignidade e suscitado uma adesão popular em todo o país, que superou todas as expectativas.
A Comissão Nacional para as Comemorações do Centenário da República, sob a presidência de Artur Santos Silva, tem contribuido para o sucesso das comemorações pela forma pedagógica, crítica, plural e inclusiva, com que tem dirigido os seus trabalhos.
È muito positivo para o diálogo democrático e para a coesão nacional a forma como tem apoiado iniciativas, estudos e trabalhos, com ópticas muito diversas, que contribuíram para tornar mais conhecido dos cidadãos este período marcante da história contemporânea de Portugal.
Muitos intelectuais católicos, historiadores e investigadores, eclesiásticos, ou leigos, têm contribuído para novas leituras desse período, que tornaram mais evidente a necessidade de realizar mais trabalhos de investigação histórica sobre essa época.
O bispo D. Manuel Clemente, que é também um historiador e um intelectual, tem participado em numerosos debates e conferências sobre a República, inclusive um com Mário Soares, e integra a Comissão Consultiva da Comissão Nacional das Comemorações para o Centenário da República.
Recordo também o interessante debate realizado em Fátima entre o bispo D. Carlos Azevedo e o historiador Fernando Rosas sobre a I República e a situação da Igreja Católica nesse período.
António Marujo escreveu também no Público artigos interessantes, designadamente, o que intitulou Católicos (e protestantes), republicanos e interventivos, que podem ler aqui.
Logo no início das comemorações foi editado pela Assembleia da República em colaboração com o Centro de Estudos de História Religiosa da Universidade Católica Portuguesa, o excelente e bem documentado livro, coordenado por António Matos Ferreira e por João Miguel Almeida sobre as Intervenções Parlamentares (1918-1926) de António Lino Neto, que foi presidente do Centro Católico e deputado no parlamento da I República, analisado por Guilherme d'Oliveira Martins aqui.
É também de saudar a publicação pela Agência Ecclesia de uma edição especial sobre o 5 de Outubro de 2010, em colaboração com o Centro de Estudos de História Religiosa da Universidade Católica Portuguesa, que pode ser lida aqui, coordenada por António Matos Ferreira, Doutor em História Contemporânea, e docente universitário. Para além de António Rego, que assina o editorial, e de António Matos Ferreira que faz também a apresentação da publicação, colaboram Hugo Dores, Rita Mendonça Leite, Marco Silva, Sérgio Ribeiro Pinto, Guilherme Sampaio, João Miguel Almeida, Tiago Apolinário Baltazar. São investigadores qualificados que se têm dedicado com rigor científico, competência e generosidade ao estudo da presença da Igreja na sociedade contemporânea. Os estudos estão distribuídos por três partes: sociedade e religião, relações Igrejas, Estado e sociedade: do regalismo à separação; universos espirituais e experiências religiosas durante a primeira República.
António Rego no editorial deste número, apela à inteligência: Que se retome a memória, mas que nunca se perca a inteligência.
É um apelo oportuno, porque o preconceito e a ignorância histórica, presumida e arrogante estão distribuídos entre nós de forma equitativa entre os mais variados sectores, sem exclusão de nenhuma família cultural, espiritual ou ideológica. Não precisamos de um laicado católico arrogante e polémico, que alimente discussões inúteis, mas de católicos que sejam isentos e inteligentes, que saibam ver mais fundo e mais largo, com consciência histórica e capazes de se inserir como cidadãos responsáveis, de forma criadora na construção de um Portugal mais justo e solidário, de uma República moderna e inclusiva.
Os estudos a que fizemos referência, de forma não exaustiva, são trabalhos competentes e rigorosos, uma contribuição positiva de historiadores e investigadores para as comemorações do Centenário da República.