domingo, agosto 28, 2005

DEPOIS DOS FOGOS

Qualquer reflexão sobre o que fazer depois dos fogos que têm assolado a floresta portuguesa tem de assentar numa análise objectiva da situação da agricultura e da floresta em Portugal e dispensa demagogia e preocupações retóricas.
Portugal tem, de acordo com dados divulgados recentemente pelo Eurostat, 261.600 explorações agrícolas, tendo o seu número diminuído em 17% em cinco anos, o que tem sido acompanhado do aumento da sua dimensão média. Apesar disso, 69% funcionam em áreas de dimensão inferior a cinco hectares. Outro dado relevante é o facto de à frente de 90.000 explorações estarem pessoas com mais de 65 anos (Público, 23/08/2005).
A prevenção e o combate aos fogos têm diversas dimensões, que devem merecer toda a atenção, desde o reforço dos meios aéreos ao combate à criminalidade que está associada a um número significativo de incêndios. É positivo, neste contexto, o anúncio do Ministro António Costa de que o País se vai dotar de uma frota própria de aeronaves para o combate aos fogos florestais para 2006, bem como a criação pela Polícia Judiciária de uma base de dados sobre incendiários e de um laboratório do fogo. Mas há dimensões ligadas à ausência de uma informação cadastral actualizada, cuja importância tem de ser também considerada com seriedade e sem demagogia.
Para uma rigorosa e documentada visão de conjunto de todas essas dimensões vale a pena ler o artigo “Incêndios, Porque (ainda) arde Portugal?”, publicado por Luís Ribeiro e Ricardo Fonseca, com Tiago Fernandes, na revista Visão, n.º 651, de 25 a 31 de Agosto de 2005.
Gostaria apenas de sublinhar que, como se refere nesse artigo, “84% do território está distribuído por quase meio milhão de proprietários” e que “falta um cadastro florestal do País para saber eficazmente a quem pertence cada propriedade”. Em algumas regiões do País, como as Beiras, os prédios rústicos têm dimensões muito reduzidas, as suas extremas não são conhecidas por muitos proprietários que para assegurar melhor vida para os filhos emigraram para o estrangeiro ou para as áreas metropolitanas de Lisboa e Porto. O facto de nunca se ter concretizado o emparcelamento, apesar de ter sido aprovado, com dificuldade, ainda na Assembleia Nacional salazarista, teve trágicas consequências económicas, impossibilitando os seus proprietários de fazerem uma exploração racional e lucrativa Se assim não fosse seria incomparavelmente superior a importância económica do sector florestal para o Produto Interno Bruto, que é actualmente de 3.2%, e de 12% do PIB industrial, bem como 11% das nossas exportações.
Ao referir tudo isto quero sublinhar que só pode haver políticas eficazes de prevenção dos fogos, que tenham simultaneamente a preocupação de criar condições para que a floresta se torne um sector ordenado e seja uma actividade rentável para os seus proprietários, o que exige um cadastro florestal que abranja todo o País, criando condições para uma mais fácil transmissão dos prédios rústicos.
Um passo importante neste sentido foi dado com a entrada em vigor recentemente do Decreto-Lei nº136/2005, de 17 de Agosto, que assumindo que existem inúmeros prédios rústicos localizados na denominada “zona de minifúndio”, onde a fragmentação da propriedade rústica é bastante elevada, sem situação registral actualizada, muitas vezes inscritos na matriz em nome de pessoas há muito falecidas, ou em situação de omissão no registo e na respectiva matriz predial, estabeleceu medidas de carácter excepcional tendo em vista a regularização da sua situação jurídica.
Vale a pena recomendar a sua leitura e a sua utilização pelos interessados, porque vai à raiz dos problemas. Sem regularização da situação jurídica dos prédios rústicos, não haverá ordenamento florestal, limpeza de matas, fácil transmissão dos prédios rústicos e aumento do contributo do sector florestal para o desenvolvimento do País, com vantagens evidentes para os seus proprietários e para o Estado.
Foi, pelo menos para mim, o mais evidente depois de ter percorrido alguns hectares de floresta queimada, em que uma semana depois dos fogos, ainda fumegavam, por vezes, raízes de árvores que teimavam em continuara arder de forma branda, lenta e silenciosa.