Realizou-se, ontem, um interessante colóquio promovido pelos Movimentos "Nós Somos Igreja" de Portugal e Espanha sobre um tema que raramente é discutido com conhecimento e rigor: “As relações Igreja-Estado em Espanha e Portugal”. No debate participaram, pelo lado português: José Vera Jardim (deputado socialista), Teresa Clímaco Leitão (investigadora), Margarida Salema (jurista) e D. Januário Torgal Ferreira (bispo católico) e, pelo lado espanhol: Raquel Malavibarrena (professora universitária e coordenadora do Movimento Internacional «Nós Somos Igreja»), Hugo Castelli (empresário e membro da Comunidade de base S. Tomás de Aquino-Madrid), Maria Pau Trayner (professora universitária e membro do movimento «Donnes en L’Eglesia» de Barcelona e Evaristo Vilar (sacerdote e teólogo).
O debate foi moderado por Guilherme d’Oliveira Martins e teve lugar no Centro Nacional de Cultura. É impossível resumir as comunicações, muitas delas muito estruturadas, mas gostaria de registar este acontecimento que a imprensa não acompanhou como devia.
Raquel Malavibarrena falou do contencioso actualmente existente em Espanha, designadamente em matéria de financiamento da Igreja pelo Estado, enquanto José Vera Jardim, a cuja comunicação regressarei, abordou as transformações verificadas em Portugal com a nova Lei da Liberdade Religiosa e a nova Concordata entre Portugal e a Santa Sé.
Hugo Castelli falou da outra forma de Igreja que representa a comunidade de base em que está inserido, que defende um Estado laico, faz uma opção pelos pobres e promove a igualdade de género e a não-discriminação em função da orientação sexual, fazendo o historial da sua progressiva marginalização dentro da Igreja Católica.
Maria Pau Trayner fez uma leitura crítica da forma como as encíclicas papais desde Leão XIII se referiram ao papel da Igreja na sociedade até à emergência da teologia feminista.
Teresa Clímaco Leitão falou das relações Igreja/Estado na transição para a democracia nos dois países, abordando o papel das Igrejas portuguesa e espanhola nesse período e o comportamento dos novos partidos políticos face à Igreja e às novas relações desta com o poder temporal. As soluções encontradas não foram as mesmas, o que também contribui para perceber as diferenças nos modos de intervenção dos episcopados portugueses e espanhóis.
Margarida Salema fez uma apresentação centrada sobre a evolução do estatuto da Igreja Católica ao nível do direito internacional público desde o século IX até à actual personalidade jurídica internacional do Vaticano, justificando a celebração de Concordatas, como a nova celebrada entre Portugal e a Santa Sé, que considerou um documento muito importante.
D. Januário Torgal Ferreira fez uma curta intervenção, na qual referiu a não confessionalidade do Estado, a tragédia dos Estados teocráticos, a opção religiosa. Afirmou, ao que julgo pela primeira vez, que nas suas funções de assistência religiosa às Forças Armadas não devia ter uma categoria militar.
Evaristo Vilar explicou que os participantes espanhóis, não tinham vindo preparados para fazer intervenções tão estruturadas como as feitas pelos portugueses, mas para dialogar a partir da sua experiência. Referiu que a situação actual é uma situação de crispação nas relações Igreja-Estado em Espanha, de divisão entre “as duas Espanhas” de que falava António Machado, o que considerou injustificado face à política social do governo socialista, acusando a rádio da Igreja espanhola de convergir com o jornal “ El Mundo” da direita espanhola, do Partido Popular.
Guilherme de Oliveira Martins recordou que o colóquio ocorria numa data em que fazia anos que Miguel de Unamuno se manifestou contra os gritos de “Viva la muerte” do general franquista Millán Astray, para sublinhar que nada é mais grave que o silêncio.
Gostaria de sublinhar que José Vera Jardim, com a autoridade que tem por ser o responsável pela nova Lei da Liberdade Religiosa, não se limitou a referir o caminho já percorrido para assegurar uma presença mais equitativa das diferentes confissões religiosas ou a importância da nova Concordata, mas chamou a atenção para o que falta fazer para permitir a plena aplicação da Lei da Liberdade Religiosa, ou os acordos a negociar entre o Governo e a Conferência Episcopal para completar a revisão da Concordata e que abrangem matérias como a fiscalidade ou a assistência religiosa às Forças Armadas.
Não podemos ficar a meio deste processo. Há que prosseguir com bom senso, determinação e preocupação com a equidade.
domingo, outubro 15, 2006
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1 comentário:
Agradeço os comentários e o eco no Religare, que é um dos meus blogues de referência.
Não dexarei de corresponder ao pedido de contacto da associação cívica República e Laicidade.
Voltarei a dar notícia sobre o evoluir destas questões.
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