domingo, novembro 25, 2007

POLÍCIA E CIDADANIA

«Livre me considero e livre me prezo», afirmou António Clemente Lima, Inspector-Geral da Administração Interna, numa corajosa entrevista, publicada em 24 de Novembro de 2007 no «Expresso», em que abordou o estado das polícias, PSP e GNR.
É uma entrevista ponderada dada por um cidadão, que é um respeitado Juiz Desembargador, que ocupa neste momento o cargo de Inspector-Geral da Administração Interna, na qual aborda, com clareza, alguns dos problemas que afectam estas polícias. Gostaria de vos convidar a lerem na íntegra esta entrevista.
Todos sabemos que estas polícias são compostas por cidadãos, que na generalidade dos casos, procuram cumprir o melhor possível as funções que lhe estão confiadas, mas isso não nos pode levar a escamotear comportamentos incorrectos, que têm de ser corrigidos. O facto de elogiarmos os polícias e os guardas que estão em Timor-Leste desempenhando exemplarmente as suas funções e as intervenções de muitos no combate a criminalidade em geral, e aos crimes racistas em particular com tenho referido, não nos pode fazer ignorar os problemas existentes.
Clemente Lima parte da formação, designadamente em matéria de direitos fundamentais, e das condições de trabalho. Não podem ser ignoradas as suas opiniões que assentam num conhecimento profundo da situação existente nestas polícias. Quando refere os aspectos negativos que advêm para os oficiais da GNR da formação na Academia Militar, o que leva a uma «sobrevalorização dos conceitos militares relativamente aos policiais» ou quando refere o desconhecimento de agentes recém-formados da PSP do que seja a IGAI, que confundiam com a ASAE, coloca questões relativas ao tipo de formação ministrada que não podem ser ignoradas.
Clemente Lima tem um diagnóstico preciso da situação e da necessidade de agir. Não é por acaso que afirmou: «Vamos dar prioridade às condições de trabalho. Ninguém consegue em condições execráveis uma relação fluida com o cidadão».
As consequências das deficiências de formação em matéria de direitos humanos têm consequências negativas no dia a dia da actuação policial, em perseguições policiais por infracções de trânsito que acabam, por vezes, em mortes. Afirma: «São casos isolados. Mas a repetição de casos isolados, preocupa-me».
Não se fica por constatações, retira conclusões e orientações. Considera designadamente, «a necessidade de um investimento urgente: na adopção, pelas forças de segurança, de procedimentos uniformes em matéria de recursos a meios coercivos; na análise, no interior de cada uma das forças de segurança, do impacto (também económico) das perseguições policiais; na formação inicial e contínua, neste particular, dos agentes das forças de segurança».
Muitas outras questões foram abordadas e muitas outras igualmente relevantes ficaram por referir.
Uma entrevista não é suficiente para retratar as preocupações que animam o Inspector-Geral da Administração Interna. De qualquer forma, esta entrevista fica como um marco em matéria de articulação de polícia com cidadania. Não esqueçamos que compete à IGAI, designadamente «a defesa dos legítimos interesse dos cidadãos, a salvaguarda do interesse público, e a reintegração da legalidade violada» (art.3 da DL 227/95, de 11 de Setembro). É para isso que a IGAI existe e esta foi também sempre uma preocupação do primeiro Inspector-Geral da Administração Interna, o ilustre Magistrado do Ministério Público, António Henriques Rodrigues Maximiano.
Uma instituição como a IGAI tem que ter uma comunicação directa, transparente e completa e actualizada com os cidadãos. Permito-me, por isso recomendar que valorize este sítio como canal de comunicação e que o torne mais dinâmico, de forma a alimentar uma relação interactiva com os cidadãos. Só tornando clara para a generalidade dos cidadãos a importância da existência de uma instituição como a IGAI é que esta será dotada dos meios necessários para a sua actuação e que teremos a garantia de ter como Inspector-Geral, pessoas competentes e livres, capazes de velar pelos direitos dos cidadãos e a dignificação das polícias, como é o caso do Juiz Desembargador, António Manuel Clemente Lima.

domingo, novembro 18, 2007

TIMOR-LESTE - RAMOS-HORTA EM LISBOA

A visita a Lisboa do Presidente da República de Timor-Leste, José Ramos-Horta, foi um acontecimento que veio recordar a necessidade de seguir com atenção a evolução política em Timor-Leste.
Ramos-Horta deve ter sentido que depois da mobilização sem paralelo que se verificou em Portugal no passado recente, houve um certo distanciamento de uma parte da opinião pública nos últimos anos. A instabilidade política, a divisão entre dirigentes políticos que tinham estado unidos na luta pela independência, a que na altura nos referimos aqui, provocou algum arrefecimento emocional da opinião pública portuguesa.
No seu improviso na Câmara Municipal de Lisboa depois de ter evocado um tocante gesto de solidariedade recebido no passado, quando uma portuguesa pobre de Lourosa lhe deu mil escudos para apoiar a luta do povo timorense, que manifestamente lhe faziam falta, que hesitou em aceitar, resolveu responder a esse sentimento.
Referiu que, apesar da responsabilidade pelos confrontos ocorridos pertencer aos timorenses, e, particularmente os que eram titulares dos órgãos de soberania, era necessário compreender o contexto em que se verificaram. Considerou que o maior erro foi não ter havido um maior período de transição sob a égide das Nações Unidas e recordou a instabilidade política que também se verificou em Portugal após o 25 de Abril para nos ajudar a fazer compreender o que se passou em Timor-Leste. Falou desta forma para os amigos que se emocionam profundamente, mas que também se decepcionam com facilidade.
Portugal é hoje o maior parceiro de cooperação com Timor-Leste, que é o maior destinatário da nossa ajuda pública ao desenvolvimento. Os sectores prioritários de cooperação são o ensino da língua portuguesa, a educação, a capacitação institucional, particularmente na área da justiça.
Das intervenções públicas de Ramos-Horta ressaltam algumas questões que têm de ter resposta adequada: a necessidade de prosseguir o apoio ao enraizamento do português a par do tétum como língua oficial; a necessidade de manter a presença de forças internacionais, designadamente, da GNR e da PSP durante alguns anos para assegurar a estabilidade.
Ramos-Horta, embora sublinhando os progressos no ensino da língua portuguesa, dizendo que o “o desenvolvimento nota-se” (Público, 16-11-2007), insistiu que o uso da língua portuguesa é um esforço de longo prazo, que só deverá estar completo dentro de duas gerações.
Cavaco Silva sentiu a necessidade que temos de apoiar ainda mais o enraizamento do português, bem como a impossibilidade de o fazermos sozinhos e apelou ao empenhamento nesse processo de outros países lusófonos, designadamente, Cabo Verde. Cavaco Silva acrescentou que: «Todos os países da CPLP devem estar envolvidos na consolidação da língua portuguesa ao lado do tétum em Timor-Leste».
Recordemos que até agora os custos têm sido suportados por Portugal e também pelo Brasil. Pela primeira vez o governo timorense inscreveu no orçamento para o próximo ano verbas para o efeito.
Esta visita foi também uma oportunidade para recordarmos os cerca de duzentos professores portugueses, bem com a cerca de duas dezenas de profissionais da área da justiça, que «tem desempenhado as suas funções com dedicação, sacrifício pessoal e grande profissionalismo», como recordou Cavaco Silva.
As dificuldades que Timor-Leste enfrenta no presente, não nos deve fazer esquecer que é um país com grandes possibilidades de desenvolvimento, pelo facto da natureza o ter dotado de petróleo e gás natural, e que tem dificuldade em canalizar os recursos obtidos dos acordos celebrados para a sua exploração para o desenvolvimento humano dos timorenses.
Esta é uma realidade que não pode ser ignorada no futuro do relacionamento e da cooperação entre Portugal e Timor-Leste, que temos de aprofundar e alargar através de iniciativas públicas e privadas, com seriedade e eficácia.

domingo, novembro 11, 2007

IGREJA CATÓLICA - TEMPO PARA MUDAR

Estamos num tempo para mudar a Igreja Católica em Portugal. Os dados estatísticos não enganam: há menos sacerdotes, menos seminaristas, menos baptizados, menos católicos em Portugal. Existe, contudo, um número muito significativo do que se designa por católicos não-praticantes o que aconselha uma leitura mais aprofundada destes dados.
A recente visita ad limina dos Bispos portugueses ao Papa Bento XVI, para uma análise da situação da Igreja em Portugal, trouxe esta realidade para a primeira página dos jornais. Tendo esta crise sido assumida iniciou-se um tempo para mudar no qual todos os que mantemos algum tipo de laço com a Igreja Católica nos sentimos chamados a participar.
Há um défice de participação dos leigos na Igreja e na sociedade. Não é por acaso que D. José Policarpo, assumindo a crise existente defende uma instituição “menos clerical”. O que está em causa não é saber se a Igreja Católica tem mais ou menos poder é saber de que forma deverá anunciar com mais eficácia Jesus Cristo e a sua mensagem como uma verdadeira Boa Nova de salvação para as angústias e esperanças de todos os que vivem em Portugal.
Se não há dúvida que este é um tempo para mudar, é importante saber qual o horizonte da mudança e essa terá de ser na linha de uma maior vivência das opções do Concílio Vaticano II. Não se trata de ficarmos a olhar para trás, mas de encontrar novas respostas a partir das orientações do Concílio Vaticano II. Algumas tomadas de posição recentes, como a D. José Policarpo, de 14 de Setembro passado, a propósito da liturgia, vão nesta linha, sublinhando a forma como a Reforma Litúrgica «modelou a nossa forma de ser cristão e imprimiu um rosto às comunidades cristãs que aprenderam a viver a liturgia não apenas como manifestação de fé pessoal, mas como expressão viva de um Povo que se reconhece como comunidade enquanto celebra a Sagrada Liturgia».
O caminho tem de ser partir dos problemas concretos das mulheres e dos homens, procurando ajudá-los a descobrir as respostas para as suas inquietações e esperanças mais profundas, à luz do memorial da vida, morte e ressurreição de Jesus Cristo. É esta a missão e a razão de ser da Igreja.
O facto de se estimarem em 9,35 milhões o número de católicos para uma população de 10,4 milhões de pessoas, mas menos de 2 milhões de católicos serem praticantes, deve levar a muitas reflexões, designadamente, sobre a eficácia dos ritos de iniciação como foi sugerido pelo Papa, cuja intervenção na íntegra pode ler aqui, mas é também significativo do eco do Evangelho na sociedade portuguesa. É um dado que não pode ser ignorado por ninguém e que vai ter um peso significativo na realidade, social e cultural portuguesa, tanto maior quanto a Igreja souber acolher esses cristãos, que se continuam a sentir ligados por uma fé comum, que têm muito a aprender com os católicos praticantes, que também podem aprender muito com eles.
Aliás, as expressões praticantes e não praticantes recobrem situações humanas muito diversificadas, mas as realidades espirituais são apenas de forma superficial traduzidas por estas categorias. Há que começar por não apagar a chama que fumega, para procurar depois vivificá-la.
A Igreja tem também de continuar a procurar uma inserção adequada na sociedade, democrática, laica e plural, num processo de profunda mutação cultural, como é a portuguesa.
A forma como forem geridas as negociações sobre a regulamentação da Concordata e a forma como a Igreja participar nas comemorações do centenário da implantação da República terá relevância no relacionamento da Igreja com a sociedade e o Estado.
No que se refere à regulamentação da Concordata é exigível rigor e boa fé de todos. O recente envolvimento pessoal do Primeiro-Ministro, José Sócrates é positivo por significar que da parte do Estado, a negociação será conduzida de forma responsável. O mesmo terá de acontecer da parte da Igreja. Nesta matéria, como na das comemorações do centenário da República há que ser objectivo e rigoroso, não permitindo aproveitamentos ou manipulações políticas por parte de quem quer que seja.
Há dois erros que não devem ser cometidos: fazer do afrontamento da Igreja com o Estado e as suas opções uma pretensa forma de afirmação da Igreja, como tem acontecido em Espanha, e que tem contribuído para afastar a Igreja da sociedade espanhola; sobrevalorizar ou deixar-se condicionar pela acção de pequenos grupos militantemente anti-religiosos.
Torna-se fundamental, para além do diálogo inter-religioso que deve prosseguir de forma empenhada, promover um diálogo plural com os não-crentes, à semelhança do que foi desenvolvido entre D. José Policarpo e Eduardo Prado Coelho. A grande maioria dos não-crentes, como a grande maioria dos crentes procura a verdade e o sentido para a vida, respeita o outro, e abomina cruzadas, sejam elas em nome da religião ou da anti-religião.
Estamos num limiar de um tempo novo, que comporta riscos e oportunidades novas, é tempo de mudar na Igreja Católica em Portugal.

domingo, novembro 04, 2007

A II CIMEIRA UE-ÁFRICA-UM NOVO RELACIONAMENTO A PARTIR DE 2008

Na semana passada foram dados passos decisivos para o sucesso da II cimeira UE-África. Na reunião realizada no Gana com a participação do Ministro Luís Amado, ficaram delineados os documentos relativos à Parceria Estratégica e ao Plano de Acção, segundo “O Público” de 3 de Novembro de 2007, que afirma ter tido acesso ao esboço desses documentos.
O sucesso desta reunião tem o significado de que está a decorrer bem a preparação da Cimeira, já que o mais difícil do trabalho de negociação é feito antes da sua realização.
As duas organizações UE e União Africana terão, segundo a mesma fonte definido como acções prioritárias: «Paz e Segurança, Governação Democrática e Direitos Humanos, Comércio e Integração Regional, a criação de condições para os países africanos atingirem os objectivos relativos ao acesso à saúde e educação, definidos pela ONU como Objectivos do Milénio, o Ambiente, a Energia, ou a Imigração entre outras».
Num mundo cada vez mais perigoso, é muito positivo que a UE e a União Africana se proponham juntas «promover e apoiar um sistema de multilateralismo efectivo e instituições multilaterais legítimas e fortes». Este poderá ser um contributo muito importante para reduzir e prevenir conflitos.
Existe uma vontade de passar das palavras aos actos e esta Cimeira irá contribuir positivamente não apenas para um melhor relacionamento entre os dois continentes, ligados desde sempre, mas que ensaiam, pela primeira vez na história, um relacionamento assente na igualdade e na definição de objectivos comuns livremente assumidos.
Esta Cimeira vai ocorrer num momento em que, além dos Estados Unidos da América, todas as grandes potências emergentes China, Brasil e Índia mostram um interesse acrescido por uma maior presença em África. Seria totalmente insensato a UE fazer tábua rasa dos laços históricos, culturais, económicos e humanos que unem os dois continentes e não dar um salto qualitativo na relação entre os dois continentes.
Já referi aqui as razões pelas quais considero fundamental a realização desta Cimeira e a construção de uma Parceria Estratégica UE-África. É muito positivo que a Presidência portuguesa tenha persistido, com determinação, na preparação cuidadosa desta Cimeira, apesar de alguma opinião publicada, que tem criticado a sua realização, tomando como pretexto a presença de Robert Mugabe.
Nesta crítica, confundem-se duas posições: a dos que aproveitam essa eventual presença para atacar a realização de uma Cimeira que no seu eurocentrismo arcaico e pré-globalização consideram dispensável; a daqueles que estão sinceramente indignados com a sistemática violação dos direitos humanos por parte de Robert Mugabe.
Não há dúvidas que as críticas a Robert Mugabe são justificadas, mas o que está em causa não é a legitimação do seu governo, mas sim o compromisso dos dois continentes de promoverem os direitos humanos e a governação democrática. Depois de Mugabe ser levado a aprovar os textos da Cimeira, a oposição a Robert Mugabe passará a ter uma legitimação acrescida para o acusar de não respeitar os direitos humanos, nem as regras da governação democrática, nem sequer os compromissos assumidos perante a UE e a União Africana.
Mugabe não é, aliás, o único dirigente que poderá ser acusado de violar os direitos humanos e de não assegurar uma governação democrática, que irá estar presente, mas o mesmo argumento vale para a presença dos restantes.
Falemos claro, o mundo está cheio de graves violações aos direitos humanos, mas não creio que ao contrário do que pensa a nova direita americana, a solução seja esperar que a força das armas e as invasões, como a do Iraque, criem novas democracias. Tem que se dar oportunidade à diplomacia para que possa contribuir para o progresso do respeito pelos direitos humanos e das regras de governação democrática, sem deixar de apoiar todos os que se batem pela democracia e pelos direitos humanos.
À medida que se aproxima a data da realização da Cimeira, para muitos europeus e africanos, cresce a esperança de que seja possível iniciar um novo relacionamento a partir de 2008.