domingo, março 26, 2006

JOSÉ BARROS MOURA-UM VERDADEIRO SOCIALISTA

José Barros Moura morreu, fez ontem três anos. Envolvido num combate, que ele partilhou para renovar a concelhia do PS de Lisboa, que perdi, não escrevi nada nessa altura sobre o que me doeu a morte deste camarada e amigo.
Passados três anos quero dizer que não esqueci o seu exemplo e quero manifestar uma vez mais a minha gratidão.
José Barros Moura foi um verdadeiro socialista, um homem de carácter que lutou até ao fim por um socialismo vivo e permanentemente repensado e pela decência na vida pública.
Valeria a pena procurar reunir e editar os textos que deixou espalhados pela imprensa, que nos ajudariam a orientar no sentido de construirmos uma sociedade mais justa e solidária.
Recordo-me de José Barros Moura, quando eu era um jovem estudante, e ele era uma das vozes mais ouvidas do Movimento Estudantil durante a crise de 1969 em Coimbra.
Utilizei os seus livros, quando comecei a dedicar-me ao Direito do Trabalho, para a defesa dos direitos dos trabalhadores.
Participei em debates com ele sobre o racismo e a discriminação racial, quer em Lisboa, quer no Parlamento Europeu, onde fui por sua iniciativa.
Recordo o excelente contributo que deu quando da elaboração da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, juntamente com uma deputada do PSD, Eduarda Azevedo. Não esqueço como procuraram, sem sucesso defender melhor o direito de acesso dos imigrantes ao trabalho nesse importante documento.
Um jurista brilhante, Mestre em Ciências Jurídicas pela Universidade Clássica de Lisboa, um deputado que se distinguiu pela competência, empenhamento e capacidade de intervenção quer no Parlamento Europeu, quer na Assembleia da República.
Tendo sido presidente da Assembleia Municipal de Felgueiras (1998/2001) manifestou a sua discordância relativamente à forma como então era gerido o município. Não voltou a ser eleito deputado à Assembleia da República, o que foi uma enorme injustiça. Continuou extremamente empenhado na sua luta por um socialismo vivo, intervindo com regularidade na comunicação social.
Em 13 de Janeiro de 2003 deu, a que julgo ter sido, a sua última entrevista ao jornal “Público”. Depois disso já hospitalizado, ditou a um amigo e camarada Gameiro dos Santos, uma mensagem de apoio à luta que travávamos, e perdemos, para renovar a concelhia do PS de Lisboa, exprimindo a sua confiança em que celebraríamos juntos a vitória.
Depois disso visitei-o algumas vezes no hospital. Recordarei sempre a última vez que estive com ele, antes da sua morte. Estou convencido que, quando chegar a minha vez a recordarei e nela procurarei ânimo.
Como homenagem a este socialista autêntico recomendo a leitura da sua última entrevista concedida a São José Almeida do “ Público” de 13 de Janeiro de 2003 na qual alertou para o financiamento ilícito da vida política. Nela afirmou, designadamente, que: “Isto aponta para que toda a espécie de criminalidade de colarinho branco, corrupção, fraude fiscal, branqueamento, tráfico de influências, decisões públicas para beneficiar interesses de imobiliárias e do betão, sobrefacturação de contratos com autarquias e com o Estado, promiscuidade entre autarcas, construtores civis e futebol, sacos azuis, tudo isto pode estar ligado ao financiamento ilícito da vida política”.
Foi, como disse, um pensador criativo, um verdadeiro socialista e um cidadão exemplar, cuja intervenção de qualidade não teve o reconhecimento que merecia.
Aprendi com outro grande socialista, Francisco Salgado Zenha, que na política não há gratidão, mas que devemos ser gratos.
Quero apenas deixar claro, quanto considero importante o exemplo e o pensamento de José Barros Moura para a luta por um socialismo vivo, que continua a fazer todo o sentido.
Obrigado e até sempre, camarada!

domingo, março 12, 2006

IMIGRAÇÃO E DESENVOLVIMENTO

Ligar imigração e desenvolvimento é sem dúvida o objectivo estratégico a promover nas próximas décadas. É significativo o facto do Ministério da Administração Interna ter promovido na passada semana um Seminário sobre a nova política de imigração, intitulado precisamente “Imigração e Desenvolvimento”.
Estamos muito longe da “imigração zero” que era o objectivo proclamado por muitos decisores políticos até há cerca de dez anos.
Sabemos hoje que o zero de imigração legal, promovia uma massiva imigração irregular. A União Europeia foi assim levada a promover políticas reactivas centradas no combate à imigração irregular, enquanto vários estados por razões diversas promoveram diversas regularizações extraordinárias que no tempo e circunstâncias em que ocorreram foram inteiramente justificadas.
A União Europeia está hoje confrontada não apenas com o envelhecimento da população, o que em si traduz um elemento positivo, uma vida mais longa e em melhores condições, mas simultaneamente um elemento negativo, uma quebra demográfica acentuada Os dados recentemente divulgados pelo Eurostat (nº 3/2006) apontam para o envelhecimento e a diminuição da população, que as migrações só por si não conseguiram evitar. Esta situação terá um enorme impacto sobre o crescimento económico global, o funcionamento do mercado interno, a competitividade das empresas e a sustentabilidade dos sistemas de segurança social. Apesar da imigração não constituir só por si uma solução para o envelhecimento demográfico, como refere o Livro Verde da UE sobre a imigração económica (http://europa.eu.int/eur-/lex/lex/LexUriServ/site/en/com2004_0811en01.pdf) serão necessários cada vez mais fluxos de imigrantes para colmatar as necessidades do mercado de trabalho da UE e assegurar a prosperidade da Europa. Não podemos também ignorar que as principais regiões desenvolvidas do mundo já concorrem entre si para atraírem imigrantes. Vamos chegar a uma situação em que os imigrantes ponderarão se é para a União Europeia, ou concretamente para Portugal, que valerá a pena imigrar, ao mesmo tempo que os portugueses (e outros europeus) se interrogarão se não vale a pena emigrar. Teremos de ser uma terra de acolhimento competitiva, garantindo permanência legal estável com direitos equiparados aos dos nacionais.
Por tudo isto não podemos deixar de debater o Relatório da Comissão Mundial sobre as Migrações Internacionais, intitulado “As migrações num mundo interligado: Novas linhas de acção”, que foi editado em português e apresentado esta semana por iniciativa da Fundação Calouste Gulbenkian. Para além do Relatório, vale a pena consultar os dados disponíveis sobre esta matéria no sítio da Comissão na Internet (http://www.gcim.org/en/).
A governança nacional das migrações num mundo interligado não pode ignorar as necessidades de diálogo e cooperação a nível regional e mundial. Como refere este relatório “há agora uma maior consciência de que os benefícios económicos, sociais e culturais das migrações internacionais têm de ser mais eficazes, e que as consequências negativas dos movimentos transfronteiriços podem ser melhor resolvidos”.
É necessário caminhar no sentido de uma governança das migrações também a nível mundial.
Criar mecanismos que permitam a imigração legal é um desafio que está colocado à União Europeia e aos seus Estados-Membros.
As políticas, meramente, reactivas à imigração irregular têm de dar lugar a políticas pró-activas de promoção da imigração legal que contribuam para o desenvolvimento, quer dos Estados de acolhimento, quer dos Estados de origem. As mudanças são cada vez mais rápidas e complexas. Muitos Estados são simultaneamente Estados de origem e de acolhimento, como é o caso de Portugal. É também perfeitamente pensável que entre dois Estados se possam desenvolver fluxos migratórios recíprocos, correspondendo a diferentes necessidades de segmentos dos seus mercados de trabalho e a aspirações e qualificações diversificadas dos seus cidadãos. Está já na agenda política da UE promover a circulação de cérebros, em lugar da tradicional fuga de cérebros.
Temos todos, cidadãos, decisores políticos, académicos da Europa e da África, de evitar que continuem a morrer cinco imigrantes africanos por dia ao tentar chegar à Europa, que dois mil imigrantes morram por ano ao tentar atravessar o Mediterrâneo, como refere o Relatório das Nações Unidas.
Penso que devemos ser guiados por duas ideias simples: pôr termo ao imenso e evitável sofrimento que as migrações irregulares comportam; passar a integrar as migrações nas estratégias nacionais, regionais e mundiais para o desenvolvimento.

domingo, março 05, 2006

ALIANÇA DE CIVILIZAÇÕES

Os tempos não têm sido favoráveis para os partidários da aliança de civilizações, mas por isso mesmo temos de retomar esse combate.
Como escrevi neste blogue a 31.07.2005, ao terminar um post que intitulei Muçulmanos Europeus, “os muçulmanos na Europa não são uma categoria sociológica, são pessoas muito diversas com as quais somos chamados a relacionar-nos, não esquecendo nunca uma lei universal, só se pode gostar de quem se conhece”.
Não são apenas os muçulmanos europeus que são plurais e diversos, em diferentes graus e com maior ou menor visibilidade, essa diversidade tende a ser uma realidade nas diversas sociedades em que o islamismo é a religião dominante. Podemos impacientar-nos face à lentidão com que as transformações se verificam, devemos denunciar os retrocessos verificados, mão não podemos ignorar que essas sociedades estão em movimento, nem deixar de estar atento às vozes que se levantam no caminho da democracia e da paz.
Julgo que valia a pena termos em conta o diálogo de civilizações em que a UNESCO está empenhada e a defesa que políticos europeus como Zapatero e, entre nós Manuel Alegre, têm denominado como aliança de civilizações.
É também importante procurarmos ter uma informação que vá para lá das simplificações. No Irão, para lá do actual presidente, há outras vozes e há mais vida que teima em se fazer ouvir. Mais que acumular argumentos para defender uma eventual intervenção, há que não esquecer as lutas pela democracia que se têm travado, e se continuam a travar, é certo que até agora sem sucesso.
É positivo que o anterior presidente Mohammad Khatami tenha reagido a negação do Holocausto que tem vindo a ser promovida pelo actual presidente. Em declarações que, segundo a imprensa portuguesa (Público, 3.03.2006), foram transcritas pela imprensa iraniana ter-se-á referido ao Holocausto como uma realidade histórica e terá dito, nomeadamente “Devíamos insurgir-nos, mesmo que um só judeu tivesse sido morto” e “ Não se esqueçam que um dos crimes de Hitler, do nazismo e do nacional-socialismo alemão foi o massacre de gente inocente, designadamente, de muitos judeus. (…) O Holocausto deve ser reconhecido mesmo que se tenha abusado dessa realidade histórica e que haja pressões enormes sobre o povo palestiniano”.
Acrescentou: “A perseguição dos judeus e o nazismo são fenómenos ocidentais. No Oriente sempre coabitámos. Somos os discípulos de uma religião segundo a qual a morte de um inocente equivale à morte da humanidade”. Khatami tem-se, aliás, manifestado como defensor do diálogo de civilizações e tem-no feito a partir do mundo muçulmano. As suas palavras são discutíveis, mas são corajosas e ditas onde é necessário que sejam ditas.
Mais perto de nós temos assistido a uma evolução positiva em Marrocos na linha do reconhecimento dos direitos das mulheres e dos direitos humanos, em geral, com o apoio do actual monarca. Não deixa de ser significativo saber que muitas das mulheres mais activas na defesa dos direitos das mulheres são antigas prisioneiras políticas ou familiares de prisioneiros políticos.
Na Turquia temos um Estado em que se verifica uma separação entre o Estado e a religião islâmica, pese embora o carácter amplamente hegemónico do islamismo como religião.
Não podemos deixar de procurar saber mais sobre o pluralismo das práticas religiosas, as diferenças culturais e políticas existentes nas sociedades em que o islamismo é a religião dominante. Quem não é capaz de distinguir a pluralidade existente nessas sociedades, sofre de uma espécie de cegueira voluntária que leva a ver tudo o que é diferente como homogéneo e ameaçador.
A via tem de ser a do diálogo. Como afirmou Jorge Sampaio na Argélia: “O diálogo e a convivência - não apenas entre governos, mas também entre homens de cultura, de leis, de religião - são especialmente importantes neste momento delicado das relações entre o Ocidente e o Islão, em que qualquer mal-entendido ou divergência podem rapidamente assumir proporções junto das opiniões públicas, como ainda recentemente vimos”(Público, 4.03.2006).
Não devemos subestimar o fundamentalismo islâmico, ou qualquer outro, e temos de combater todos os terrorismos com determinação e eficácia, mas devemos privilegiar a via do diálogo. Não podemos reeditar as cruzadas desta vez em nome da democracia e do Estado laico. O objectivo será por esse meio construir uma verdadeira aliança de civilizações.