domingo, outubro 29, 2006

JESUS, JUDEU DA PALESTINA

O CRC (Centro de Reflexão Cristã) iniciou um ciclo de «Diálogos sobre Jesus», extremamente interessante que nos colocam perante diversas compreensões da sua identidade, o que nos suscita a pergunta quem é para mim este homem.
Jesus nasceu judeu na Palestina, é considerado como profeta pelo Islão, são várias as narrativas gnósticas que dele nos dão retratos inesperados, é confessado como o Cristo por milhões de cristãos.
Os debates começaram pelo princípio, falando de Jesus judeu da Palestina. Jesus nasceu judeu, foi circuncidado, apresentado no Templo, frequentou e ensinou em sinagogas.
Estes debates começaram por interrogar Jesus como judeu da Palestina, com as intervenções de Alain Hayat e de José Tolentino de Mendonça.
Alain Hayat é um judeu francês nascido em Tunes, que trabalhou durante muitos anos em Portugal e que é Reitor da Sinagoga de Lisboa, e autor do livro “Éclats de Tora” e empenhado no diálogo inter-religioso no quadro do Forum Abraâmico. Fez uma abordagem muito serena e objectiva.
Considerou que seria mais correcto dizer que Jesus nasceu no Reino da Judeia, que era um protectorado de Roma, no qual exercia poder um governador romano e um rei local, e não na Palestina, designação mais associada, em seu entender ao mandato britânico sobre a região. Sublinhou que as fontes que dispomos sobre Jesus são textos gerados pela fé dos homens e não trabalhos de historiadores. Apoiando-se no historiador judeu do I século Flavius Joseph referiu que quando surgiu Jesus, a religião judaica estava dividida em várias tendências, numa situação de confronto e de desordem total.
Caracterizou várias tendências ou seitas: os saduceus, aristocracia conservadora muito ligada ao Templo de Jerusalém abertos a todo o tipo de compromissos com os romanos; os fariseus mais exigentes com um fundo nacionalista, que desenvolveram uma tradição oral, grupos místicos como os de Qumran, que desenvolvem conceitos como o de Mestre da Justiça, que pode ter tido eco em Jesus. Havia ainda os “brigantes”, os zelotas, que hoje chamaríamos fundamentalistas e que recorriam a atentados contra os romanos.
Não havia apenas uma grande divisão, mas também uma pergunta enorme sobre o futuro. Era um momento propício para uma mensagem forte. Jesus aparece ligado a símbolos fortes. Jesus é filho de José, filho preferido do patriarca Jacob, de cujo ramo sairá o Messias. Há um conjunto de coincidências e de pormenores relativos a Jesus que o ligam à tradição judaica. Jesus era um judeu que estava à procura de promover a santidade e de a generalizar. Naquela altura as discussões entre judeus, eram constantes e não provocavam rupturas. Jesus foi considerado durante toda a vida como judeu, com uma visão diferente. Só depois com os apóstolos e o desenvolvimento do cristianismo como religião se deu a ruptura.
José Tolentino de Mendonça, padre católico, doutorado em Ciências Bíblicas, poeta e escritor, reconheceu que faltam fontes para conhecer o judaísmo no tempo de Jesus. Jesus é-nos dado sempre através dos testemunhos e de uma comunidade que tem a referência da sua fé É necessária a mediação da linguagem e da comunidade e precisamos sempre de uma hermenêutica.
Estamos actualmente na terceira vaga de estudos acerca de Jesus. As duas anteriores descreviam Jesus com critérios de separação relativamente ao judaísmo. Hoje vinga o critério da plausibilidade.
É mais credível inseri-lo no contexto de um judaísmo que era uma realidade fragmentada, como o comprova o facto de se falar em tendências, o que vai permitir que um pregador da Galileia pudesse fazer o caminho que Jesus fez. Os próprios Evangelhos vão costurando os filamentos que explicam o movimento de Jesus. De referir, por exemplo, a sua ligação a João Baptista que bebe do entusiasmo reformador que existe no seu tempo.
Hoje muitos autores judeus escrevem sobre Jesus, sobre a sua dimensão de sábio à maneira dos rabinos com os seus grupos de discípulos, debatendo a partir de citações do Antigo Testamento. O método parabólico não é desconhecido da tradição judaica. Jesus explora a margem desse judaísmo plural de onde vai emergir o cristianismo. Outra dimensão de Jesus, é a profética e apocalíptica. Não é por acaso que Isaías é citado nos Evangelhos. O profetismo judaico é uma chave essencial para compreender.
Jesus faz um percurso solitário. A partir do capítulo 3 do Evangelho de Lucas não pode entrar nas cidades. Sofre a perseguição que sofriam os que reclamavam uma mudança do sistema religioso e social.
Os milagres, as curas, as refeições são essenciais para compreender o personagem Jesus, mostrando, por exemplo, na multiplicação dos pães a sua visão da sociedade.
O critério da plausibilidade é essencial para compreender Jesus, mas há um limite. Fica por explicar como morreu, como foi excluído dentro daquele sistema religioso e social. Jesus tem de ser explicado pela continuidade e pela ruptura. Jesus foi um judeu marginal, um camponês do Mediterrâneo, aberto ao helenismo, segundo outros autores. A pertença judaica é uma dimensão de Jesus, não nos diz tudo sobre ele.
Ao deixar aqui este apontamento quero sublinhar que a importância das questões abordadas nesta sessão justificariam a organização entre cristãos e judeus de um Seminário sobre este tema.
Era muito importante divulgar entre nós os autores desta terceira vaga de estudos sobre Jesus, incluindo os autores judeus. O suplemento “Mil Folhas”, de 8 de Julho de 2006 do jornal “Público” divulgou, por exemplo, um desses autores, Geza Vermes, mas infelizmente as suas obras ainda não estão publicadas em português.
Se me permitem uma sugestão não percam os próximos debates sobre Jesus, o primeiro dos quais será sobre Jesus como profeta do Islão.
Olhar em volta é a única forma de viver livre e de pensar livremente.

domingo, outubro 22, 2006

DEBATER A CONSTRUÇÃO EUROPEIA

A próxima Presidência Portuguesa da União Europeia, que terá lugar no segundo semestre de 2007, é uma oportunidade que não pode ser perdida, nem pelas instituições políticas portuguesas nem pelos cidadãos. Não basta acenar com reintroduzir a discussão do Tratado que institui uma Constituição para a Europa, há muitas outras questões cujo debate é imprescindível e condicionará o futuro desse projecto.
Reveste-se neste contexto de particular oportunidade a proposta avançada pelo deputado Manuel Alegre, vice-presidente da Assembleia da República, que numa excelente entrevista, publicada em 21-10-2006 no Diário de Notícias, defendeu a revisão do PEC [Pacto de Estabilidade e Crescimento] «para ficar fora das contas públicas o investimento público, que é o instrumento que o Estado tem para promover o crescimento». Manuel Alegre recordou que o presidente Sampaio, em 2002, pediu numa entrevista ao Le Monde, a revisão do Pacto de Estabilidade.
É uma proposta que vai contra o conformismo reinante nesta matéria e que se reveste de grande importância estratégica para o futuro da construção europeia. A esquerda europeia deixou-se amarrar ao PEC que tem contribuído para assegurar a estabilidade, mas tem impedido o crescimento.
Na moção que pode ler aqui, que, com Helena Roseta, subscrevi para o próximo XV Congresso do PS, referimos o facto de haver na Europa uma constituição económica não escrita, formada pelo Pacto de Estabilidade e Crescimento e pelas Grandes Orientações de Política Económica, que condiciona todos os governos e na prática impede a construção de políticas alternativas.
Mas há muitas outras questões que não dizem apenas respeito ao Governo, mas também à Assembleia da República, à Presidência da República e a todos os cidadãos e que se prendem, por exemplo, com a necessidade de reinventar o modelo social europeu, tendo em conta a necessidade de articulação dos planos locais, nacionais, europeus e mundiais e as mudanças dos estilos de vida. Torna-se necessário contrariar a predominância neo-liberal em directivas europeias fundamentais, como a Directiva Serviços, apesar da luta travada pela Confederação Europeia dos Sindicatos, agentes políticos e forças sociais de vários Estados-Membros da União Europeia.
Em tudo isto há um défice de iniciativa dos próprios cidadãos. A grande maioria dos cidadãos portugueses têm-se manifestado favoráveis ao aprofundamento da construção europeia nas sondagens que têm sido efectuadas, mas é também verdade, que é escassa a informação da maioria dos cidadãos portugueses sobre as questões europeias actualmente em agenda. Ora só cidadãos informados podem intervir de forma inteligente e eficaz neste debate.
Há também questões que têm a ver com o défice democrático no processo de construção europeia que nada justifica que não possam ser desde já implementadas. Referimo-nos, por exemplo, à necessidade de um maior acompanhamento efectivo, por parte dos parlamentos nacionais, do processo de construção política da União Europeia e da produção legislativa comunitária e ao respeito pelos princípios da subsidiariedade e da proporcionalidade.
O processo histórico não está predefinido, é resultado da intervenção livre dos cidadãos que consideram que sem a sua participação informada não haverá legitimidade para proceder a avanços significativos na nova arquitectura europeia.
Verifica-se que existe uma falta de informação acessível à generalidade dos cidadãos, que lhes permita o acompanhamento das transformações em curso no processo de construção europeia, designadamente sobre os impactos negativos do PEC no crescimento, o que tem efeitos negativos na vida social e política a nível europeu.
A proposta de Manuel Alegre reveste-se, neste contexto, de grande oportunidade e todos ganharíamos se fosse discutida e incluída na agenda política europeia pela próxima Presidência Portuguesa da União Europeia.

domingo, outubro 15, 2006

RELAÇÕES IGREJA-ESTADO EM ESPANHA E PORTUGAL

Realizou-se, ontem, um interessante colóquio promovido pelos Movimentos "Nós Somos Igreja" de Portugal e Espanha sobre um tema que raramente é discutido com conhecimento e rigor: “As relações Igreja-Estado em Espanha e Portugal”. No debate participaram, pelo lado português: José Vera Jardim (deputado socialista), Teresa Clímaco Leitão (investigadora), Margarida Salema (jurista) e D. Januário Torgal Ferreira (bispo católico) e, pelo lado espanhol: Raquel Malavibarrena (professora universitária e coordenadora do Movimento Internacional «Nós Somos Igreja»), Hugo Castelli (empresário e membro da Comunidade de base S. Tomás de Aquino-Madrid), Maria Pau Trayner (professora universitária e membro do movimento «Donnes en L’Eglesia» de Barcelona e Evaristo Vilar (sacerdote e teólogo).
O debate foi moderado por Guilherme d’Oliveira Martins e teve lugar no Centro Nacional de Cultura. É impossível resumir as comunicações, muitas delas muito estruturadas, mas gostaria de registar este acontecimento que a imprensa não acompanhou como devia.
Raquel Malavibarrena falou do contencioso actualmente existente em Espanha, designadamente em matéria de financiamento da Igreja pelo Estado, enquanto José Vera Jardim, a cuja comunicação regressarei, abordou as transformações verificadas em Portugal com a nova Lei da Liberdade Religiosa e a nova Concordata entre Portugal e a Santa Sé.
Hugo Castelli falou da outra forma de Igreja que representa a comunidade de base em que está inserido, que defende um Estado laico, faz uma opção pelos pobres e promove a igualdade de género e a não-discriminação em função da orientação sexual, fazendo o historial da sua progressiva marginalização dentro da Igreja Católica.
Maria Pau Trayner fez uma leitura crítica da forma como as encíclicas papais desde Leão XIII se referiram ao papel da Igreja na sociedade até à emergência da teologia feminista.
Teresa Clímaco Leitão falou das relações Igreja/Estado na transição para a democracia nos dois países, abordando o papel das Igrejas portuguesa e espanhola nesse período e o comportamento dos novos partidos políticos face à Igreja e às novas relações desta com o poder temporal. As soluções encontradas não foram as mesmas, o que também contribui para perceber as diferenças nos modos de intervenção dos episcopados portugueses e espanhóis.
Margarida Salema fez uma apresentação centrada sobre a evolução do estatuto da Igreja Católica ao nível do direito internacional público desde o século IX até à actual personalidade jurídica internacional do Vaticano, justificando a celebração de Concordatas, como a nova celebrada entre Portugal e a Santa Sé, que considerou um documento muito importante.
D. Januário Torgal Ferreira fez uma curta intervenção, na qual referiu a não confessionalidade do Estado, a tragédia dos Estados teocráticos, a opção religiosa. Afirmou, ao que julgo pela primeira vez, que nas suas funções de assistência religiosa às Forças Armadas não devia ter uma categoria militar.
Evaristo Vilar explicou que os participantes espanhóis, não tinham vindo preparados para fazer intervenções tão estruturadas como as feitas pelos portugueses, mas para dialogar a partir da sua experiência. Referiu que a situação actual é uma situação de crispação nas relações Igreja-Estado em Espanha, de divisão entre “as duas Espanhas” de que falava António Machado, o que considerou injustificado face à política social do governo socialista, acusando a rádio da Igreja espanhola de convergir com o jornal “ El Mundo” da direita espanhola, do Partido Popular.
Guilherme de Oliveira Martins recordou que o colóquio ocorria numa data em que fazia anos que Miguel de Unamuno se manifestou contra os gritos de “Viva la muerte” do general franquista Millán Astray, para sublinhar que nada é mais grave que o silêncio.
Gostaria de sublinhar que José Vera Jardim, com a autoridade que tem por ser o responsável pela nova Lei da Liberdade Religiosa, não se limitou a referir o caminho já percorrido para assegurar uma presença mais equitativa das diferentes confissões religiosas ou a importância da nova Concordata, mas chamou a atenção para o que falta fazer para permitir a plena aplicação da Lei da Liberdade Religiosa, ou os acordos a negociar entre o Governo e a Conferência Episcopal para completar a revisão da Concordata e que abrangem matérias como a fiscalidade ou a assistência religiosa às Forças Armadas.
Não podemos ficar a meio deste processo. Há que prosseguir com bom senso, determinação e preocupação com a equidade.

MUHAMMAD YUNUS-PRÉMIO NOBEL DA PAZ

A atribuição do Prémio Nobel da Paz a Muhammad Yunus e ao Grammeen Bank é uma excelente notícia, que sinaliza a importância que o combate à pobreza e à exclusão social tem para a construção da paz.
Premeia um homem que não se ficou por dar aulas de Economia na Universidade de Chittagong, no Bangladesh e criou uma instituição original, um banco que empresta dinheiro aos mais pobres, o Grammen Bank, permitindo-lhes criarem iniciativas empresariais.
O seu livro “O Banqueiro dos Pobres”, que conta como tudo começou está disponível em português desde 2001, em edição da Difel.
A inspiração de Muhammad Yunis esteve também na origem da Associação Nacional do Direito ao Crédito, sobre a qual pode obter mais informação aqui e que é membro fundador da REM-Rede Europeia de Microfinanças.A Associação Nacional de Direito ao Crédito já apoiou com 615 empréstimos pessoas e que não têm possibilidade de obter crédito junto da banca e que têm capacidades para desenvolver uma actividade económica. O montante do crédito concedido já atingiu os 2686.724 Euros.
Não deixa de ser sintomático que na mesma semana um cidadão do Bangladesh foi premiado com o Prémio Nobel da Paz e um cidadão sul-coreano, Ban Ki-Moon, Ministro dos Negócios Estrangeiros da Coreia do Sul, foi eleito secretário-geral das Nações Unidas. Se somarmos a tudo isso a crescente emergência da China e da Índia como potências económicas, mas não só, temos uma antevisão da importância que a Ásia vai ter no quadro político mundial desde o princípio do século XXI.

domingo, outubro 08, 2006

A ERA DAS METRÓPOLES COSMOPOLITAS

Dizia-se há alguns anos que estávamos na era das migrações, que elas se tinham tornado um elemento fundamental das sociedades contemporâneas. Hoje dizê-lo é insuficiente, é preciso acrescentar que as migrações mudaram profundamente as sociedades de acolhimento, e que a sua presença se inscreveu nos territórios, dando origem a grandes metrópoles cosmopolitas como Londres, Amesterdão, Paris ou Lisboa. Este processo está apenas no início. Torna-se necessário mobilizar investigadores, académicos, decisores, agentes políticos e imigrantes para desenhar políticas públicas mais eficazes, que permitam uma integração de qualidade, potenciar as oportunidades de desenvolvimento que estes processos comportam e prevenir efeitos perversos.
A recente realização em Lisboa da 11.ª Conferência METROPLIS, subordinada ao tema “Paths & Crossroads: Moving People, Changing Places” entre 2 e 6 de Outubro de 2006, foi um acontecimento de enorme relevância para o aprofundamento das redes internacionais de reflexão e estudo sobre as migrações internacionais. O programa e a qualidade dos intervenientes, quer nas sessões plenárias, quer nos workshops, e a diversidade das abordagens, como se pode ver no programa aqui, dizem-nos bem da relevância deste acontecimento. Continuo a pensar que, como afirmei no seminário Metropolis International Workshop, realizado em Lisboa, em 28 e 29 de Setembro de 1998, que está publicado pela Fundação Luso-Americana, “as migrações nos obrigam a recordar que somos todos parte da mesma família humana, e que devemos agir uns para com os outros em espírito de fraternidade” (Migration forces uses to remember that since we are all part of the same human family, part of humankind as a whole, we must act in spirit of brotherhood toward each other).
É impossível resumir a riqueza das diversas contribuições. Espero que venham a ser disponibilizados na Rede e em suporte papel.
Gostaria de me congratular desde já pelo facto de a CPLP ter sido objecto de debate (A Lusophone Community: Multicional Alliances; Multiplice Belongings) e pelo facto de vários participantes estrangeiros me terem manifestado uma apreciação positiva do que tem sido realizado em Portugal em matéria de integração desde há uma década.
Alguns colocaram, contudo, uma questão que vale a pena aprofundar, em que medida o facto da maioria dos imigrantes serem provenientes de países de Língua Oficial Portuguesa, tem contribuído para atenuar algumas deficiências das nossas políticas de integração, isto é, se não fossem imigrantes lusófonos os resultados da integração seriam mais limitados. Creio que é uma questão que é possível trabalhar cientificamente. Num workshop em que participei, dedicado às segundas gerações post-coloniais foi apresentada uma interessante comunicação de Mies van Niekerk., intitulada “Post-Colonial Migration and the Second Generation, the Caribbeans in Netherlands”, na qual comprovou que os filhos de imigrantes das Caraíbas, mais concretamente, do Suriname e das Antilhas Holandesas, beneficiaram de um leque alargado de direitos, são cidadãos holandeses, têm um domínio da língua e da cultura holandesa, e inclusive do reconhecimento por parte dos holandeses de que “são como eles”, pelo que têm maiores níveis de sucesso escolar e profissional do que os filhos dos restantes de imigrantes. Esta é uma área de investigação que se afigura interessante e foi muito positivo que a Prof.ª Doutora Margarida Marques, da Universidade Nova de Lisboa, tenha dedicado um workshop às “Post-Colonial Second Generatin in Europe”.
Naturalmente que há imenso trabalho por fazer para assegurar uma melhor qualidade da integração de todos os imigrantes, mas sobre isso tenho apresentado propostas em textos políticos de intervenção.
Hoje queria apenas fazer uma chamada de atenção para este encontro excelentemente organizado e que foi um dos maiores realizados a nível mundial sobre migrações. Manifesto, no entanto, o meu desejo de que no futuro seja assegurada a possibilidade de falar em português em todos os workshops, o que em Espanha se faz recorrendo a voluntários, recrutados entre estudantes universitários de línguas estrangeiras.
O sítio do ACIME disponibiliza aqui, os cinco exemplares do Metropolis Policy News, jornal diário em língua inglesa da Conferência, onde os que tiverem interesse podem ter mais informações sobre esta Conferência.

PS.1 - As Associações de Imigrantes têm contribuído para facilitar uma integração de qualidade dos imigrantes em Portugal e foram associadas desde a criação em 1996 do ACIME (Alto Comissário para a Imigração e Minorias Étnicas), à definição e concretização das políticas públicas de integração. Uma das Associações que até hoje mais me impressionou pela preocupação com o apoio aos seus membros e o progresso da sua terra natal, foi a ANPRP - Associação dos Naturais do Pelundo - que conseguiu finalmente ter um espaço em Lisboa, na Rua Fernando de Gusmão, Zona 6 A, Lote 7-Loja A, Quinta da Torrinha, na Ameixoeira.
A ANPRP é uma das associações em que os seus membros, na sua maioria trabalhadores com modestos salários, mais contribuem com as suas quotas, permitindo que funcione como associação de socorros mútuos que apoia os associados e suas famílias perante diversas adversidades da vida, além de apoiar projectos de desenvolvimento em Pelundo.
As Associações têm sido muito marcadas pela qualidade humana dos seus fundadores e principais dirigentes.
Assisti um dia a uma sessão singular, na qual Malam Gomes, que tinha cessado as funções de presidente, transferia as suas funções para o novo presidente eleito. Malam Gomes prestou contas, por sua iniciativa, de tudo, entregou fichas de sócios, livros de contabilidade em dia, livros de cheques, extractos bancários e inclusive a pasta que tudo continha e, que, como explicou tinha sido comprada com dinheiro da Associação. Fez isto com uma total naturalidade na frente de toda a gente.
Associações como esta dão um contributo imprescindível não apenas para a integração dos imigrantes, mas para a qualidade da sociedade civil portuguesa.

domingo, outubro 01, 2006

SOLIDARIEDADE E CIDADANIA

A afirmação da importância dos movimentos de cidadania não nos pode fazer esquecer o papel dos partidos políticos. É verdade que há mais vida para além dos partidos, e que a intervenção cívica dos cidadãos não se esgota na militância partidária, mas os partidos continuam a ter um papel insubstituível na organização democrática do poder político. Os partidos políticos são entre nós associações privadas com funções constitucionais, cuja renovação e abertura à sociedade são fundamentais para melhorar a qualidade da nossa democracia.
É por isso que, como socialista, não podia deixar de participar activamente no XV Congresso do Partido Socialista. A moção Solidariedade e Cidadania, que podem ler aqui, de que Helena Roseta e eu próprio, somos os primeiros subscritores, pretende contribuir para que o Partido Socialista esteja atento aos sinais e encontre respostas que dêem sentido ao nosso combate quotidiano por um Portugal mais livre, mais justo, mais fraterno.
A moção pretende dar um contributo para reinventar o socialismo. Apresenta propostas, critica soluções, mas sobretudo coloca questões que se podem sintetizar desta forma como conjugar a solidariedade e a cidadania. A construção das respostas exige um debate alargado com a participação dos militantes. Preocupa-nos o modelo de sociedade que estamos a construir, entendemos ser essencial dar prioridade aos direitos sociais e à defesa concreta da solidariedade. Não nos resignamos à falta de horizontes pessoais e familiares e sociais para a “geração dos recibos verdes” que levam muitos jovens portugueses a emigrar.
A defesa de uma visão solidária da sociedade, a urgência da cidadania e a responsabilidade e oportunidade histórica do PS são os eixos fundamentais em torno dos quais nos propomos promover a participação activa dos militantes que se identificam com esta moção no XV Congresso do PS. Temos de discutir questões como o Estado e os direitos sociais, as questões laborais, a necessidade de políticas activas de emprego, pela necessidade de reforma do Código do Trabalho, a escola pública e a mudança educativa, a reestruturação das universidades no âmbito do processo de Bolonha, a política social de habitação, o novo modelo social europeu, desertificação e identidade nacional, energia e interesse nacional, a construção de uma sociedade cosmopolita de inclusão.
Queremos contribuir para tornar mais evidente a urgência da cidadania, que se concretiza na luta por uma maior igualdade de género para reconciliar os jovens com a política, por uma justiça atempada, eficiente, equitativa e acessível, concebida como um novo direito social.
Consideramos que há que reforçar o combate à corrupção.
Os partidos têm de continuar a ser espaços de formação cívica e não nos resignamos a que o clientelismo e o carreirismo substituam a convicção genuína e a luta por valores. Há que valorizar o mérito e a independência de espírito.
Os desafios colocados ao aprofundamento da cidadania passam por um debate sobre o poder mediático e o direito à informação, a “democracia electrónica” e os novos movimentos de cidadania.
A necessidade de um PS, mais aberto aos cidadãos é uma lição que se impõe como resultado das eleições presidenciais.
Temos de estar atentos colectivamente à forma como Cavaco Silva vai procurar concretizar o seu conceito de cooperação estratégica, criticado por Manuel Alegre durante a campanha presidencial. A insistência sobre um acordo numa matéria como a segurança social em que as propostas do PS e do PSD são manifestamente diferentes releva de uma tentação de bloco central a partir de Belém, que recusamos.
Como escreveu Elísio Estanque no blogue BoaSociedade (29/09/2006) aqui esta moção pode resumir-se desta forma “por uma política mais solidária e mais à esquerda”.
Mas qual poderá será o seu impacto no Partido Socialista neste momento? A resposta é simples e clara. Este é um momento em que temos de dizer o que pensamos, porque isso é para nós uma exigência ética de cidadania. O resultado já não depende apenas de nós, mas da consciência e da vontade dos militantes. Nós confiamos nos militantes e desafiamo-los a através do blogue Solidariedade e Cidadania aqui a participarem connosco neste debate.