domingo, julho 31, 2005

MUÇULMANOS EUROPEUS

Numa altura em que na sequência dos actos terroristas que atingiram Londres, depois de Madrid, pressentimos que outros se poderão vir a verificar em qualquer outro país da União Europeia, é fundamental ter sempre presente que o inimigo é o terrorismo, não é o Islão, nem os muçulmanos.
É preciso que ao procurar prevenir e combater o terrorismo da forma mais eficaz possível, não esqueçamos alguns factos simples e tenhamos sempre presente algumas ideias claras.
Há milhões de muçulmanos na União Europeia, bem como em outros países europeus. Se alguns são imigrantes, outros são cidadãos dos diferentes Estados-nembros, em muitos casos há longos séculos. Há cidadãos belgas, franceses, ingleses, portugueses, como há cidadãos gregos ou bósnios que são muçulmanos.
Os cidadãos muçulmanos não são uma realidade homogénea, do ponto de vista cultural, mesmo referindo-me aos que são praticantes sinceros, como o não são os evangélicos, os ortodoxos ou os católicos. Há, como é natural, diferentes vivências, correntes doutrinais, maneiras de ser e de sentir.
Os actos terroristas dos partidários de Osama bin Laden não se dirigem apenas contra europeus ou americanos, mas também contra muçulmanos e árabes. Da Indonésia, ao Egipto, ao Iraque, de Marrocos à Turquia, sem esquecer a Argélia, milhares de crentes muçulmanos inocentes têm sido assassinados.
A esmagadora maioria dos muçulmanos europeus está do lado da liberdade, do respeito pelos outros, dos valores que enformam o Estados de Direito.
Como escreveu Faíza Hayat, cidadã portuguesa, filha de mãe cristã e pai muçulmano, Osama dirige-se contra estes muçulmanos, quer pôr em causa, a sua maneira de sentir e de viver. Para Faíza Hayat: “…o objectivo principal desta estratégia não é o aterrorizar os europeus, forçando-os a abandonar o mundo árabe; o principal objectivo é empurrar os muçulmanos moderados, incluindo aqueles que vivem no Ocidente, para o campo radical. Osama quer espalhar o ódio, mais do que o terror; quer utilizar o ódio para unificar o islão”, XIS, Ideias Para Pensar, nº318, 23 de Julho de 2005. E acrescenta: “Eu, pelo contrário, represento tudo aquilo que Osama mais odeia - uma alma livre em trânsito entre culturas e raças e religiões”.
Portugal é um país em que há uma nova presença islâmica, mas não podemos ignorar a contribuição histórica do nosso passado islâmico para a própria génese da cultura portuguesa, onde se misturou com outras culturas e deixou marcas indeléveis na língua, na arquitectura e em diversas culturas e técnicas agrícolas.
A realidade constituída pelos muçulmanos europeus, não pode ser encarada com ligeireza, ou apenas com bons sentimentos. Tem de ser estudada. Quem quiser ter uma visão da enorme diversidade das presenças islâmicas na Europa poderá ler com proveito, o livro editado por Roberta Aluffi B.-P e Giovanna Zincone The Legal Treatment of Islamic Minorities in Europe, Peeters-Leuven, 2004, no qual tive o gosto de colaborar, e em que é analisada a realidade islâmica em países tão diversos como Áustria, Bélgica, França, Alemanha, Grécia, Itália, Holanda, Portugal, Roménia, Espanha, Suécia, Reino Unido, para além dos Estados Unidos.
Há, contudo, um elemento básico que não se pode ignorar para analisar a presença islâmica na Europa. O que está em causa não é um conceito abstracto, são pessoas concretas, são concidadãos, que têm gostos e formas de vida muito pessoais.
Aprendi muito sobre o islamismo com Imã da Mesquita de Lisboa, o xeque David Munir e com o presidente da Comunidade Islâmica, Abdool Magid Karim Vakil, e estou-lhes grato por esse facto. Mas não posso deixar de evocar a minha amiga Latifa Aït-Baala, militante dos direitos dos imigrantes e dos direitos humanos em geral, uma muçulmana francesa, natural de Marrocos, com quem há mais de dez anos comecei a conversar sobre o islamismo e a Europa, uma amiga a quem a música dos Madredeus, de Dulce Pontes e de Mariza evocam sonoridades familiares do seu país natal.
Os muçulmanos na Europa não são uma categoria sociológica, são pessoas muito diversas com quem somos chamados a relacionar-nos, não esquecendo nunca uma lei universal, só se pode gostar de quem se conhece.

domingo, julho 24, 2005

O «ARRASTÃO» QUE NÃO EXISTIU EM CARCAVELOS

Já tivemos oportunidade de nos referir aos acontecimentos ocorridos no passado dia 10 de Junho na praia de Carcavelos no nosso post de 19 de Junho.
Hoje é possível ter uma visão mais objectiva sobre o que se passou efectivamente e sobre os disparates que jornalistas e inclusive académicos aproveitaram para escrever e que se tornam ridículos face ao Relatório da Polícia de Segurança Pública, que foi esta semana entregue à Assembleia da República e que demonstra que não houve «arrastão» em Carcavelos. É um documento que dignifica o seu profissionalismo e demonstra o respeito pela verdade dos factos por parte da PSP, o que reforça a nossa confiança no funcionamento das instituições do nosso Estado de direito democrático. Este relatório parte de uma detalhada análise para tirar as suas conclusões e é por isso um documento credível e rigoroso.
Voltámo-nos também a referir aos acontecimentos de Carcavelos porque muita gente aproveitou para promover o preconceito e o medo e isso tem de ser desmascarado e porque para muita imprensa internacional Portugal durante todo esse mês foi sinónimo de «arrastão» com graves consequências para o nosso turismo e para a economia portuguesa. Esta exploração das mentiras para prejudicar o nosso turismo ainda não terminou e ainda há encomendas de artigos sobre as fantasias que então foram divulgadas.
O tempo decorrido só reforça a justeza do elogio que então fizemos ao editorial de Luís Osório no Jornal A Capital (17 de Junho) intitulado, recordam-se, “A vitória da imaginação” e à reportagem que demonstrava que não tinha havido «arrastão» do jornalista Nuno Guedes.
Há que referir também o inteligente post de 19 de Junho “Ser ou não «arrastão»”de João Miguel Almeida no seu sempre interessante blogue eoesplendordosmapas.blogspot.com que percebeu através da análise crítica dos dados fornecidos pela imprensa que não tinha havido nenhum «arrastão».
Registamos das conclusões finais do referido Relatório que não houve «arrastão» na praia de Carcavelos.
“…Os elementos ora apurados, em conjugação com as imagens recolhidas não configuram contudo qualquer situação de “arrastão”, caracterizado como vulgarmente é conhecido no Brasil, em que um enorme grupo de indivíduos assalta os banhistas, retirando-lhes pela força, os bens que possuem…”.
O facto de não ter havido «arrastão» não significa que não se deva reforçar a segurança nas praias e os sistemas de vídeo-vigilância como pretende, e bem, o Governo ou que se não justifiquem novas políticas e medidas que reforcem a coesão social, a qualidade da integração dos imigrantes e o respeito e solidariedade entre todos os cidadãos, nacionais ou estrangeiros.
Não podemos é deixar de dizer quantas vezes for preciso, que como escreveu C.M. num inteligente comentário ao nosso post de 19 de Junho de 2005, não há correlação entre imigração e criminalidade.
Temos muito que fazer para aprendermos a viver juntos em solidariedade. Há ainda muitos muros artificiais entre as pessoas, preconceitos e discriminações raciais, por vezes, subtis, que têm de ser eliminados
Tudo isto tem que assentar numa informação objectiva sobre os fenómenos migratórios em todas as suas dimensões. Todos temos o dever de contribuir para que assim seja, mas naturalmente os profissionais da informação, os académicos e os agentes políticos têm um dever acrescido, por terem um poder acrescido, para que assim seja.
Por tudo isto não podíamos deixar de registar o contributo que para essa informação objectiva representou este Relatório da PSP. Foi pena que não tivesse sido possível tê-lo mais cedo, mas mesmo agora é um documento importante e estou certo que impedirá que se fabriquem novos acontecimentos “informativos” deste tipo.

domingo, julho 17, 2005

MARIA DE LOURDES PINTASILGO

Esta semana hesitei em falar de Manuel Alegre ou de Maria de Lourdes Pintasilgo. A comemoração dos 40 anos da Praça da Canção foi um acontecimento cultural e político da maior relevância. Ao Manuel Alegre liga-me um trajecto político maior do que o que me liga a Maria de Lourdes Pintasilgo. Antes e depois do 25 de Abril estivemos sempre do mesmo lado da barricada, primeiro contra o fascismo, depois pelo socialismo democrático Estou certo, contudo, que terei muitos e variados motivos para falar de Manuel Alegre nos próximos meses. É cada vez mais claro para a grande maioria dos socialistas e para muitos outros militantes de esquerda que Manuel Alegre será chamado a desempenhar um papel político fundamental para Portugal nos próximos meses.
Não posso por isso adiar a expressão da importância de que se reveste para mim a intervenção intelectual e política de Maria de Lourdes Pintasilgo, a saudade e gratidão que por ela nutro.
Tenho de começar por uma questão incontornável. Dei-me conta que a sua legenda é a mesma que para mim escolhi desde os meus tempos do Liceu Nacional de Viseu, os versos de Carlos Oliveira: “Cantar/ é empurrar o tempo ao encontro das cidades futuras/fique embora mais curta a nossa vida”. Ora isso significa necessariamente a existência de cumplicidades.
Na passada semana foi publicado um livro Palavras Dadas de Maria de Lourdes Pintasilgo e isso permitiu que se chamasse um pouco mais a atenção para a obra desta militante católica que foi intelectual, teóloga, feminista, militante política, tendo tido inclusive a oportunidade de ter sido a primeira e até agora a única portuguesa que desempenhou as funções de Primeiro-Ministro. Este livro é decerto modo a resposta que quis dar ao livro Mulher das Cidades Futuras com que tantas e tão destacadas figuras da sociedade portuguesa procuraram homenagear diversas dimensões da sua intervenção.
Devo dizer que o que mais admiro nela foi a vontade de ultrapassar barreiras e de pensar com audácia novos caminhos para importantes desafios culturais e sociais. Penso que foi particularmente inovadora ao pensar as questões colocadas sobre o feminino por escritoras e pensadoras como as autoras das Novas Cartas Portuguesas ou outras questões civilizacionais. Não posso também deixar de sublinhar a naturalidade com que foi progressivamente assumindo a sua condição de católica e de militante política de esquerda, o que está longe de ser evidente para toda a gente, ou como soube aglutinar em torno de causas da esquerda tanta gente com os mais diversos caminhos e concepções de vida.
Este é, aliás, um desafio que está colocado na sociedade portuguesa, impedir que se criem barreiras artificiais entre crentes e não crentes de qualquer confissão religiosa, o que foi possível evitar depois do 25 de Abril.
O caminho na sociedade e nas instituições é levar a sério o princípio da igualdade de acordo com o qual “Ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica ou condição social.”
Se os militantes católicos não aceitam ser discriminados por esse motivo nas organizações políticas e sindicais, e penso que o não são efectivamente, também o não aceitariam vir a sê-lo, naturalmente, dentro da sua Igreja. Os militantes que têm a experiência, de procurar com companheiros ou camaradas de luta soluções para os maiores problemas sociais a partir de diferentes percursos e concepções da vida, e de se sujeitar ao contraditório, e a escrutínios democráticos, que são escolhidos ou não para exercer funções públicas exclusivamente pelos seus méritos, têm, decerto, alguma coisa a ensinar.
Não creio, aliás que se possa construir qualquer projecto de Nova Evangelização sob o silêncio ou sem o contributo destes militantes. Em Portugal, apesar de alguns movimentos de involução que se manifestam entre os leigos, estou certo que devemos ter confiança numa nova primavera na Igreja, graças, designadamente, ao sentido evangélico do Episcopado Português.

domingo, julho 10, 2005

ECUMENISMO E BOMBAS

Na passada quarta-feira tive a honra de moderar no Centro Cultural de Cascais um debate em que estavam em causa os fundamentalismos religiosos em contraposição com uma lógica de respeito entre as diferentes expressões religiosas. Intervieram Esther Mucznik, uma das principais dirigentes da Comunidade Israelita de Lisboa e o xeque David Munir, imã da Mesquita de Lisboa, que tiveram intervenções esclarecedoras, promotoras do diálogo e do respeito entre todos os seres humanos. Perante uma numerosa e interessada assistência foi possível constatar os progressos que têm sido feitos entre nós em matéria de liberdade religiosa e de diálogo inter-religioso. Ainda recentemente tive oportunidade de falar desta vantagem competitiva que representa para Lisboa ser uma cidade ecuménica, em que convivem cristãos, muçulmanos, hindus, outras diversas expressões religiosas, pessoas agnósticas ou sem qualquer religião, nas Jornadas “Um Projecto para Lisboa”, promovidas por Manuel Maria Carrilho.
No dia seguinte todos fomos surpreendidos por mais um ignóbil atentado, que se traduziu numa sucessão de explosões em Londres, que invoca o Islão, mas que ao fazê-lo me lembra sempre aquele ensinamento que aprendi na catequese de que é pecado grave invocar o Santo Nome de Deus em vão.
Todos sabemos que ao longo da história houve pessoas que se afirmavam crentes e que entenderam poder cometer assassínios em nome de Deus.
Se há um consenso básico essencial que temos hoje de exigir a todos os seres humanos crentes ou não crentes é que invocar Deus para cometer crimes é um acto de impiedade e um ultraje ao Criador, qualquer que seja o nome que lhe demos.
Temos por outro lado que ter orgulho nas sociedade que estamos a construir em que a separação das diferentes confissões religiosas do Estado, pode ir a par com a cooperação na defesa e promoção da paz e na defesa dos direitos humanos.
Temos que analisar o que tem permitido o desenvolvimento de um saudável respeito e cooperação entre todas as principais confissões religiosas em Portugal depois do 25 de Abril e, ao mesmo tempo, tentar perceber o que o pode ameaçar para o impedir. Todos reconhecem a importância positiva que têm tido os líderes das diferentes comunidades religiosas na criação desta clima, mas, ao mesmo tempo, devemos continuar a criar redes de cooperação e instituições que assegurem que assim continue a ser, independentemente das convicções dos líderes. Não que possamos ignorar o factor humano. Há pessoas que de forma discreta, contribuem para este clima positivo. Esther Mucznik referiu uma delas o padre católico Peter Stilwell, mas sendo o respeito entre todos os seres humanos uma conquista sempre frágil e ameaçada pela banalidade do mal, vale a pena estudar a melhor forma de reforçar esse respeito, mesmo em momentos de desvario colectivo.
O ecumenismo e a tolerância é comparável ao que o grande poeta Jorge de Sena chamou "Uma pequenina luz" no seu livro de poemas Fidelidade, que tive o privilégio de ouvir recitar pelo próprio poeta, em 8 de Fevereiro de 1969 na. Associação Académica de Coimbra. Termina assim o poema: "...Uma pequenina luz bruxuleante e muda/como a exactidão como a firmeza/como a justiça./Apenas como elas./Mas brilha./Não na distância. Aqui./no meio de nós./Brilha”.
Temos de a proteger promovendo o conhecimento mútuo, o respeito e a cooperação entre todos os seres humanos, a liberdade religiosa e o diálogo inter-religioso, isolando os intolerantes, os xenófobos, os racistas, estando vigilantes a tentativas de infiltração de elementos radicais, aperfeiçoando os mecanismos de prevenção e combate ao terrorismo, e assegurando a maior eficácia possível dos serviços de informação.
Apesar de tudo isso não há garantias de que um atentado do tipo dos que se verificaram em Madrid ou em Londres não possa ocorrer em qualquer outro país europeu. Os nossos governos tudo farão para o evitar, mas há uma coisa que só cada um de nós poderá fazer, recusar haja o que houver, que o ódio, o medo e o mal levem a melhor e nos tornem as almas mais pequenas. É este o combate decisivo entre a democracia e os assassinos de cidadãos anónimos, que só se vence se não desistirmos de viver com serenidade seguindo o exemplo dos cidadãos londrinos.

domingo, julho 03, 2005

A EUROPA, O CRISTIANISMO E A TURQUIA

A União Europeia está num momento decisivo em que se questiona como nunca sobre o caminho a seguir. A crise do projecto de Tratado, que institui uma Constituição para a Europa, cruza-se com a crise das perspectivas financeiras e com as hesitações sobre o prosseguimento do alargamento, com especial incidência na questão da futura adesão da Turquia.
Neste contexto difícil, em que a vitória do «não» nos referendos francês e holandês libertaram sentimentos egoístas e xenófobos, é positivo que a Comissão Europeia tenha decidido manter o compromisso de abrir a negociações com vista a uma futura adesão da Turquia. O contexto actual exige, contudo, uma atitude de empenhamento acrescido na intervenção cívica por parte de todos os que entendem que essa adesão futura é do interesse da União Europeia. Não têm sido muitos os artigos inteligentes publicados na imprensa portuguesa sobre esta matéria e por isso recomendo a reflexão sobre “As fronteiras da Europa” do embaixador José Cutileiro na sua secção “O Mundo dos Outros” (Expresso, 25.6.2005).
Num mundo incerto e perigoso precisamos de ter dentro das nossas fronteiras uma Turquia herdeira do Ataturk num processo permanente de aproximação aos valores políticos da democracia, dos direitos humanos e do Estado de Direito. Não ignoramos nem o caminho já percorrido, nem o longo caminho que falta percorrer. Defendemos uma negociação exigente e rigorosa, mas somos contra qualquer tipo de discriminação que tenha exclusivamente como base o preconceito e o medo face ao seu peso demográfico ou ao facto de ser um país em que o islamismo é a religião dominante.
A União Europeia não pode ser um clube cristão, embora não deva silenciar o contributo que as diferentes confissões religiosas, com destaque para o cristianismo deram, ao lado e em conflito com outras correntes iluministas e laicas, para a formação do que são hoje as instituições e os valores democráticos, que caracterizam a União Europeia.
Há, aliás, um aspecto que como católico me é particularmente desagradável em alguns discursos que pretendem fundar na identidade cristã europeia a recusa da adesão turca, é uma certa degradação da mística em política e o facto de ignorarem que o catolicismo não é apenas uma religião europeia, mas por definição universal, não estando ligada a nenhuma forma particular de cultura, como ensina a Gaudium et Spes. Tudo isto é, aliás, coerentemente acompanhado pela desconfiança face às expressões culturais diferenciadas dos cristãos de outros continentes, que no mínimo são secundarizadas no quadro da Igreja Católica.
Mas como «Deus escreve certo por linhas tortas» não deixa de ser interessante verificar que os mais intensos e, ao que parece fraternos contactos de Bento XVI com os ortodoxos têm sido precisamente com os de Constantinopla, enquanto os de Moscovo se mantêm distantes.
A Turquia não é apenas um país islâmico, tem uma comunidade católica, com quatro ou cinco bispos, e o tradicional e muito respeitado Patriarcado Ortodoxo de Constantinopla. Além de ser historicamente um país em que o islamismo é a religião dominante, é simultaneamente um Estado laico, que defende essa laicidade da pressão dos grupos fundamentalistas que a pretendem pôr em causa.
A Turquia foi a fronteira oriental da Europa durante todo o período da Guerra Fria, o que se compreende dada a sua extensa fronteira com áreas estratégicas da então União Soviética. Hoje, é também a fronteira europeia com o Irão, o Iraque e a Síria.
A União Europeia é actualmente, mesmo depois dos alargamentos, uma pequena região do mundo em termos geográficos e demográficos, que se verá confrontada cada vez mais com a emergência de novos actores globais como a China e a Índia.
Vale a pena também reflectir na “Nota de rodapé “ do embaixador José Cutileiro, na já referida coluna do Expresso, a propósito do alargamento “Se os Balcãs ficarem de fora, tornarão a ser Balcãs mesmo. Na Sérvia, na Macedónia, na Croácia, na Bósnia, no Kosovo é o engodo da Europa que mantém as pistolas nos coldres e espadas embainhadas”.
Apenas posso testemunhar que quando no ano passado visitei a Bulgária, integrado numa delegação chefiada pelo então Presidente da Assembleia da República, Dr. Mota Amaral, foi também essa a conclusão que retirei dos contactos políticos efectuados.