No dia em que Bento XVI desembarcou na Turquia realizaram-se em Lisboa duas importantes iniciativas.
O Centro de Reflexão Cristão promoveu a segunda Conferência do Ciclo “Diálogos Sobre Jesus”, intitulada “Jesus Profeta do Islão”, que contou com uma assistência numerosa e interessada, que ouviu com agrado as intervenções do Prof. António Dias Farinha, da Dr.ª Faranaz Keshavjee e do Dr Artur Cunha de Oliveira, que foi moderada pelo Dr. Guilherme d’Oliveira Martins.
Ficou claro para todos o lugar de relevo que o Alcorão atribui a Jesus, filho Maria, Profeta, Verbo de Deus e Messias, concebido virginalmente por Maria, mas que não é Deus, não foi crucificado, nem morto, mas Deus elevou-o para Ele. O Alcorão e as tradições islâmicas têm afinidades com as narrativas sobre Jesus dos Evangelhos canónicos de Mateus, Marcos e Lucas, manifestando também ecos de Evangelhos apócrifos. Particularmente interessante, e diria mesmo perturbante, foi a intervenção e o testemunho da mais notável teóloga muçulmana portuguesa, da corrente xiita ismaili, Faranaz Keshavjee do seu encontro com o Jesus muçulmano.
No mesmo dia realizou-se outro encontro, promovido pela Paróquia de Nossa Senhora dos Navegantes, no Parque das Nações, em que se discutiu “O Islão no Ocidente”, com a participação do Padre Peter Stilwell, do imã da Mesquita de Lisboa, David Munir, muçulmano sunita, e de Faranaz Keshavjee.
A visita de Bento XVI à Turquia foi iniciada da melhor forma e viria a confirmar, ultrapassando as minhas previsões, feitas contra os profetas da desgraça, de que a visita iria correr bem e marcar o futuro da Igreja Católica nas suas relações com as Igrejas Ortodoxas e com o Islamismo, bem como as relações entre a Turquia e a União Europeia. Acertei porque confiei em Bento XVI e nos turcos e não fiquei desiludido.
Há pequenos gestos de Bento XVI que gostaria de sublinhar pela sua relevância: o facto de quer quando desembarcou, quer quando foi prestar homenagem a Ataturk não ter ostentado a cruz, no respeito pelos princípios da democracia laica turca e a forma como visitou a Mesquita Azul onde virado para Meca rezou a Deus, a quem todos cristãos, muçulmanos e judeus prestam culto. Como referiu o Mufti de Istambul, Mustafa Cagrici, «Ele fez prova de uma grande cortesia não fazendo o sinal da cruz no fim da oração e cruzando as mãos sobre o ventre como todos os muçulmanos durante a oração” (Público, 02-12-2006). Acrescente-se que durante a oração ostentou, com naturalidade, a cruz sobre o peito. A vida é feita de pequenos nadas, que muitas vezes são tudo.
Se a viagem de Bento XVI à Turquia abriu novos caminhos para uma descoberta mútua, um maior respeito e cooperação entre cristãos e muçulmanos, veio confirmar os que dentro da Igreja Católica se têm esforçado para promover o diálogo entre católicos e muçulmanos como tem acontecido entre nós através da acção, designadamente, do Padre Peter Stilwell, com o apoio do Cardeal Patriarca de Lisboa.
Contribuiu também para que a importância estratégica de que se reveste a futura adesão da Turquia à União Europeia seja compreendida pelos cidadãos europeus.
A notável entrevista que D. José Policarpo deu ontem ao jornal “Público” merece ser lida e meditada. É justo dizer que a entrevista foi realizada com a inteligência e o rigor que caracterizam o jornalista António Marujo. Gostaria de sublinhar, para além da importância que atribui à futura adesão da Turquia à União Europeia, a valorização que faz dos dinamismos no interior do Islão a que importa estar atento, referindo três grandes movimentos: o desenvolvimento da mística; a expressão social da fé islâmica; o movimento da dignidade e da promoção da mulher. Três movimentos profundos no interior do islamismo, de que fala com conhecimento de causa e que são ignorados pela informação superficial que alimenta o preconceito contra os muçulmanos.
Esta semana com tudo o que de positivo trouxe não resolveu magicamente as questões e as tensões acumuladas ao longo da história entre cristãos e muçulmanos, entre muçulmanos e cristãos. Mas esta semana permite alimentar a esperança de novos dinamismos ente o cristianismo e o islamismo. Como afirmou D. José Policarpo na citada entrevista: «…o Islão também tem convergências [com o Cristianismo]. Se um dia for possível ao Islão unir-se com o Cristianismo num projecto de civilização as convergências virão ao de cima. O diálogo é difícil estamos a começar, o conceito de racionalidade é diferente. Mas há fenómenos importantes dentro do Islão…».
Vivemos um momento raro de diálogo e respeito mútuo, que há que prosseguir, sem ignorar que este diálogo tem muitos inimigos, que preferem o confronto e que tudo farão para lhe colocar obstáculos.
Depois desta semana, por maiores que venham a ser as dificuldades temos o dever de prosseguir. Sabemos que outro mundo melhor, e menos perigoso do que aquele em que vivemos, é possível.
domingo, dezembro 03, 2006
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