domingo, dezembro 31, 2006

CIÊNCIA, RELIGIÃO E BIOÉTICA

O livro recentemente publicado por Miguel Oliveira da Silva sobre “Ciência, Religião e Bioética, no início da vida”, Editorial Caminho, 2006, é extremamente interessante e afasta-se das tradicionais dicotomias que paralisam actualmente a reflexão bioética.
Como refere, Miguel Oliveira e Silva «Para os defensores da bioética dicotómica, a verdade e as certezas são objectivas, tudo resultando dedutivamente de dois antagónicos e primevos mundos e modos de pensar».
Este extremar de posições é particularmente claro nos debates sobre o aborto entre os partidários «vida» e os da «escolha», que tendem a não ouvir os argumentos pertinentes de qualquer dos campos em confronto. Sobre o aborto, Miguel Oliveira e Silva é autor, aliás, de um livro fundamental para seguir de forma informada o debate em curso a propósito do referendo «Sete Teses Sobre o Aborto», Editorial Caminho, 2005.
Miguel Oliveira da Silva faz uma abordagem problematizante dos discursos e abordagens fechadas sobre questões de actualidade em matéria bioética, abordando questões como o estatuto do embrião e a dignidade da pessoa humana, a lei da procriação assistida, o diagnóstico genético pré-implantatório, as células estaminais e clonagem.
A sua reflexão beneficia do facto de ser obstetra-ginecologista no Hospital de Santa Maria, de ter para de ter doutoramento em Medicina e licenciatura em Filosofia, de pertencer desde 2003 ao Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida, por eleição parlamentar. Tem também uma grande cultura teológica católica, tendo o seu último livro beneficiado das sugestões e apoios de dois teólogos, o Prof. Anselmo Borges e de Frei Mateus Peres. Tudo isto permite-lhe perceber que «…, por muito que isso custe aos paladinos de coerência dedutiva a partir de intocáveis valores e princípios, em Bioética pode perfilhar-se e defender, em situações distintas, posições existentes em diferentes Weltanschauung, em diferentes concepções do mundo».
O facto de não partilhar todos os pontos de vida defendidos pelo autor, não me impede de considerar muito importante a edição destes seus livros que representam um sério e corajoso esforço de pensar a complexidade dos desafios éticos e jurídicos que nos coloca o prodigioso desenvolvimento das ciências da vida. Só através do livre confronto de pontos de vista, sem apriorismos nem preconceitos, que ultrapasse a bioética dicotómica. Há que ter em conta na procura de respostas que sejam o mais adequadas possíveis não apenas valores como a defesa da vida ou da livre escolha, mas também valores como a responsabilidade e a compaixão, que etimologicamente significa partilha do sofrimento alheio.
A referência à “Religião” no título do seu último livro não é abusiva, porque Miguel Oliveira da Silva faz uma abordagem invulgarmente detalhada da evolução não só do ensinamento oficial da Igreja Católica sobre as matérias abordadas, mas também da história da controvérsia teológica que o tem acompanhado, questionando várias dessas tomadas de posição. Fá-lo em nome próprio o que é muito importante para que outros sigam o seu exemplo e se habituem a pensar pela sua própria cabeça e a assumir as suas próprias responsabilidades éticas.
Espero que este(s ) livro(s) inspirem os debates em curso designadamente o do referendo sobre o aborto e despertem nos ensaios e estudos sobre as questões bioéticas abordadas.

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