domingo, julho 29, 2007

OS CIDADÃOS DA CPLP TÊM DIREITOS E QUEREM PARTICIPAR



Na passada semana foi lançado, em Lisboa, um livro evocativo dos dez anos da CPLP- Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, criada em 17 de Julho de 1996, por decisão da Conferência de Chefes de Estado e de Governo então realizada, em Lisboa.
A criação da CPLP foi o ponto de chegada de um conjunto diversificado de iniciativas culturais, políticas e diplomáticas, que teve um marco significativo no primeiro encontro de Chefes de Estado e de Governo, realizado em Novembro de 1998, em São Luís do Maranhão (Brasil), a convite do Presidente do Brasil José Sarney, e no qual se decidiu avançar para a criação do IIPL (Instituto Internacional da Língua Portuguesa). Tenho dado o meu contributo como cidadão, agente político e estudioso para a consolidação desta Comunidade, não quero deixar passar este momento sem felicitar o Secretariado Executivo pelo trabalho sério de consolidação e de aprofundamento deste projecto. Mas, simultaneamente quero manifestar a minha insatisfação relativamente à necessidade de envolver mais activamente os cidadãos.
A CPLP não pode ser apenas uma Comunidade de Estados tem de ser cada vez mais uma Comunidade de Cidadãos.
A prova mais clara da ratificação deste projecto pelos Povos e Cidadãos da CPLP é a permanente realização de iniciativas transnacionais nas mais diversas áreas sociais, culturais e profissionais, que visam consolidar dimensões desta Comunidade e são da exclusiva iniciativa dos cidadãos e não o resultado de qualquer orientação dos órgãos da CPLP, que nascem de baixo para cima e não de cima para baixo.
A primeira condição prévia para que assim suceda é informar cada vez mais e melhor os cidadãos dos Estados-Membros das iniciativas que estão em agenda ou já foram concretizadas.
A CPLP já dispõe, actualmente, de um sítio na Rede que é um instrumento de informação e de trabalho que considero útil. Foi também positiva a divulgação de um jornal informativo, distribuído com o Courrier Internacional, embora devesse também ser difundido com os jornais de maior circulação em todos os Estados-Membros.
O lançamento de livros, folhetos informativos é positivo, mas dever-se-á usar mais e melhor a Rede. Foi uma boa iniciativa possibilitar aqui a possibilidade de se enviar o email para passar a receber informações, mas podem ser exploradas outras iniciativas. Poder-se-ia, por exemplo, criar um blogue de blogues no qual se fossem fazendo ligações para textos sobre e o desenvolvimento da CPLP, que fossem publicados nos diferentes Estados-Membros.
Ao contrário, por exemplo da União Europeia, esta Comunidade, começou pela cultura, e a sua ligação aos cidadãos não se fez através da concessão de subsídios e fundos, pese embora a dimensão de cooperação que também nela existe.
Em contrapartida, faz todo o sentido que a sua existência represente acréscimos de cidadania para os cidadãos dos Estados-Membros que a compõem.
Como se inscreveu na Declaração Constitutiva, considera-se imperativo: «Contribuir para o reforço dos laços humanos, a solidariedade e a fraternidade entre todos os povos que têm a Língua Portuguesa como um dos fundamentos da sua identidade específica e, nesse sentido, promover medidas que facilitem a circulação dos cidadãos dos Países Membros no Espaço da CPLP».
Alguns acordos foram já aprovados e estão em vigor como se pode ver aqui, mas é fundamental prosseguir com determinação os trabalhos do Grupo de Trabalho alargado sobre Cidadania e Circulação e aprovar a Convenção Quadro Relativa ao Estatuto do Cidadão da CPLP.
Para reforçar a participação dos cidadãos é fundamental consolidar a dinâmica de cooperação interparlamentar, através da institucionalização como órgão da CPLP de uma Assembleia Parlamentar, junto da qual fosse reconhecido o direito de petição com um âmbito a definir. Esta seria a melhor forma de dar sequência ao objectivo inscrito na Declaração Constitutiva de: «Estimular o desenvolvimento de acções de cooperação interparlamentar».
São sugestões de medidas possíveis e exequíveis que permitiriam tornar este décimo aniversário num novo ponto de partida, para bem dos Estados e, sobretudo, dos cidadãos da CPLP.

domingo, julho 22, 2007

SOPHIA DE MELLO BREYNER / MARIA BETHÂNIA

Sophia de Mello Breyner Andresen foi para mim a descoberta deslumbrada da poesia quando ainda era um jovem estudante do liceu e desde então tornou-se uma presença poética permanente. Mais tarde li com entusiasmos a sua prosa, com destaque para os “Contos Exemplares”.
Sophia foi uma cidadã exemplar, de matriz cristã, que se bateu com frontalidade contra o salazarismo e que lutou depois por um socialismo em liberdade. Mas o que mais me maravilhou sempre foi a sua qualidade humana e a sua condição de poeta, que partindo da procura de «uma relação justa com a pedra, com a árvore, com o rio, é necessariamente levado, pelo espírito de verdade que o anima a procurar uma relação justa com o homem» (Posfácio, Livro VI; Moraes Editores, 5.º edição, 1976).
Sabendo que vivia «num sítio tão frágil como o mundo», «onde tudo nos quebra e emudece/onde tudo nos mente e nos separa»; como diz no poema cantado por Maria Bethânia, Sophia exprimiu sempre a sua confiança no progresso das coisas, num sentido positivo para a vida, acreditou sempre que era possível transformar o Caos em Cosmos e os momentos intensos que lhe foram dado viver faziam com que tivesse agradecido a Deus por existir.
Não esquecerei a sua morte e a presença do seu corpo na Igreja da Graça, uma Igreja belíssima, em cujo altar esquerdo estão os Santos negros, que a Irmandade dos Homens Negros de Nossa Senhora do Rosário tanto contribuiu para divulgar, e cuja memória é necessário avivar, uma Igreja que fica tão perto da Travessa das Mónicas onde vivia.
Fez no passado dia 2 de Julho, três anos, que Sophia morreu, mas a sua poesia permanece bem viva.
Para assinalar a data foi publicado um conjunto de setenta poemas e textos num volume intitulado «A Sophia homenagem a Sophia de Mello Breyner Andresen», organizado pelo PEN Clube Português e editado pela Caminho.
Com excepção de Yao Jingming, todos os textos são assinados por escritores e poetas portugueses. Foi uma sentida homenagem com poemas de textos de qualidade e com dois interessantes ensaios, um de Manuel Gusmão, outro de Maria João Reynaud.
Mais expressiva e atingindo milhões de pessoas foi a homenagem que lhe prestou essa extraordinária cantora brasileira, Maria Bethânia, com um novo e extraordinário disco “Mar de Sophia”.
É um convite para vibrarmos com a beleza da sua música, que simultaneamente nos convida a descobrirmos uma poesia luminosa e fraternal, de que a sombra não está ausente.
Maria Bethânia neste seu disco conjuga textos de Sophia com letras de canções em que a inspiração da cultura negra brasileira, como em o “Canto de Oxum” de Toquinho e Vinicius de Morais, se mistura com outras que mergulham na poesia de matriz portuguesa, ou são mesmo portuguesas, como o fado “O marujo português” de Linhares Barbosa e Artur Ribeiro.
Este disco constrói-se a partir de diversas referências culturais e simbólicas, costurando a procelária e o pirata do mar de Sophia com a evocação de Oxum e Oiá, criando uma unidade que as reúne, o que só é possível fazer com cultura, talento e gosto.
Este trabalho foi dedicado significativamente por Maria Bethânia «ao meu querido amigo» António Alçada Baptista.
Maria Bethânia tem cantado outros poetas portugueses como Fernando Pessoa e Manuel Alegre.
Começa a existir felizmente reciprocidade e não são apenas os brasileiros a descobrir e divulgar poetas e músicos portugueses, mas também grandes cantoras portuguesas como Maria João e Teresa Salgueiro a cantar canções brasileiras, num percurso de que foi pioneira Eugénia Melo e Castro.
A Língua Portuguesa une cada vez mais portugueses e brasileiros e africanos lusófonos, permitindo um novo achamento mútuo e a partilha das emoções e existe um cada vez maior número de cidadãos, para quem independentemente do passaporte, a Pátria é a Língua Portuguesa, que nos é comum.
Vamos ouvir, uma vez mais, “Mar de Sophia” de Maria Bethânia e ver como as une a paixão pelo mar. O disco inicia-se, aliás, de forma significativa, com o “Canto de Oxum” que traduz a ligação entre cultos religiosos de origem africana e o mar, e com a “Inscrição” de Sophia: «Quando eu morrer voltarei para buscar/os instantes que não vivi junto do mar».

domingo, julho 15, 2007

FESTA DA DIVERSIDADE

Afirmar que há um lugar para todos foi o objectivo central da Festa da Diversidade, que teve lugar este fim-de-semana, no Terreiro do Paço, em Lisboa.
A Festa teve uma maior participação e um maior envolvimento do Governo e da União Europeia, relativamente aos seis anos anteriores em que a Rede Europeia Anti-Racista e o SOS Racismo tiveram um papel determinante na sua organização.
O facto deste ser o Ano Europeu para a Igualdade de Oportunidades levou naturalmente à sua inserção no conjunto das actividades programadas para o comemorar, como se pode ver aqui.
A União Europeia esteve representada pelo Camião Europeu da Diversidade que passou por Lisboa e esteve estacionado no Terreiro do Paço, que pretende ser um meio imaginativo para promover uma sociedade mais justa, fundada no reconhecimento do direito à igualdade de oportunidades, combatendo toda e qualquer discriminação fundada no sexo, raça ou origem étnica, religião ou crenças, deficiência ou orientação sexual.
A Feira assentou na presença de organizações não-governamentais, mas também na música, no teatro, na gastronomia, no artesanato, em debates e dança,
É positivo que a Câmara Municipal de Lisboa tenha disponibilizado um espaço tão rico de significado como o Terreiro do Paço para a sua realização contribuindo para dar visibilidade à diversidade e ao cosmopolitismo que caracterizam Lisboa cada vez mais. Não é preciso ir à Feira para o constatar, basta andar na ruas e, sobretudo, viajar nos transportes públicos, que são hoje os espaços por excelência de diálogo intercultural da cidade.
As setenta e seis associações representadas são bem demonstrativas da diversidade que existe na cidade. A Feira é uma janela de oportunidade, aproveitada por associações do mais diverso tipo, que não são necessariamente as mais significativas em cada área, mas sim aquelas que entendem que é útil estar presente. É também um espaço de publicidade institucional, onde estão presentes: o Instituto do Emprego e da Formação Profissional, o Instituto Português da Juventude, a Santa Casa da Misericórdia e Lisboa, ao lado de organizações não-governamentais críticas como a ATTAC-Portugal, a Plataforma artigo 65, Colectivo Múmia Abu-Jamal.
Algumas (poucas) Associações de imigrantes como a Casa do Brasil, Associação Sabor-Ucranianos em Portugal, Casa de Moçambique, a Associação de Cubanos Residentes em Portugal, a Solidariedade Imigrante e poucas associações religiosas, a saber, Comunidade Bahá’i de Portugal, a União Budista Portuguesa, coexistiram com uma multiplicidade de associações que visam prevenir, combater os mais diversos tipos de discriminação ou promover uma cultura de intervenção como o Chapitô ou o Teatro do Oprimido.
Para além de Associações presentes desde sempre como o SOS Racismo, ou o Olho Vivo, de organizações como a UMAR ou a associação de Mulheres Contra a Violência, que combatem a discriminação das mulheres, ou da Fundação AMI ou os Médicos do Mundo, verifica-se uma significativa presença de organizações que visam combater a discriminação em função da orientação sexual, como a Opus Gay, a ILGA ou as Panteras Rosas, ao lado de uma associação de apoio às grávidas como a Ajuda de Mãe, Associação de solidariedade social.
Muito significativa foi a presença de organizações ligadas a determinados problemas de saúde ou tipo de deficiência. Sem querer ser exaustivo, refiro, por exemplo: a APPACDM, ligada aos cidadãos deficientes mentais, a APPDAutistas, a Associação de Apoio aos Doentes Depressivos e Bipolares, a Associação dos Deficientes da Forças Armadas, a Associação Promotora de Emprego de Deficientes Visuais, a CERCI de Portalegre ou o Grupo de Jovens da Associação Paralisia Cerebral de Viseu.
A enorme variedade de objectivos das associações presentes não é isenta de contradições e de alguns equívocos.
Ao comentar uma intervenção do Teatro do Oprimido um destacado dirigente de uma associação anti-racista, sublinhou a necessidade de perceber o que é específico nos diferentes tipos de discriminação. O racismo é uma realidade, diferente da homofobia, ou do machismo.
Penso que tinha razão, perceber as diferenças de que se revestem as discriminações, é condição necessária para uma maior eficácia no assegurar a igualdade de oportunidades para todos.
Todas as Festas da Diversidade ganhavam em sublinhar que, como se afirma no artigo 1º da Declaração Universal dos Direitos Humanos: «Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos. Dotados de razão e de consciência devem agir uns para com os outros em espírito de fraternidade».
Foi assim que tudo começou.

domingo, julho 08, 2007

A POBREZA - NEGAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS FUNDAMENTAIS

A pobreza constitui uma grave negação dos direitos humanos fundamentais e das condições necessárias ao exercício da cidadania. É com esta afirmação clara que começa a petição à Assembleia da República da iniciativa da CNJL (Comissão Nacional Justiça e Paz), cujo texto podem ler aqui.
Os signatários desta petição consideram que a negação dos direitos humanos fundamentais que a pobreza representa é eticamente condenável, politicamente inaceitável e cientificamente injustificável.
Pierre Sané, subdirector-geral da UNESCO, defendeu recentemente, na Conferência “Desenvolvimento global e solidário: que lugar para a cidadania”, promovida pela CNJP, que a pobreza é uma questão de direitos humanos. Afirmou que «hoje no mundo existe o suficiente para assegurar que todos possam viver uma vida com dignidade», como se pode ler aqui, e acrescentou ser necessária uma partilha mais justa, que encontra obstáculos para se concretizar na «falta de redistribuição adequada, nas políticas económicas injustas e na falta de solidariedade nos países e entre os países».
Recorde-se que Pierre Sané, foi apresentado por Alfredo Bruto da Costa, que sublinhou a importância deste tipo de análise para os trabalhos sobre a pobreza e exclusão que tem desenvolvido.
Manuela Silva, a actual presidente da CNJP, e Alfredo Bruto da Costa têm-se empenhado no combate à pobreza e na luta pela inclusão e a cidadania para todos.
Na petição, solicita-se à Assembleia da República que: «reconheça a pobreza como uma violação grave dos direitos humanos; estabeleça um limiar oficial de pobreza, em função do rendimento nacional e das condições de vida padrão na nossa sociedade, que sirva de referência obrigatória à definição e avaliação das políticas públicas de erradicação da pobreza bem como à fixação das prestações sociais; crie um mecanismo parlamentar de observação e acompanhamento das políticas públicas, seus objectivos e instrumentos, no que respeita aos seus impactos sobre a pobreza, e que o mesmo esteja habilitado ao exercício de uma advocacia colectiva em favor dos pobres; proceda, anualmente, a uma avaliação da situação da pobreza no nosso país e do progresso feito na sua erradicação.»
Todos sabemos que os esforços realizados no combate à pobreza e à exclusão durante os governos de António Guterres não prosseguiram e que a implementação das medidas propostas no Plano Nacional para a Inclusão (PNAI) 2003-2005, ficou comprometida com a sua saída do governo.
Valerá a pena, ter em conta ao traçarmos novos objectivos no combate à pobreza uma rigorosa avaliação da nova geração de políticas sociais então definidas, da forma como foram implementadas e dos resultados práticos alcançados.
O que está em causa é que a pobreza afecta cerca um quinto da população residente em Portugal, e por isso não se resolve apenas com sobras ou gestos de generosidade esporádica.
Isto não significa que não mereçam todo o apoio e simpatia os que procuram combater diariamente a fome de muitos, como o Banco Alimentar contra a Fome, ou os que promovem acções de solidariedade espontânea. Todas essas acções e todos os que as promovem são imprescindíveis.
A pobreza e a exclusão têm, contudo, causas estruturais, como se afirma na petição, e por isso exigem políticas públicas para as erradicar, que só não existem pelo facto de sermos cidadãos passivos que não dizemos com clareza aos poderes públicos que a existência da pobreza é intolerável e que tem de ser erradicada.
Ter o mínimo indispensável a uma existência condigna é um direito humano fundamental, que tem de ser assegurado a todos os cidadãos e cidadãs sem qualquer discriminação.
Manifestamos desde já a nossa adesão a esta petição e este blogue está disponível para contribuir, dentro das suas possibilidades, para o desenvolvimento de um movimento de opinião que exija políticas públicas mais eficazes de erradicação da pobreza, sem deixar de incentivar o contributo da sociedade civil para alcançar este objectivo.

domingo, julho 01, 2007

MIA COUTO - ATENÇÃO ÀS PESSOAS

Sempre tive um grande interesse pela obra de Mia Couto e pela sua profunda sensibilidade que se alimenta de uma escuta atenta às pessoas diversas que fazem a riqueza humana e cultural de Moçambique. O seu olhar sobre as pessoas toca-me profundamente. Gostei, especialmente, de “A Varanda de Frangipani”.
A atribuição do Prémio da União Latina de Literaturas Românicas, em 16 de Abril de 2007, a Mia Couto chamou a atenção dos grandes meios de comunicação social portugueses sobre sua obra. Tudo isto acontece quando está em cena no Teatro Nacional D. Maria II a peça “Vinte e Zinco”, de sua autoria.
Mia Couto recusa-se a classificar as pessoas em categorias que as dividem artificialmente. Um livro que devia fazer parte da educação humana de qualquer cidadão é “Cada Homem é uma Raça”, no qual escreveu: «Toda a pessoa é uma humanidade individual, cada homem é uma raça».
Foi por isso que intencionalmente citei essa frase deste livro ao terminar a intervenção que em nome de Portugal fiz na “Conferência Mundial contra o Racismo, a Discriminação Racial, a Xenofobia, e a Intolerância”, que teve lugar em Durban, em 2001.
Mia Couto é também, como referiu o júri da União Latina ao justificar a atribuição do prémio, um escritor «de uma euforia vocabular que vem influenciando escritores mais jovens em todo o espaço da língua portuguesa».
A euforia vocabular não é exclusiva de Mia Couto; outros escritores de língua portuguesa, como o brasileiro João Guimarães Rosa, ou como a portuguesa Maria Velho da Costa, ou o angolano José Luandino Vieira, cultivaram a euforia vocabular de outras formas, mas é justo realçar a sua influência em escritores mais jovens.
Mia Couto tem cultivado com mestria o conto dando tratamento literário à fala popular moçambicana sendo, como afirmou o júri «um extraordinário contador de estórias na mais pura tradição africana».
A atribuição de prémio a Mia Couto foi também justificada pelo júri pela vontade de «reconhecer e premiar a participação dos africanos de língua portuguesa e em particular dos moçambicanos, na revitalização desse idioma». O júri sublinhou ainda que: «De instrumento de dominação colonial, o português transformou-se ao longo das últimas três décadas, numa ponte de afectos e num importante factor de unidade nacional, em países, como Angola e Moçambique com muitas línguas e etnias».
É muito significativo que o prémio lhe tenha sido atribuído em Roma por um júri, com grande diversidade linguística, composto por: Vincenzo Consolo (Itália); Gabriela Adamesteanu (Roménia), José Eduardo Agualusa (Angola); Santiago Gambôa (Colômbia), Lídia Jorge (Portugal), Joan Francesc Mira (Espanha-língua catalã), Tierno Monénembo (Guiné), Rosa Montero (Espanha) e Jean Noel Pancrazi (França).
Uma parte do montante do prémio é destinado a apoiar a tradução do autor em línguas latinas em que não está ainda publicado.
Mia Couto é o exemplo de um escritor que utiliza com invulgar mestria a língua portuguesa e que por isso mesmo não pode ser apenas rotulado de escritor moçambicano. Um homem atento, dotado de humildade na escuta dos outros, que escreve: «A pessoa deve sair do mundo tal igual como nasceu, enrolada em poupança de tamanho», (in “A varanda de Frangipani”, Caminho, p.160).
Para os que ainda não perceberam que o português só será uma língua com futuro se souber incorporar toda a riqueza da diversidade dos seus falantes e escritores nos diferentes continentes. Faz mais sentido falar hoje de literatura de língua portuguesa, do que apenas de literatura portuguesa.
Ainda bem que assim é.