Sara Tavares é uma das mais lindas vozes femininas da música que se faz em Portugal, ao lado da de Mariza ou de Teresa Salgueiro. Recomendo aos que ainda a não ouviram cantar ao vivo que ouçam “Mi, Ma, Bô” e “Balancê”.
A sua carreira tem tido diversas vias, não tem seguido uma linha recta, mas isso não a diminui. Diria que tem ousado avançar e percorrer novos trilhos na procura de uma voz cada vez mais pessoal. Sara Tavares é uma mulher atenta e livre que procura uma relação justa com os outros, hesita, experimenta, corrige, continua a ser uma pessoa em construção.
Sara Tavares deu à “Única” do “Expresso” de 17 de Março do 2007, uma entrevista a Ana Soromenho, extremamente interessante, que é um elemento importante para conhecer melhor a forma de sentir e de pensar de muitos jovens portugueses com raízes africanas, de que irei citar alguns extractos.
Já tive oportunidade de me referir aqui “ao tropicalismo mestiço” que se manifesta a nível musical e no qual incluo Sara Tavares, que contribui para fazer de Portugal, um país plural ou aos “portugueses globais”de que nos fala Faíza Hayat. Todos estão a contribuir para tornar Portugal uma Nação mais cosmopolita.
Sara Tavares, ao falar de si com simplicidade e franqueza, deixou-nos observações pertinentes e elementos que questionam a forma como, por preguiça, se continua a pensar o lugar destas novas gerações.
Categorias como “segundas e terceiras gerações”, que ainda se usam entre nós, são manifestamente inadequadas para designar estas novas gerações.
Sara Tavares fala com esta franqueza: «…sou africana de Lisboa. …A gente anda ali com os nossos ténis Nike e o nosso computador a navegar pelo mundo, e eu, como música, quero fazer parte da minha geração. É verdade que no meu trabalho existem as raízes e essa coisa da identidade. Mas também sou uma pessoa assumidamente cosmopolita e quero olhar para a frente. A mim interessa-me fazer o “crossover”».
Acrescenta: «…uso simultaneamente o meu crioulo e o meu calão português. O que afirmo é a minha identidade mestiça.»
Sara Tavares coloca questões que se colocam aos jovens desta geração, mas também aos estudiosos e aos agentes políticos mais atentos: «Sinto que a minha geração está no limbo sem referências. Em Portugal, os miúdos africanos ou estão muito agarrados àquela coisa do hip hop ou então aquela coisa da saudade. Arriscam pouco a fazer algo de verdadeiramente nosso. Ainda se vive uma mentalidade pós-colonialista. Gostaria de devolver às pessoas da minha geração a consciência da sua identidade».
O que Sara Tavares diz é algo que tem um “sentido político” como sublinha, lucidamente, a entrevistadora, Ana Soromenho.
Diria que para que esta nova geração possa construir algo de totalmente seu, terá de ser totalmente livre, de ser pós pós-colonialista.
As gerações são construídas por pessoas com desiguais oportunidades e diferentes circunstâncias e é por isso natural que construam identidades pessoais cada vez mais diversificadas para além do que as possa aglutinar.
O facto de Sara Tavares ser cristã tem contribuído para que seja uma mulher livre. No seu processo de construção esse facto teve uma importância decisiva. Como refere: «Retomei a minha espiritualidade. Descobri que o mais importante é ter uma independência em relação ao lugar, ou à conjuntura com a qual nascemos. Seja ela regional ou cultural. Nessa altura comecei a resistir a ser chamada pelas raízes, que é uma coisa extremamente saudosista …».
A entrevista de Sara Tavares é uma entrevista corajosa, porque ela disse o que pensa, com naturalidade, e sem a preocupação de repetir palavras já ditas. Este é o primeiro gesto de cidadania, tomar a palavra e dizer o que se pensa.
Sara Tavares é, por tudo isto, não apenas uma cantora/compositora, que dará um contributo importante para a música, que se faz em Portugal, mas é também uma voz livre, uma cidadã atenta, cujas palavras merecem reflexão.
domingo, março 25, 2007
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