domingo, setembro 05, 2010

SARKOZY EXPULSA CIDADÃOS EUROPEUS

Quando o mal surge, as causas parecem sempre razoáveis. Mas se é fácil entender o horror da perseguição aos judeus, que dizer, hoje, das perseguições aos ciganos?
Esta questão colocada por Henrique Monteiro no Expresso aqui a propósito das expulsões colectivas de ciganos romenos e búlgaros por iniciativa de Sarkozy está directamente ligada ao modelo de sociedade que queremos construir na União Europeia.
O que tem de novo a atitude do governo francês relativamente a medidas idênticas, mas de menor dimensão, e de forma envergonhada, tomadas por outros países da União Europeia é o facto da França pretender transformar estas práticas discriminatórias e racistas em “boas práticas” a serem seguidas por outros Estados, a tornar-se direito da União Europeia.
Segundo o Público aqui, no ano passado foram expulsos 11 mil ciganos de França e desde Julho pelo menos mil ciganos foram forçados a regressar à Roménia e à Bulgária. Sarkozy tem também defendido a retirada da nacionalidade francesa a cidadãos de origem estrangeira, que a adquiriram, que designa como “certos elementos criminosos de origem estrangeira”.
São medidas que violam frontalmente os direitos humanos, ilegais face à própria legislação francesa, como foi decidido por tribunais franceses, e que devem ser consideradas como violando o direito da União Europeia em matéria de livre circulação e de não-discriminação.
O que a França está a fazer são expulsões colectivas de cidadãos da União Europeia, para já romenos e búlgaros.
Os ciganos romenos, ou búlgaros, independentemente de serem considerados com a sua diversidade cultural, como integrando uma minoria nacional, com características culturais próprias, são cidadãos romenos e búlgaros.
A União Europeia não pode deixar de considerar que a França está a expulsar colectivamente cidadãos da União Europeia.
A França para não ficar isolada tem procurado consagrar as suas posições a nível da União Europeia e conseguiu já o apoio da Itália disposta a seguir o seu mau exemplo, pese embora a dificuldade resultante do facto de alguns que pretende expulsar, serem já cidadãos italianos.
Na estratégia a seguir contra as políticas racistas e xenófobas, não devemos esquecer que quando os nazis preparavam o Holocausto, começaram por privar de cidadania os judeus e os ciganos.
Deixar que esta questão se transforme num debate sobre as diferenças culturais e sobre minorias, em vez de sublinharmos que estamos perante expulsões colectivas de cidadãos comunitários, é a meu ver enquadrar mal a luta contra as novas vagas de medidas anti-imigrantes, que alguns governos pretendem promover face à crise e ao aumento de desemprego.
Nesta matéria, não podemos subestimar a inteligência de Sarkozy, que levou já no passado recente os governos europeus a aprovar legislação violadora dos direitos humanos como a Directiva Retorno, que denunciámos aqui e aqui.
Todas as manifestações que em França, e em Portugal, que o Público refere aqui e aqui e noutros países têm condenado as políticas racistas e xenófobas de Sarkozy nesta matéria são uma reacção salutar, que merece ser apoiada, mas esta questão está longe de estar resolvida. É muito importante que, quer a Igreja Católica, a nível do próprio Papa Bento XVI, quer as organizações defensoras dos direitos humanos, como a FIDH e a AEDH, e anti-racistas se mobilizem para esta batalha.
Nada nos garante que a situação não se agrave a nível europeu, envenenando o relacionamento entre ciganos e não-ciganos, imigrantes ou outras minorias, nos diferentes países.
Nos diferentes países europeus existe ainda muito a fazer, com a máxima urgência e determinação, para assegurar a cidadania plena dos cidadãos ciganos desses países. São vários os motivos sérios de preocupação. Os problemas de inclusão dos ciganos nos diferentes países nos últimos processos de adesão foi subestimada e analisada com ligeireza. Assistiu-se em silêncio à retirada da cidadania a cidadãos ciganos com pretexto na divisão territorial de Estados europeus. Permitiu-se que alguns países europeus se desresponsabilizassem da obrigação de assegurar a cidadania plena aos seus concidadãos ciganos procurando externalizar esta questão para outros países.
Não é solução pretender transformar sistematicamente em problemas europeus, as questões nacionais que exigem mais coragem e determinação para ser solucionadas, até porque a experiência demonstra que as respostas construídas a nível europeu não são necessariamente as melhores.
As políticas sobre a cidadania dos Ciganos, Roma e Sinti, nos diferentes países europeus oscilam entre o paternalismo e a repressão racista, entre afirmações multicultaristas radicais e inconsequentes e o assimilacionismo mais intransigente.
Entre estas soluções há espaço para construir sociedades que articulem, de forma inovadora, cidadania e diversidade, em que seja garantida a todos, cidadania plena, o que significa que não haja para ninguém direitos sem deveres, nem deveres sem direitos, em que sejam banidas as expulsões e as perdas de nacionalidade.

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