Neste clima propício para reflectir sobre o que nos faz correr, numa altura em que os cristãos evocam a morte e ressurreição de Jesus Cristo, fundamento da nossa esperança, recordei-me de um homem bom, Aristides de Sousa Mendes.
Fui influenciado por estas palavras escritas por Frei Bento Domingues: «O católico Aristides de Sousa Mendes (1885-1954) soube fazer do Consulado de Bordéus, contra as ordens de Salazar, a Páscoa, a passagem de judeus e não judeus para a liberdade. Este português, que arriscou e perdeu tudo por fidelidade à sua consciência, tinha a sua raiz em Cristo e trabalhava para a Europa do futuro» (Semana Santa e “Europa mundo”, Público, 1/04/2007).
A Vigília Pascal ao evocar a criação do mundo e vários momentos da ligação de Deus com a humanidade culminando na morte e ressurreição de Cristo, tem leituras que são obrigatoriamente incluídas como é o caso da libertação do povo hebreu do cativeiro do Egipto. Nenhum cristão pode ignorar o laço que nos liga à fé do povo hebreu, testemunhada no que designamos por Antigo Testamento. Espiritualmente somos todos semitas. Este facto instaura uma ruptura radical entre qualquer cristão, conservador ou progressista, de direita, de centro ou de esquerda, em relação ao racismo e ao anti-semitismo.
Um aspecto que me toca profundamente em Aristides de Sousa Mendes é o facto de ser uma pessoa comum, com as suas qualidades e defeitos, que se viu confrontado com o dilema: obedecer a Salazar, preservando o seu estatuto de diplomata e o bem estar da sua família numerosa, deixando que milhares de pessoas perseguidas caíssem nas mãos do nazismo, ou desobedecer e arcar com as consequências. Não deve ter sido uma opção fácil, mas não há dúvida que a sua consciência cristã o obrigou a fazer o que tinha de fazer.
Os judeus não o esqueceram. Ele é o único português distinguido como “Gentio Honrado” pelo Museu Yad Vashem de Israel.
O historiador americano Douglas I. Wheeler considerou-o um herói da consciência que não teve dúvidas sobre a resposta a dar, nos dias difíceis da II Guerra Mundial e do Holocausto à interrogação bíblica: “E quem é o meu próximo?”.
A barbárie nunca está definitivamente superada e temos, por isso, de nos manter espiritual e intelectualmente vigilantes, honrando os que nos ajudam a ser melhores, nos alargam os horizontes, e não os que nos tornam as almas mais pequenas.
Acreditamos também que, como escreveu Bernard Henry Levy que «se existe na história o que foi designado como uma “banalidade do mal” (essa pura mecânica do crime, executada por agentes que se comportavam como funcionários ou “robots”) existe também uma espécie de “banalidade do bem”, essa outra tentação que a contraria ao longo das épocas e nunca acaba também ela de se exercer, que permite que por vezes se resista e faz, com que, no fundo, a partida nunca esteja totalmente perdida» (Público, 19/11/1995).
É um facto que Aristides de Sousa Mendes é conhecido de um número cada vez maior de portugueses e que José Miguel Júdice deu um contributo muito importante para o tornar presente a um grande número de portugueses, mas devemos interrogarmo-nos se temos feito tudo o que era exigível.
Em fins de 1995, num curto período em que exerci o mandato de deputado, evoquei Aristides de Sousa Mendes e o estado de degradação em que se encontrava a sua casa e chamei atenção dos diversos responsáveis para a necessidade de assegurar a sua recuperação. Constato, que passados estes anos, existe já uma Fundação com o seu nome, mas não se conhece o projecto para a utilização futura da sua casa.
Tornar a casa de Aristides de Sousa Mendes um centro que evoque o seu exemplo devia ser uma preocupação mais alargada para lá dos esforços dos membros da Fundação que tem o seu nome. Divulgar a memória da acção desenvolvida por Aristides de Sousa Mendes é um acto de pedagogia moral e cívica.
Vale a pena interrogarmo-nos sobre o que podemos fazer.
domingo, abril 08, 2007
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1 comentário:
Isso era se isto fosse um país a sério...
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