O tráfico de seres humanos, a exploração sexual e a prostituição forçada são realidades na Europa e em Portugal que não devem ser subestimadas.
Foi por isso muito positiva a iniciativa da OIKOS de ter promovido, nos passados dias 4 e 5 de Março, com ONG's de outros países uma Conferência Internacional sobre "Tráfico de Seres Humanos e Migrações: Uma Abordagem na Perspectiva dos Direitos Humanos".
No Relatório sobre A Evolução do Fenómeno Migratório, de 17 de Dezembro de 2001, o ACIME, o SEF e a IGT, sentiram necessidade de se referir expressamente a este problema, afirmando, designadamente, que: "Ao longo do ano de 2001 continuou a constatar-se a existência de organizações criminosas que se dedicam a actividades ilícitas directamente relacionadas com o que deve ser apelidado de tráfico de seres humanos, seja para que finalidade for (trabalho clandestino, exploração sexual, outras), mas sempre, com o objectivo de retirar dessas actividades avultados lucros, recorrendo muitas vezes para o efeito, à prática de factos igualmente ilícitos e mesmo formas violentas de actuação".
No ano passado, o cineasta João Canijo com o seu belíssimo e rigoroso filme "Noite Escura" trouxe para o grande público algumas dessas manifestações de intimidação, violência, exploração sexual e tráfico de mulheres que se continuam a verificar aqui no meio de nós.
O tráfico de seres humanos constitui uma violação dos direitos da pessoa humana e um atentado à dignidade e à integridade do ser humano que pode conduzir a uma situação de escravatura para as suas vítimas.
Não admira por isso que o Conselho da Europa, que integra 46 Estados entre os quais se contam países de origem, de trânsito e de destino de vítimas de tráfico, tenha criado um Comité ad hoc para a luta contra o tráfico de seres humanos (CAHTEH) a quem coube elaborar um projecto de Convenção com essa finalidade, o qual tive o gosto da apresentar na referida Conferência.
A Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa tem-se manifestado alarmada com o crescimento que tem tido o tráfico de mulheres e a prostituição forçada nos Estados membros do Conselho da Europa, bem como pela actuação crescente de organizações criminosas nestas actividades utilizadas para financiar e estender a sua acção a outras actividades criminosas como o tráfico de armas e estupefacientes e o branqueamento de capitais.
O projecto de Convenção foi aprovado pelo referido Comité ad hoc em Dezembro de 2004 e submetido ao Comité de Ministros, que solicitou o parecer da Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa.
Os objectivos fundamentais da Convenção são o respeito pelos direitos das vítimas e a luta contra o tráfico de seres humanos. Esta luta deverá ser não discriminatória e tomar em conta os aspectos da igualdade entre mulheres e homens, bem como os direitos da criança.
A Convenção estabelece no art.1º
1. A presente Convenção tem por objecto:
a) prevenir e combater o tráfico de seres humanos, tendo em conta os aspectos da igualdade entre os homens e as mulheres;
b) proteger os direitos da pessoa humana das vítimas do tráfico, conceber um quadro completo de protecção e de assistência às vítimas e às testemunhas, tendo igualmente em conta os aspectos da igualdade entre os homens e as mulheres, bem como assegurar inquéritos e seguimentos eficazes:
c) promover a cooperação internacional no domínio da luta contra o tráfico de seres humanos.
2. A fim de assegurar uma aplicação eficaz das suas disposições pelas Partes, a presente Convenção cria um mecanismo de controlo específico.
O projecto de Convenção não parece, contudo, satisfazer inteiramente a Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa. O relatório da comissão para a igualdade de oportunidades entre homens e mulheres, de 17 de Janeiro de 2005, da Deputada suíça, Vermot-Mangold, do Grupo Socialista, reconhece os méritos do projecto de Convenção, mas sublinha os aspectos que considera questionáveis e propõe diversas alterações. Vermot-Mangold afirmou que não está segura de poder manter o seu apoio à Convenção se as alterações mais importantes que foram propostas não forem adoptadas pelo Comité de Ministros, porque como sublinha: "uma Convenção que não coloca a tónica na protecção das vítimas agrava a situação destas".
Na mesma linha se pronunciou o parecer, de 25 de Janeiro de 2005, da comissão das questões jurídicas e dos direitos do homem, elaborado pelo Deputado do Reino Unido, Kevin MacNamara, igualmente do Grupo Socialista, que recomendou à sua Comissão que apoiasse o projecto de parecer da comissão para a igualdade entre os homens e as mulheres.
O projecto na sua redacção actual é acusado de reflectir mais a vontade dos Estados de se protegerem das migrações ilegais do que aceitarem que o tráfico de seres humanos é um crime e que é necessário proteger as vítimas dos criminosos.
Apesar das reservas que referimos estamos convencidos que o projecto dará lugar a uma Convenção do Conselho da Europa sobre o combate ao tráfico de seres humanos, que contribuirá positivamente para reforçar a eficácia desse combate.
As críticas formuladas não deixarão de encontrar ecos que mais não seja na legislação que venha a ser adoptada nos Estados mais exigentes em matéria dos direitos humanos. As observações no sentido de não confundir o combate à imigração ilegal com o combate ao tráfico de pessoas, bem como a necessidade de reforçar a protecção das vítimas do tráfico, especialmente das mulheres e das crianças vítimas de violência, exploração sexual e prostituição forçada, através da concessão, nomeadamente, de residência legal e de protecção acrescida contra os traficantes, estou certo que terão cada vez mais defensores.
domingo, março 06, 2005
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