domingo, março 20, 2005

Reconhecer o Contributo dos Migrantes

A imigração e os imigrantes são realidades que fazem e farão cada vez mais parte do nosso quotidiano. Fazer de conta que se trata de um fenómeno transitório, uma realidade destinada a desaparecer é não falar verdade aos cidadãos. Uma informação rigorosa, objectiva e completa sobre as migrações, quer sobre a imigração, quer sobre a emigração é uma necessidade para que os cidadãos possam ter opiniões assentes em factos e não apenas em preconceitos.
Outra obrigação dos agentes políticos, mas também dos jornalistas e dos académicos é terem a coragem de dizer o que sabem ser verdade, seja ou não aquilo que julgam que as pessoas querem ouvir. Um exemplo, do que é falar verdade é o que se afirma no Programa do Governo, a propósito de uma política de imigração inclusiva, o acréscimo da imigração que se verificou em Portugal "deveu-se a um período de prosperidade que pôs a descoberto as limitações de mão-de-obra em alguns sectores da actividade económica". E acrescenta: "Ficou claro que um acentuado ritmo de crescimento para já não falar da inversão do défice demográfico não prescinde do recurso a mão-de-obra estrangeira, podendo até suceder que no futuro esse recurso tenha de se acentuar, particularmente em áreas de mão-de-obra qualificada".
Devemos por isso interrogarmo-nos sobre o facto dos jornais na passada semana terem referido que um recente relatório do Observatório Europeu do Racismo e da Xenofobia (EUMC) afirmar que, Portugal é o quarto país da UE que mostra mais resistência à imigração, a seguir a países como a Grécia, a Hungria e a Áustria (Público, de 16 de Março de 2005)
Este resultado é negativo para um país que tem cerca de quatro milhões e trezentos mil emigrantes espalhados pelo mundo e exprime o fracasso na criação de uma base social de apoio para uma política positiva e respeitadora dos direitos humanos em matéria de imigração.
Temos de reconhecer que há um défice de informação, de regulação e de integração. Apesar de desde há cerca de uma década, desde a criação do ACIME, se terem desenvolvido de forma continuada, iniciativas positivas para valorizar o contributo dos imigrantes para o desenvolvimento do país, o cidadão médio não tem ao seu dispor uma informação sobre o contributo económico e cultural dos imigrantes para o desenvolvimento do país. Como, aliás, também não tem sobre o contributo dos emigrantes portugueses. Vale a pena ter presente que no ano passado aumentaram as remessas dos emigrantes portugueses o que foi um dado positivo numa situação económica recessiva. De acordo com estatísticas do Banco de Portugal relativas as remessas dos emigrantes portugueses em 2004, divulgadas pelo jornal A Capital, de 17 de Março de 2005, que totalizaram nesse ano 2.442 milhões de euros , tendo no ano anterior atingido 2.433 milhões de euros. A evolução positiva deveu-se ao aumento das remessas provenientes dos emigrantes portugueses de França, Suíça e do Reino Unido.
Em matéria de regulação, fala-se muito da necessidade de regular a imigração e de criarmos condições para uma imigração legal, mas continua a ser muito limitado o número de imigrantes que conseguem obter um visto de trabalho.
A alteração do conceito de residente legal, passando a significar apenas o titular de uma autorização de residência e já não o titular de uma autorização de um visto de trabalho ou de uma autorização de permanência, foi acompanhada da privação de alguns direitos sociais aos titulares de autorização de permanência, o que criou uma integração a várias velocidades. As dificuldades criadas pelos anteriores governos à continuação da erradicação de barracas pelos municípios comprometeram o prosseguimento da integração dos imigrantes.
Grave foi também o facto de não ter prosseguido o trabalho iniciado com o Inspector Geral do Trabalho, Inácio Mota da Silva, de combate à economia informal e de estruturação do mercado de trabalho. Este facto alimentou o recurso à imigração ilegal, mesmo num contexto de aumento de desemprego inclusive de desemprego de imigrantes com situação regular em Portugal.
Afigura-se por isso positivo neste quadro a afirmação contida no Programa do Governo de que: "...urge recuperar mecanismos de flexibilização de regulação de fluxos, como as autorizações de permanência, desenvolver acordos com os países de origem e de criar mecanismos de resposta mais rápida e eficaz aos pedidos de imigração canalizados pelas vias legais".
Mas não pode deixar igualmente de ser considerada a necessidade de voltar a levar a sério o combate à economia informal e pela estruturação do mercado de trabalho, sem o que se estará a alimentar o apelo a imigração ilegal.
Há que ter presente, que como afirmou o sociólogo Stephen Castles, que lançou a passada semana em Portugal um conjunto de importantes ensaios sobre as migrações sob o título Globalização, transnacionalismo e novos fluxos migratórios o mercado de trabalho é que determina os fluxos migratórios e o controlo das fronteiras não conseguirá, por si, acabar com a imigração ilegal nos países europeus (Público, de 14 de Março de 2005).
O que não podemos nunca esquecer é que se o migrante procura melhor condições de vida e de trabalho nos países de acolhimento, estes seriam mais pobres e proporcionariam piores condições de vida aos seus nacionais se não fosse o contributo dos imigrantes para o seu desenvolvimento. Devemos por isso reconhecer que os migrantes (imigrantes e emigrantes) dão um contributo positivo para o desenvolvimento de Portugal, que poderá ser potenciado se existirem políticas públicas que o tornem possível.

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