domingo, julho 06, 2008

"TERRA" de MARIZA

António Rodrigues Maximiano, quando era Inspector-Geral da Administração Interna, ofereceu um jantar, no quadro de um colóquio internacional que organizou, para o qual convidou Mariza para cantar o fado. Foi a primeira vez que a ouvi cantar. Nessa altura era ainda uma desconhecida, mas ele chamou a atenção para a sua força e para a qualidade da sua voz, garantindo que ela iria ter imenso sucesso. Tinha razão o extraordinário jurista e cidadão, homem de grande sensibilidade e cultura.
“Terra” é mais um marco decisivo numa carreira construída com determinação, profissionalismo e inteligência por Mariza, a quem já nos referimos aqui.
Não esquecemos os trabalhos inovadores de outros fadistas, nomeadamente, Camané de quem foi editado recentemente “Sempre de mim”, um disco imprescindível, que assinala uma frutuosa colaboração com José Mário Branco, e Ana Moura. Esta é uma geração de ouro do fado e da música portuguesa.
Mariza, que era totalmente desconhecida há dez anos, conseguiu afirmar-se, com inteira justiça, como “a artista portuguesa mais popular do século XXI” como Nicolau Santos e Miguel Francisco Cadete referiram, na introdução à entrevista que Mariza lhes concedeu, no “Actual” do Expresso de 21de Junho de 2008.
“Terra” significa para Mariza que «… esta música continua a ser da terra. Tem o cariz e a raiz portuguesa, apesar de, muitas vezes, poder sofrer influências diversas».
A “Terra” de Mariza é uma terra sem muros, que partindo do fado estabelece pontes para outras sonoridades musicais portuguesas, para a morna e o flamenco. Percorre nesta abertura um caminho já andado por Carlos Saura, com a assessoria de Carlos do Carmo no filme “Fados”, a que me referi aqui.
Mariza afirmou na entrevista que tenho vindo a citar «…A essência do fado está lá. Não a retirei. Está na minha forma de cantar, na poesia, na guitarra portuguesa…». Mariza é, contudo, uma artista em permanente reinvenção, à procura da sua própria sonoridade. Neste disco canta exclusivamente em português, o que, aliás, justifica a inclusão de duas excelentes colaborações: a do cabo-verdiano, Tito Paris, que interpreta a versão em crioulo de “Beijo de Saudade” de B. Leza; e de Concha Bulka, da Guiné Equatorial, que canta a versão castelhana de “Pequenas Verdades” de Javier Limón.
É muito interessante perceber na referida entrevista como é que este disco foi sendo construído através de um diálogo vivo com Javier Limón.
Escolheu com muito gosto e inteligência os fados e outras canções que interpreta muitas delas de muita simplicidade e beleza como “Já me deixou” de Artur Ribeiro / Max ou “Rosa branca” de José de Jesus Guimarães / Resende Dias, até outras mais complexas como “As guitarras” do brasileiro Ivan Lins. Dá a voz aos poetas portugueses como Florbela Espanca de que interpreta “Vozes do mar”, a Pedro Homem de Mello com “Fronteira”, a David Mourão-Ferreira com “Recurso” e Ary dos Santos com “Alfama”. Não esquece também as letras de outros cantores como a belíssima “Minh’alma” de Paulo de Carvalho, “Se eu mandasse nas palavras” de Fernando Tordo, e “Morada aberta” da dupla Carlos Té / Rui Veloso.
Mariza, uma portuguesa cosmopolita, nascida em Moçambique, tem dado um grande contributo para a difusão do português como língua de cultura, na linha de outros cantores como Amália ou os Madredeus. Foi, por exemplo, a única portuguesa que cantou no “Live 8” , ou que foi nomeada para um Grammy.
Esta é, aliás, uma hora decisiva para afirmação internacional da Língua Portuguesa como um das línguas de cultura do século XXI, o que transcende, mas abrange Mariza, como teremos oportunidade de referir em breve neste blogue.

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