domingo, outubro 07, 2007

FADOS DE CARLOS SAURA

O Fado é uma expressão musical que está profundamente enraizada em Lisboa e em Portugal, a partir do primeiro quartel do século XIX, que merece ser reconhecido como fazendo parte do património cultural imaterial da humanidade pela UNESCO.
O filme «Fados» de Carlos Saura, que contou com excelentes assessores como Carlos do Carmo e Rui Vieira Nery, é um contributo positivo para suportar essa candidatura, que é fundamental levar para a frente com inteligência e determinação.
É um olhar informado, interessado e interessante sobre o Fado na sua pluralidade, tendo o cuidado de o relacionar com outras músicas lusófonas e inclusive de o colocar em diálogo com o flamenco.
A ligação de Portugal a África e ao Brasil foi muito bem entendida por Carlos Saura, que a sublinha quer no que se refere às raízes do próprio género Fado, quer às ligações e múltiplas contaminações que podem estabelecer produtivamente com alguma música que se faz no mundo lusófono.
É preciso uma grande atenção à génese do Fado para incluir o lundum brasileiro e uma grande valorização das ligações a outras músicas lusófonas como a morna de Cabo Verde, com Lura, nascida em Lisboa e o Kola Son Jon, interpretado por um grupo do bairro da Cova da Moura (Amadora).
Há alguns achados como é, por exemplo, a evocação da Severa através de um romance de cordel ou a homenagem a Alfredo Marceneiro pelo grupo de hip-hop NBC e SP& Wilson.
Resulta interessante a forma como se presta homenagem a Amália através da recuperação de imagens de um ensaio e como se liga com a interpretação por Caetano Veloso do fado Estranha Forma de Vida.
A cena da casa de fado com Vicente da Câmara, rodeado de um conjunto de jovens fadistas resulta também muito bem.
A montagem das imagens do 25 de Abril, da saída dos presos políticos de Caxias e do 1 de Maio de 1974, foi bem conseguida, começando com umas estrofes da Grândola, Vila Morena e terminando, de forma algo irónica, com o Fado Tropical de Chico Buarque.
Carlos do Carmo, que foi um dos inspiradores do filme, constitui com Camané e Mariza o núcleo duro dos fadistas, mas todos os outros merecem referência positiva desde os mais experientes como Argentina Santos, até aos mais jovens.
O diálogo musical que se estabelece entre Marisa e o cantor de flamenco Miguel Poveda com base no Meu Fado Meu é um momento alto do filme.
Poder-se-á discutir a forma como o filme foi construído, como uma sucessão de quadros, a inserção da dança, mas temos de reconhecer que mostra o Fado como realidade musical viva, como um rio musical que extravasa para além das margens em que o querem limitar.
O facto de outras aproximações serem possíveis, de haver sempre omissões de acordo com os critérios de cada um, em nada diminui o filme de Carlos Saura.
Este filme irá levar muita gente a começar a interessar-se pelo Fado ou ouvi-lo com uma atenção nova e poderá inspirar novas iniciativas de divulgação que tenham em conta, não só a história do Fado, mas também a consciência de que qualquer género musical vive não apenas das tradições, mas também das contradições e do diálogo que estabelece com outros géneros musicais.
Os que quiserem conhecer a música de que é feito este filme dispõe da edição da banda sonora de Fados, já nos circuitos comerciais.
Este filme merece ser visto, ouvido e discutido, e estou certo que será um êxito.
Espero que seja utilizado como mais uma alavanca para a ofensiva necessária para consagrar o Fado como património cultural imaterial da humanidade.

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