domingo, maio 11, 2008

QUESTÕES SOBRE A LAICIDADE

Teve início no passado dia 7 de Maio, a primeira das quatro Conferências de Maio 2008, promovidas pelo Centro de Reflexão Cristã, sobre o tema “Questões Sobre A Laicidade”, que pode consultar aqui, aqui e aqui, graças à colaboração fraterna e ecuménica de Marco Oliveira.
Como tive oportunidade de recordar na abertura, a laicidade é um conceito de raiz cristã, que traduz a separação entre a esfera política e a espiritual, entre a esfera de Deus e a esfera de César.
Depois de séculos de constantinismo, não podemos ignorar o contributo que na Europa a racionalidade laica deu na modernidade para a construção de Estados laicos.
A laicidade é hoje um conceito, que não é propriedade de ninguém, e cuja clarificação convoca todos os cidadãos crentes ou não crentes.
A laicidade tem assumido historicamente formas diversas. A laicidade não assume a mesma forma em França ou na Turquia, nos Estados Unidos ou em Portugal. A laicidade está associada nestes países a memórias, mensagens jurídicas e políticas substancialmente diferentes.
Vale por isso a pena esclarecer o que pretendemos dizer quando falamos de laicidade e tornar claro que a laicidade não se confunde com qualquer ideologia que recuse a presença das diferentes tradições religiosas no espaço público.
Crentes de diversas confissões religiosas e não-crentes das mais diversas sensibilidades, devem ter capacidade de se ouvir e de aprender uns com uns outros. Se formos capazes de o fazer construiremos formas de laicidade que assegurem a separação do Estado das diferentes confissões religiosas e ao mesmo tempo respeitem a sua presença plural e dinâmica no espaço público.
Estas Conferências de Maio 2008 pretendem ser um contributo para que assim seja e começaram da melhor forma. Deixo aqui alguns tópicos da primeira conferência sobre “Laicidade, Laicismo e Modernidade” apenas para estimular a participação nas restantes três conferências cujo programa, hora e local, podem recordar aqui,
A comunicação de Frei Bento Domingues partiu da afirmação de Marcel Gauchet de que «o cristianismo é a religião de saída da religião» para se orientar num sentido não previsto por aquele pensador de que «o cristianismo é a religião do futuro da religião», cujo sentido foi explicitado por Jean-Paul Willaime no seu livro “Le christianisme: une religion de l’avenir de la religion?”.
Tudo isso é inseparável do resultado do confronto do cristianismo com a modernidade, de que não se pode ocultar a genealogia judaica e cristã. Como afirma Jean-Paul Willaime, citado Por Frei Bento Domingues. «É precisamente porque o cristianismo é a religião da saída da religião que pode encarnar, hoje, uma das figuras possíveis do futuro da religião». A perda de poder do cristianismo, a saída de um mundo em que a religião comanda a forma política das sociedades, não significa o fim do cristianismo. Aliás, o cristianismo não é estranho ao fim do religioso como poder. Advertiu ainda para o facto de haver muitas expressões de cristianismo e para o facto do devir das sociedades, das religiões e do cristianismo não estar limitado pelas nossas previsões.
A Professora e Juíza Conselheira do Tribunal Constitucional, Maria Lúcia Amaral recordou o processo de emergência do moderno Estado laico no contexto da modernidade. De uma forma clara explicou como é que chegámos ao modo de vida colectivo público que é o moderno Estado laico. Sublinhou designadamente a importância da obra do jusracionalista Hugo Grotius «De jure bellis ac pacis», na qual pensa o Estado, como se Deus não existisse (sem que isso implique que exista ou não) ou não cuidara dos negócios humanos. É esta a origem do moderno Estado laico. Esta viragem não implica necessariamente um afastamento da dimensão religiosa. Deu como exemplo os Estados Unidos que nasceram de uma convenção, um contrato, e que se estabeleceram como se Deus não existisse. No entanto, o primeiro direito que estabeleceram foi o que chamamos a liberdade de consciência, de religião e de culto. Este Estado laico implicou uma nova arrumação da questão de Deus, não trouxe para a história inevitavelmente o seu desaparecimento. Referiu também como um processo culturalmente distinto o processo de secularização. Recordou o debate entre Ratzinger e Jurgen Habermas e deixou questões: se as premissas sobre que se constituiu o moderno Estado laico continuam a ser suficientes para nos agregar; se não cabendo ao Estado resolver as questões últimas da existência, podemos continuar a dizer que a religião é apenas da esfera do privado; se não teremos de considerar para lá do público e do privado, uma terceira esfera, o espaço público no qual a religião e a sua energia integradora apareça como protagonista.
José Vera Jardim, ex-Ministro da Justiça, deputado, advogado, “pai”da lei de liberdade religiosa, abordou em detalhe aspectos relevantes dos processos de laicização e secularização na Europa, com realce para a França e Portugal, tendo colocado e respondido à questão essencial, é actual e porquê o debate sobre a laicidade. Referiu que assegurada a separação do Estado e das igrejas e a liberdade de consciência, religião e culto, subsiste a questão: como assegurar a igualdade de direitos e a não discriminação entre religiões. O que torna actual o problema da laicidade é o confronto nas sociedades modernas entre religiões diversas, qual é o seu estatuto, como se confrontam entre si e com os Estados. Outra das questões que referiu tem a ver com a participação das religiões para o debate no espaço público, que é um contributo importante nas sociedades pós-modernas.
É extremamente empobrecedor procurar reduzir a riqueza das comunicações deste colóquio a este breve apontamento. Por isso mesmo repito o desafio, ouçam-nos nos endereços indicados e, já agora, não percam as próximas conferências.

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