Tinha feito, há poucos dias oito anos de idade, quando Humberto Delgado, que era o candidato às eleições presidenciais de 1958, proferiu uma frase que iria marcar decisivamente não apenas essas eleições, mas o futuro político de Portugal. Interrogado pelo jornalista Lindorfe Pinto Basto sobre o que tencionava fazer ao Presidente do Conselho de Ministros, Oliveira Salazar, se fosse eleito Presidente da República respondeu:« Obviamente, demito-o».
Esta frase iria provocar um sismo político e despertar uma imensa esperança nos portugueses. Só a mais grosseira manipulação eleitoral impediu que Humberto Delgado fosse eleito Presidente da República.
Se recordo que tinha oito anos, é para sublinhar a necessidade que há de tornar presente à maioria dos portugueses e particularmente das gerações mais jovens a importância do combate político de Humberto Delgado.
A sua campanha eleitoral marcou o futuro democrático do País. Demonstrou duas verdades evidentes: a maioria dos portugueses estava cansada de Salazar e aspirava à democracia; e, ao contrário, da propaganda salazarista que insistia que a alternativa era entre a situação e o comunismo, a maioria dos portugueses não queria Salazar, nem se identificava com o comunismo. Estas duas evidências contribuíram para engrossar e diversificar, cada vez mais, a oposição política ao salazarismo.
Sinto por isso que a democracia portuguesa tem uma dívida de gratidão para com a memória de Humberto Delgado.
Frederico Delgado Rosa, neto de Humberto Delgado e autor de “Humberto Delgado, Biografia do General Sem Medo”, editado pela Esfera dos Livros, que é um documento incontornável, cuja leitura e discussão recomendo vivamente, declarou ao JL - Jornal de Letras, Artes E Ideias n.º982: “HD está em paz com a democracia portuguesa, mas não com a justiça portuguesa”.
São palavras generosas para com a democracia portuguesa, que absolve do mau funcionamento da justiça neste caso, e que tem em conta, nomeadamente, que os seus restos mortais repousam já no Panteão Nacional.
Não podemos, contudo, ignorar que existe uma grande falta de informação sobre esta personalidade maior da luta pela democracia em Portugal. Esta biografia, um documentário recentemente transmitido, o filme que irá ser realizado por Bruno de Almeida, com argumento do Frederico Delgado Rosa, uma peça de Hélder Costa sobre Salazar e Humberto Delgado que está em cena n’A Barraca e o número do JL que referi, são contributos positivos para recordar a sua luta junto de um maior número de portugueses.
Fica, contudo, muito por aprofundar no que se refere ao assassinato de Humberto Delgado e da sua secretária, a brasileira, Arajaryr Campos, pela PIDE.
Procurar conhecer mais profundamente as condições em que foi assassinado é não apenas um dever de justiça para com Humberto Delgado, mas contribuirá para conhecer melhor como agia e como assassinava a polícia política de Salazar.
Num estilo intencionalmente provocante no JL, já citado, afirma-se que: “Tão entretidos temos andamos com os 40 anos de Maio 68 francês que, num certo sentido, o nosso Maio de 68 aconteceu…dez anos antes, chamou-se Humberto Delgado, e prolongou-se por Junho e por aí fora, até ao derrube da ditadura”.
Sem menosprezar tudo o que o Maio 68 trouxe para o questionamento e para o repensar da esquerda, e os ecos que teve em Portugal, não podemos deixar de reflectir sobre a importância de Humberto Delgado para a luta democrática em Portugal.
Foi um homem digno, de uma coragem física e moral, que tudo sacrificou pela liberdade do povo português.
A democracia não teria sido conquistada sem a luta prolongada de democratas, como Humberto Delgado, conjugada é certo, com a luta anti-colonialista dos povos das colónias portuguesas.
A democracia nunca é o resultado automático da evolução das forças produtivas. A evolução da economia cria condições mais ou menos favoráveis para a luta, são as chamadas condições objectivas, mas é a própria luta dos homens e mulheres determinados, as chamadas condições subjectivas, que abrem o caminho a sociedades mais democráticas, mais justas e mais fraternas. O preço a pagar é por vezes elevado. Humberto Delgado pagou com a própria vida ter-nos empurrado ao encontro da democracia. Não o podemos esquecer.
domingo, maio 25, 2008
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1 comentário:
Meu caro,amigo,dr.José Leitão!
Foi com muito gosto e prazer que li o seu arigo!
Vi a pouco tempo uma reportagem n RTP2 sobre a vida de Humberto Delgado e as "eleições" de 1958.Realmente,Nessas eleições houve situações caricatas!!
Abaços!
Bubacar Djaló
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