domingo, maio 04, 2008

"PORTUGAL E OS PORTUGUESES" DE MANUEL CLEMENTE

Manuel Clemente, historiador, professor universitário e actual bispo do Porto, publicou um livro de leitura imprescindível, intitulado “Portugal e Os Portugueses”, edição Assírio & Alvim.
Este livro reúne um conjunto de intervenções que, se estendem por um período de vinte anos e têm como fio condutor uma reflexão sobre Portugal e os portugueses. Escrito num português ágil e fluente, que se lê com verdadeiro prazer, é uma obra aberta, que nasceu de uma vontade de perceber Portugal, uma realidade política improvável, com uma estranha geografia, mas que se construiu de forma consistente e duradoura.
De notar, que publicou este livro como Manuel Clemente, e não como D. Manuel Clemente, bispo do Porto, o que diz muito sobre a sua atitude de abertura ao diálogo e ao confronto de opiniões.
Não deixa também de ser significativo que tenha sido editada pela Assírio & Alvim, que se pauta por uma grande exigência de qualidade e de liberdade intelectual, que promoveu recentemente, uma grande iniciativa denominada Espiritualidades, que inclui uma feira de livros e um conjunto de lançamentos de livros, entre os quais este, como poderão ver aqui.
Gostaria de sublinhar algumas interrogações e afirmações, que na minha leitura pessoal, parecem ser linhas fortes do seu pensamento.
Interrogando-se sobre a capacidade de adaptação dos portugueses, questiona: «Pergunto-me se não será antes do contrário. Se não deviam falar até da impossibilidade de deixarmos de ser quem somos, tal a densidade interior que acumulámos. Não temos de nos adaptar por aí além, porque já temos dentro e acumulados os infinitos aléns que nos formaram». Prossegue referindo o processo de sedimentação de vários povos do Norte da África e do Leste da Europa que nos foram formando ao longo dos séculos, os que chegaram depois de nos tornarmos um cais de embarque e os que continuam a vir de diversas proveniências. Acrescenta com sabedoria: «Tanta gente em tão pouco espaço só pode espraiar-se numa geografia universal. Assim foi e assim é…».
Em diversos apontamentos sublinha «a fortíssima herança judaica» da cultura portuguesa. Considerando muito pertinente esta referência, ficámos com vontade de o ver aprofundar mais este tema, que é particularmente actual num momento em que se verifica uma renovada aproximação entre católicos e judeus, estimulada pelo próprio Papa Bento XVI, como o demonstram as palavras proferidas recentemente na Sinagoga de East Park, em Nova Iorque.
Manuel Clemente tem a noção do muito que falta investigar para conhecer melhor Portugal. Refere-se, por exemplo, aos cristãos moçárabes, que viviam com os mouros em Lisboa, onde não havia religião obrigatória, como «gente mal percebida e pouco historiada».
Tem também a consciência, na senda de Paul Ricoeur, de que a nossa interpretação é limitada, o que nos abre ao respeito recíproco e ao diálogo.
A sua reflexão sobre as quatro anteriores evangelizações da Europa permite-nos encarar com maior lucidez a situação actual, percebendo que: «Nenhuma das propostas destas quatro evangelizações foi cumprida por inteiro».
Na impossibilidade de resumir toda a riqueza deste livro, julgo que é importante perceber a forma como Manuel Clemente se situa perante o mundo actual: «A um mundo assim, teremos de responder, antes de mais, amando-o. Quero dizer, integrando com inteligência e coração a sociedade contemporânea, no que consegue e no que indaga: ganhando em cada domínio a maior competência, que o mesmo é dizer a maior verdade. E mostrando aí e nunca de fora - ou indo na onda das religiões da necessidade e da evasão - que Jesus Cristo não entrava, antes estimula a aventura humana, dando-lhe com a sua Páscoa um critério e uma esperança insubstituíveis».
Deixa-nos também pistas de reflexão sobre a unidade dos cristãos, a construção europeia, e a importância do diálogo inter-religioso, designadamente, entre cristãos e muçulmanos.
Manuel Clemente é uma pessoa com total disponibilidade para o acontecer da vida, que gosta “muito de aprender”com o que a vida vai ensinando.
Podemos concordar ou discordar desta ou daquela afirmação, mas sentimo-nos estimulados a escutar as suas razões e convidados a formular as nossas próprias conclusões.
Por tudo isto, recomendamos vivamente a leitura e a discussão deste livro.

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