domingo, dezembro 30, 2007

O LIVRO BRANCO DAS RELAÇÕES LABORAIS - PRIMEIRA LEITURA

O Livro Branco das Relações Laborais (LBRL), que pode ler aqui, é «o trabalho mais profundo feito em Portugal sobre o mundo do trabalho», como escreveram Isabel Vicente e Nicolau Santos, em “O fim dos mitos laborais”, no Expresso, de 22-12-2007. Podemos e devemos formular críticas e manifestar discordâncias, mas não podemos ignorá-lo na análise prospectiva do futuro. Admitindo que terei de voltar a ele, quero deixar algumas notas resultantes de uma primeira leitura.
O LBRL tem o grande mérito de ser um contributo fundamental para avaliar a forma como em concreto se processam as relações laborais, desfazendo alguns mitos a esse respeito, como se sublinha no já referido artigo, mas formula além disso um conjunto de propostas de alteração ao Código de Trabalho (CT), que terão de ser analisadas e discutidas.
Considero que é positiva a alteração proposta para o art. 4.º do CT. Mantém a possibilidade das normas legais reguladoras dos contratos de trabalho poderem ser afastadas por instrumento de regulamentação colectiva de trabalho, salvo quando delas resultar o contrário. Acrescenta, porém, que as normas relativas a um amplo conjunto de matérias só podem ser afastadas por instrumento de regulamentação colectiva de trabalho em sentido mais favorável aos trabalhadores. As normas legais reguladoras dos contratos de trabalho só podem ser afastadas por contrato individual quando este estabeleça condições mais favoráveis para o trabalhador e se delas não resultar o contrário. Estas normas são completadas com a proposta de nova redacção para o art. 531.º no sentido de que as disposições dos instrumentos de regulamentação colectiva do trabalho só podem ser afastadas por contrato de trabalho quando este estabeleça condições mais favoráveis para o trabalhador.
Uma alteração positiva foi a de consagrar o limite de três anos para os contratos de trabalho a termo certo, impossibilitando que possam atingir seis anos, como acontecia actualmente, de acordo com o previsto no n.º 2 do art. 139.º do CT.
Um aspecto central do LBRL que merece uma análise crítica mais detalhada é o conjunto de propostas relativas à temática da flexibilidade interna, que abrange as matérias referentes ao tempo de trabalho, à mobilidade funcional e geográfica, em que se pretende deixar uma grande margem de intervenção à contratação colectiva e ao contrato individual de trabalho.
Em matéria de flexibilidade externa, o LBRL, procura flexibilizar respeitando a proibição constitucional de despedimento sem justa causa ou por motivos políticos ou ideológicos. As propostas que formula para a simplificação dos procedimentos em matéria de despedimento com invocação de justa causa, com novas regras relativas à acção de impugnação do despedimento, devem ser seriamente ponderadas. Em matéria de extinção do posto de trabalho, o LBRL deveria procurar por termo à controvérsia jurisprudencial relativa à possibilidade e à forma de recurso ao procedimento cautelar de suspensão de despedimento.
O despedimento por inadaptação fica facilitado em termos que podem por em causa a segurança no emprego, se não houver cuidado na concretização das propostas formuladas.
Inúmeras são as questões que suscitam as propostas relativas ao direito colectivo do trabalho e as considerações relativas à representação dos trabalhadores, às reuniões de trabalhadores no local de trabalho e à questão da representatividade associativa, que será cada vez mais relevante no futuro.
Ao avaliar o conjunto das propostas do LBRL e a pretensão de criar um direito de trabalho mais flexível, que só terá sentido, se for um direito efectivamente aplicado e não meramente virtual como acontece hoje em grandes áreas de actividade, temos que ter em conta os constrangimentos concretos da realidade social.
A Comissão Nacional Justiça e Paz, descreveu-a no seu contributo para o LBRL, de forma objectiva: «No caso português, existem fortes condicionalismos a uma aplicação do conceito de flexisegurança, já que o Estado e o sistema de segurança social continuam a enfrentar graves restrições financeiras, a actividade económica não tem apresentado potencial para um ritmo crescente e suficiente de criação de emprego, os níveis de qualificação escolar e profissional de grande parte dos trabalhadores não lhes conferem uma empregabilidade facilitadora da mobilidade profissional, o contexto cultural é favorável a comportamentos arbitrários no exercício dos poderes hierárquicos e patronais”.
Estas são algumas notas breves suscitadas por uma primeira leitura do LBRL.
É inequívoco que se torna necessário o fortalecimento do movimento sindical, das centrais e dos sindicatos para fazer face aos novos desafios, o que passa nomeadamente pela concentração de meios e recursos.
O recente anúncio da criação da FEBASE, Federação do Sector Financeiro, que engloba os principais sindicatos da Banca e dos Seguros, é um passo na construção do movimento sindical do futuro que terá de ser cada vez mais forte e representativo para poder defender com eficácia os trabalhadores.

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