terça-feira, dezembro 25, 2007

A ESPERANÇA CRISTÃ SEGUNDO BENTO XVI

A encíclica “Salvos Na Esperança” de Bento XVI foi recebida com muita discrição, sem grandes comentários na comunicação social. Penso, contudo, que é um documento importante, de grande densidade espiritual.
Tem sido referido criticamente que esta encíclica se dirige apenas aos católicos e não também a todos os homens de boa vontade, como aconteceu com outras no passado, ou que não cita, por exemplo, a Gaudium et Spes do Concílio Vaticano II. Tudo isso é verdade, mas não podemos deixar de estar atentos ao que tem de profundamente inovador.
Tem-se sido dito que a encíclica é muito europeia, mas não o é mais do que anteriores documentos e percebe-se que Bento XVI, tem a preocupação de alargar os seus horizontes. É significativo da importância que dá à Africa e à Ásia, o destaque dado ao exemplo de uma santa sudanesa, Josefina Bakhita (nascida por volta de 1869), ao mártir vietnamita Paulo Le-Bao-Thin (falecido em 1987) ou o «inesquecível» cardeal Nguyen Van Thun que nos deixou nas suas palavras “um livrinho precioso: «Orações de Esperança»”. É uma encíclica europeia na medida em que tem presente a narrativa da modernidade e os desafios que a Revolução Francesa e a Revolução Russa colocaram à existência cristã, mas, se é certo que há mais mundos para lá destes processos históricos, não podemos ignorar os impactos universais que daí decorreram. Engels, Marx ou Lenine, que refere, tiveram e têm influência nos processos políticos em vários continentes.
É interessante verificar que partindo do judaísmo antigo, de São Paulo e de Padres da Igreja como Santo Agostinho, São Gregório Nazianzeno, São Máximo o Confessor, São Tomás de Aquino - embora apenas para o contrapor a Lutero sobre a exegese da Carta Aos Hebreus-, cite, entre outros, Francis Bacon, Henri de Lubac, Emmanuel Kant, “Os Irmãos Karamazov” de Dostoievski, Platão, os marxistas da Escola de Frankfurt, Teodoro W. Adorno e Max Horkheimer, muitas vezes o Catecismo da Igreja Católica, mas não os ilustres predecessores, como é usual.
Também não é habitual a citação, mesmo crítica, de pensadores laicos como se faz nesta encíclica. Este facto não deve ser ignorado nem minimizado e é justo interpretá-lo como uma vontade de dialogar e argumentar, que deve ser a atitude da Igreja Católica nas modernas sociedades democráticas, no quadro do que pretende ser a necessidade de “uma autocrítica da idade moderna feita em diálogo com o cristianismo e a sua concepção de esperança”.
Um exercício interessante, mas para o qual não tenho competência seria ver em que medida algumas das reflexões, designadamente sobre o sofrimento, se aproximam, afastam ou ficam aquém de outras, como as do notável teólogo alemão J.Baptist Metz sobre o sofrimento.
A encíclica não pretende ser meramente “informativa”, mas também “performativa”, como ela própria refere, e nesta perspectiva há aspectos, que merecem uma leitura atenta e meditada. Refiro-me às considerações sobre esperança e salvação, que atravessam todo o documento, particularmente, sobre os “lugares” de aprendizagem e de exercício da esperança, que incluem: a oração como escola da esperança; agir e sofrer como lugares de aprendizagem da esperança; o Juízo como lugar de aprendizagem e de exercício da esperança.
É também de sublinhar a preocupação que tem em afirmar que a salvação nunca é apenas uma questão pessoal, que “as nossas vidas estão em profunda comunhão entre si”, que “continuamente entra na minha existência a vida dos outros: naquilo que penso, digo, faço e realizo”.
Bento XVI preocupa-se em afastar representações inadequadas sobre a “vida eterna” para nos iniciar na esperança cristã, que reconhece ser “uma expressão insuficiente, que cria confusão”.
A questão que se coloca e para a qual ainda não há resposta possível, é a de saber em que medida esta encíclica irá ser performativa, isto é, para a citar, “uma comunicação que gera factos e muda a vida”.
Apenas posso acrescentar que, no que me diz respeito, sinto que me desafia a lê-la e meditá-la muitas vezes, porque está centrada no essencial da vida.

1 comentário:

José Manuel Dias disse...

Caro José Leitão

Que o ano de 2008 testemunhe todas as realizações que ambicionas!
Abraço com amizade