domingo, outubro 21, 2007

LISBOA TERRA DE HARMONIA

O poeta Carlos de Oliveira no belíssimo poema “Canto” do seu livro «Terra de harmonia» escreveu “Cantar é empurrar o tempo ao encontro das cidades futuras/fique embora mais breve a nossa vida».
Este, como muitos outros poemas, de Carlos de Oliveira, tem manifestas ressonâncias bíblicas.
Tenho recordado este poema, ao reflectir sobre a profanação no passado dia 25 de Setembro de vinte túmulos no Cemitério Judaico de Lisboa, conforme pode ver aqui.
Este acto foi um acto de barbárie que irá, estou confiante, ter a resposta adequada em termos penais, já que foi possível identificar os responsáveis.
Para além de diversas manifestações de repúdio, designadamente, por parte da Assembleia da República, realizou-se no passado dia 7 de Outubro de 2007, uma cerimónia religiosa, na qual para além de membros da Comunidade Israelita, participaram membros de outras comunidades religiosas, de representantes de partidos representados na Assembleia da República, cidadãos que se quiseram associar, o ACIDI, os Ministros da Administração Interna e da Justiça, o Embaixador de Israel.
Todos foram unânimes em condenar com vigor esta profanação, que como afirmara desde o início a Comunidade Israelita de Lisboa «constituiu um crime contra a Comunidade Judaica, bem como uma ofensa à sociedade civil Portuguesa; à democracia e ao Estado de Direito».
Foi uma cerimónia de grande dignidade, em que o Estado português representado pelos ministros, reafirmaram a confiança no Estado de Direito e na responsabilização dos responsáveis. O Ministro da Justiça, Alberto Costa, deixou, contudo, a advertência: «Nunca poderemos dar os sinais da barbárie como definitivamente extintos. Lutar contra ela é um trabalho infindável que o céu cometeu à condição humana».
Assim sendo, creio que deveríamos fazer mais alguma coisa para criar cidades futuras que sejam terra de harmonia.
O Padre Peter Stilwell, em nome da Igreja Católica em Lisboa, afirmou, nomeadamente: «O respeito pelos antepassados, nossos e dos outros; o cuidado com que rodeamos as suas sepulturas, é um traço que distingue a emergência da humanidade de entre os demais seres vivos sobre a terra. A profanação de um cemitério atesta, portanto da degradação humana de quem a pratica e da ideologia que lhe dá cobertura». E acrescentou: «Mas, no caso, a questão não é tão simples. O gesto evoca um demónio que dorme no coração da Europa, e que nem o horror da Shoa saciou. A profanação deste lugar de repouso foi um acto de culto que lhe foi prestado».
Peter Silwell considerou que era necessário ir mais longe no repúdio deste acto, dizendo: «Seria bom, neste contexto, retomar a proposta da Comunidade Israelita de Lisboa, secundada pela Igreja Católica, de fixar no centro de Lisboa, de preferência na Praça de São Domingos, um monumento que evocasse simultaneamente a violência passada contra os judeus residentes nesta cidade e o memorável gesto aí realizado no ano dois mil de conversão e reconciliação da comunidade católica com a comunidade judaica, sua irmã mais velha».
Deve concretizar-se esta proposta nesta cidade de Lisboa, em que os judeus foram vítimas da Inquisição e de massacres como o ocorrido em 19 de Abril de 1506. Vale a pena evocar essa violência intolerável e o gesto de reconciliação do Cardeal D. José Policarpo, em 26 de Setembro de 2000, que afirmou, designadamente: «Este centro histórico de Lisboa, onde solenemente nos abraçamos, foi no passado palco de violências intoleráveis contra o povo hebreu. Nem devemos esquecer, neste lugar, a triste sorte dos “cristão-novos”, as pressões para se converterem, os motins, as suspeitas, as delações, os processos temíveis da Inquisição.
Como comunidade maioritária nesta cidade, há perto de mil anos a Igreja Católica reconhece profundamente manchada a sua memória por esses gestos e palavras, tantas vezes praticados em seu nome, indignos da pessoa humana e do Evangelho que ela anuncia…».
Lisboa tem-se afirmado nas últimas décadas como uma das cidades de Europa onde mais se tem desenvolvido o diálogo inter-religioso, como uma grande metrópole cosmopolita.
Como cidadão só posso dizer que considero que devemos trabalhar para concretizar este projecto, que representa um contributo insubstituível para construir uma Lisboa futura que seja uma terra de harmonia.

1 comentário:

Marco Oliveira disse...

Poucas semanas depois do encontro inter-religioso na Mesquita de Lisboa (onde esteve presente o Dalai Lama) as comunidades religiosas encontraram-se novamente no Cemitério Israelita. Claro que todos preferíamos que não tivesse havido motivo para este segundo encontro.

Mas estes dois momentos, o sentimento de unidade e solidariedade entre as comunidades religiosas foi muito forte. Talvez Portugal seja um exemplo para o mundo. Talvez isto seja a prova de que Saramago se enganou quando disse que Portugal já não tem motivo para existir e que a sua missão está cumprida.