A identidade de Jesus suscita actualmente novas reflexões e alimenta vivos debates. O recém divulgado Evangelho de Judas pela National Geographic Society vem acrescentar-se ao debate sobre as relações de Jesus e Madalena na sequência das questões a este respeito suscitadas pelo livro de Dan Brown “O Código Da Vinci”. Tudo isto teve o inquestionável aspecto positivo de fazer sair da sombra do esquecimento os Evangelhos Apócrifos e dar a conhecer a história esquecida e silenciada de correntes e grupos cristãos, que ficaram em minoria e foram apagados das histórias mais comummente divulgadas.
O aspecto negativo é que juntamente com tudo isto surgem em livros sem qualidade, as teses mais fantasistas. Mas tudo isto é natural em sociedades livres e democráticas. O que é importante é que este clima cultural nos ajuda a reler com olhos novos os quatro Evangelhos que fazem parte do cânon cristão e nos leva a procurar proceder de uma forma mais radical à identificação de Jesus. Este contexto permite também, por vezes, divulgar, alguma coisa da nova reflexão exegética e teológica sobre Jesus.
O Público de sexta-feira, 14 de Abril, merece uma leitura atenta por divulgar muito do actual questionamento sobre Jesus. É um trabalho notável organizado por António Marujo.
Permito-me referir, de novo, dois livros, que considero exemplares desta nova reflexão, “A Construção de Jesus” de José Tolentino de Mendonça, edição Assírio e Alvim e os “Escritos de São João” de Joaquim Carreira das Neves, edição Universidade Católica Portuguesa.
As opiniões de Joaquim Carreira da Neves sobre o Evangelho de Judas são, aliás, referidas nos interessantes artigos publicados na revista Actual do Expresso de 8 de Abril, organizados, oportunamente, por Mário Robalo.
Os artigos publicados no “Público”, referem algumas das teses inovadoras de José Tolentino de Mendonça, designadamente a de que Jesus foi crucificado pela forma como comia, muitas vezes, com publicanos e outros que eram considerados pecadores. Jesus sugere que se convidem para as refeições não os amigos, a família ou os vizinhos, mas antes «os pobres, os aleijados os coxos e os cegos». Essas experiências de «confronto» nas refeições com os fariseus traduzem a recusa de uma «religiosidade assente na exclusão», como refere José Tolentino de Mendonça, no Público
Estas questões levam-nos a ler com uma atenção vigilante as narrativas sobre a vida, paixão, morte e ressurreição de Jesus, que fazem parte da liturgia da Páscoa.
Todas aquelas palavras nos sacodem. Este ano, impressionou-me particularmente o realismo como é descrita a forma como Jesus se confrontou com a percepção da sua própria morte, a sua agonia em Getsémani, quando o evangelista Marcos refere: Tomando Consigo a Pedro, Tiago e João, começou a sentir pavor e a angustiar-Se. E disse-lhes «A Minha alma está numa tristeza de morte; ficai aqui e vigiai». Adiantando-Se um pouco, caiu por terra e orou para que, se fosse possível, passasse d’Ele aquela hora. E disse: «Abba», Pai, tudo Te é possível, afasta de Mim este cálice! Contudo, não se faça o que eu quero, mas o que Tu queres». (Mc, 14,33-36)
O facto de surgirem novas questões sobre a identidade do judeu Jesus, só é possível porque há liberdade de expressão e de crítica, o que nos permite perceber o que Jesus significa para cada um de nós. A resposta à pergunta sobre a identidade de Jesus tem de ser livre pessoal e consciente.
PS. Aproximando-nos de mais um aniversário do massacre dos cristãos-novos de Lisboa, ocorrido em 19 de Abril de 1506, não posso deixar de tomar partido sobre o debate em curso na blogosfera. A história de Lisboa e de Portugal tem momentos de que nos podemos orgulhar, mas também tem datas que evocam acontecimentos de uma imensa brutalidade, que nos envergonham.
Estou solidário com o que sobre este massacre escreveram Nuno Guerreiro, João Miguel Almeida, e Marco Oliveira.
A Inquisição tal como a Escravatura foram realidades que não podemos varrer da nossa memória
Há sim que purificar a memória. Recordo aqui as palavras proferidas por D. José Policarpo em 26 de Setembro de 2000, às portas da igreja de S. Domingos, à saída de uma Oração Ecuménica:
“Este centro histórico de Lisboa, onde fraternalmente nos abraçamos, foi no passado palco de violências intoleráveis contra o povo hebreu. Nem devemos esquecer, neste lugar, a triste sorte dos «cristãos novos» as pressões para se converterem, os motins, as suspeitas, as delações, os processos temíveis da Inquisição.
Como comunidade maioritária nesta cidade, há perto de mil anos, a Igreja Católica reconhece profundamente manchada a sua memória por esses gestos e palavras, tantas vezes praticados em seu nome, indignos da pessoa humana e do Evangelho que ela anuncia.
Em atitude de conversão pessoal e comunitária, quero retomar hoje, solenemente, perante Deus e diante de todos vós, a advertência do Concílio Vaticano II:
A Igreja Católica em Lisboa «reprova como contrária ao espírito de Cristo qualquer discriminação, ou qualquer perseguição feita por questão de raça ou de cor, de condição de vida ou de religião. E … roga ardentemente aos [seus fiéis] que … façam quanto deles depende para estarem em paz com todos (cf. Rom 12,18), de modo que sejam verdadeiramente filhos do Pai que está nos céus (cf. Mt 5,45)» (Nostra Aetate, 5)”
Iniciativas como a do Nuno Guerreiro só podem merecer apoio.
Penso que seria de assinalar, de uma forma duradoura, no Rossio não só os crimes cometidos contra os judeus portugueses, mas também as palavras expressas por D. José Policarpo.
O aspecto negativo é que juntamente com tudo isto surgem em livros sem qualidade, as teses mais fantasistas. Mas tudo isto é natural em sociedades livres e democráticas. O que é importante é que este clima cultural nos ajuda a reler com olhos novos os quatro Evangelhos que fazem parte do cânon cristão e nos leva a procurar proceder de uma forma mais radical à identificação de Jesus. Este contexto permite também, por vezes, divulgar, alguma coisa da nova reflexão exegética e teológica sobre Jesus.
O Público de sexta-feira, 14 de Abril, merece uma leitura atenta por divulgar muito do actual questionamento sobre Jesus. É um trabalho notável organizado por António Marujo.
Permito-me referir, de novo, dois livros, que considero exemplares desta nova reflexão, “A Construção de Jesus” de José Tolentino de Mendonça, edição Assírio e Alvim e os “Escritos de São João” de Joaquim Carreira das Neves, edição Universidade Católica Portuguesa.
As opiniões de Joaquim Carreira da Neves sobre o Evangelho de Judas são, aliás, referidas nos interessantes artigos publicados na revista Actual do Expresso de 8 de Abril, organizados, oportunamente, por Mário Robalo.
Os artigos publicados no “Público”, referem algumas das teses inovadoras de José Tolentino de Mendonça, designadamente a de que Jesus foi crucificado pela forma como comia, muitas vezes, com publicanos e outros que eram considerados pecadores. Jesus sugere que se convidem para as refeições não os amigos, a família ou os vizinhos, mas antes «os pobres, os aleijados os coxos e os cegos». Essas experiências de «confronto» nas refeições com os fariseus traduzem a recusa de uma «religiosidade assente na exclusão», como refere José Tolentino de Mendonça, no Público
Estas questões levam-nos a ler com uma atenção vigilante as narrativas sobre a vida, paixão, morte e ressurreição de Jesus, que fazem parte da liturgia da Páscoa.
Todas aquelas palavras nos sacodem. Este ano, impressionou-me particularmente o realismo como é descrita a forma como Jesus se confrontou com a percepção da sua própria morte, a sua agonia em Getsémani, quando o evangelista Marcos refere: Tomando Consigo a Pedro, Tiago e João, começou a sentir pavor e a angustiar-Se. E disse-lhes «A Minha alma está numa tristeza de morte; ficai aqui e vigiai». Adiantando-Se um pouco, caiu por terra e orou para que, se fosse possível, passasse d’Ele aquela hora. E disse: «Abba», Pai, tudo Te é possível, afasta de Mim este cálice! Contudo, não se faça o que eu quero, mas o que Tu queres». (Mc, 14,33-36)
O facto de surgirem novas questões sobre a identidade do judeu Jesus, só é possível porque há liberdade de expressão e de crítica, o que nos permite perceber o que Jesus significa para cada um de nós. A resposta à pergunta sobre a identidade de Jesus tem de ser livre pessoal e consciente.
PS. Aproximando-nos de mais um aniversário do massacre dos cristãos-novos de Lisboa, ocorrido em 19 de Abril de 1506, não posso deixar de tomar partido sobre o debate em curso na blogosfera. A história de Lisboa e de Portugal tem momentos de que nos podemos orgulhar, mas também tem datas que evocam acontecimentos de uma imensa brutalidade, que nos envergonham.
Estou solidário com o que sobre este massacre escreveram Nuno Guerreiro, João Miguel Almeida, e Marco Oliveira.
A Inquisição tal como a Escravatura foram realidades que não podemos varrer da nossa memória
Há sim que purificar a memória. Recordo aqui as palavras proferidas por D. José Policarpo em 26 de Setembro de 2000, às portas da igreja de S. Domingos, à saída de uma Oração Ecuménica:
“Este centro histórico de Lisboa, onde fraternalmente nos abraçamos, foi no passado palco de violências intoleráveis contra o povo hebreu. Nem devemos esquecer, neste lugar, a triste sorte dos «cristãos novos» as pressões para se converterem, os motins, as suspeitas, as delações, os processos temíveis da Inquisição.
Como comunidade maioritária nesta cidade, há perto de mil anos, a Igreja Católica reconhece profundamente manchada a sua memória por esses gestos e palavras, tantas vezes praticados em seu nome, indignos da pessoa humana e do Evangelho que ela anuncia.
Em atitude de conversão pessoal e comunitária, quero retomar hoje, solenemente, perante Deus e diante de todos vós, a advertência do Concílio Vaticano II:
A Igreja Católica em Lisboa «reprova como contrária ao espírito de Cristo qualquer discriminação, ou qualquer perseguição feita por questão de raça ou de cor, de condição de vida ou de religião. E … roga ardentemente aos [seus fiéis] que … façam quanto deles depende para estarem em paz com todos (cf. Rom 12,18), de modo que sejam verdadeiramente filhos do Pai que está nos céus (cf. Mt 5,45)» (Nostra Aetate, 5)”
Iniciativas como a do Nuno Guerreiro só podem merecer apoio.
Penso que seria de assinalar, de uma forma duradoura, no Rossio não só os crimes cometidos contra os judeus portugueses, mas também as palavras expressas por D. José Policarpo.
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