domingo, setembro 25, 2005

NINGUÉM NASCE SEM DIREITOS

Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos, como se proclama no art.1º da Declaração Universal dos Direitos do Homem. Vale a pena recordá-lo porque há tendência a esquecê-lo quando se trata de imigrantes em situação irregular, vulgo sem papéis. Um imigrante sem papéis também tem os direitos inerentes à sua dignidade como ser humano, não tendo todos os direitos de um imigrante em situação regular, particularmente, o direito de permanecer legalmente no País se não for de alguma forma regularizado. Era isso que defendi em 1998, com Luís Nunes da Almeida, em “Les Droits et Libertés des Étrangers en Situation Irrégulière”, in Annuaire Internationaln de Justice Constitutionnelle, Economica, Presses Universitaires d’Aix-Marseille, 1998.
Se isto é verdade para todos os seres humanos não pode haver dúvidas que o é para as crianças filhas de imigrantes em situação irregular. No que se refere às crianças vale a pena ter presente que a Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos das Crianças, ratificada por Portugal é directamente aplicável na ordem interna e estabelece que os “Estados Partes comprometem-se a respeitar e a garantir os direitos previstos na presente Convenção a todas as crianças (menores de 18 anos cf. artigo 1º), que se encontrem sujeitas à sua jurisdição, sem discriminação alguma, independentemente de qualquer consideração de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política, ou outra da criança, de seus pais ou representantes legais, ou da sua origem nacional, étnica ou social, fortuna, incapacidade, nascimento ou qualquer outra situação” (nº1 do artigo 2º).
É reconhecido à criança pela Convenção citada no parágrafo anterior o “direito à educação tendo em vista, nomeadamente assegurar progressivamente o exercício desse direito na base da igualdade de oportunidades” e, em especial, “tornar o ensino primário obrigatório e gratuito para todos”.
A Resolução do Conselho e dos Representantes dos Governos dos Estados-membros, reunidos no Conselho, de 23 de Outubro de 1995, sobre a resposta dos sistemas educativos aos problemas do racismo e da xenofobia determina que “…todas as crianças incluindo os filhos dos requerentes de asilo e de imigrantes ilegais, tem direito a uma escolaridade básica”. (JOCE 312 de 23/11/1985).
Estamos longe de ter tirado todas as consequências da Convenção sobre os Direitos das Crianças para a legislação e, sobretudo, para a prática social. Sobre as crianças indocumentadas nas escolas portuguesas, o Grupo de Trabalho Interministerial, criado pela Resolução do Conselho de Ministros nº 48/2000, de 13 de Abril, aprovou uma resolução que está longe de estar a ser totalmente aplicada (vide, Relatório da Actividades do ACIME, 1999-2002). Estou certo que a actual Ministra da Educação, a Professora Maria de Lurdes Rodrigues, com a inteligência e sensibilidade que tem demonstrado, não deixará de dar passos em frente nesta área.
A ignorância e a insensibilidade dos agentes políticos e administrativos nesta matéria continuam a estar muito espalhadas.
Um exemplo recente foram as insólitas afirmações da candidata à Câmara de Lisboa do CDS/PP, Maria José Nogueira Pinto, no debate realizado no passado dia 11 de Setembro com Manuel Maria Carrilho na SICNotícias no qual defendeu que as “crianças filhas de imigrantes ilegais” não teriam acesso à escola antes do início do processo de legalização dos pais. É um desconhecimento da legislação em vigor, mas é, sobretudo, uma chocante manifestação de insensibilidade social. Manuel Maria Carrilho, demonstrou melhor preparação em matéria de direitos humanos e sensibilidade social, defendeu o direito de todas as crianças, incluindo as crianças em situação irregular à escola, sublinhando que os Direitos das Crianças sobrelevam sobre tudo o mais.
Como escreveu Rui Pena Pires a propósito das crianças em situação irregular no seu post do passado dia 23 de Setembro no blogue ocanhoto.blogspot.com “se filho de peixe é peixe, filho de ilegal é gente. E gente com todos os direitos”.
Ora o acesso à educação é apenas um desses direitos, como o é o direito ao benefício dos cuidados de saúde É uma técnica jurídica burocrática e ineficaz condicionar o exercício desses direitos à pré-inscrição num registo nacional de menores que se encontrem em situação irregular, cabendo o tratamento e manutenção dos dados recolhidos ao Alto-Comissário para a Imigração e Minorias Étnicas, como o prevê o Decreto-Lei nº67/2004, de 25 de Março. Comprova-o o facto de apenas umas escassas centenas de crianças constarem actualmente do registo, quando todos sabemos que há milhares de crianças nessa situação. Não nos podemos resignar a essa situação, nem ao facto de crianças nascerem em situação irregular e permanecerem em situação irregular.
Não nos podemos esquecer que todos os seres humanos nascem com direitos e que sendo nós dotados de razão e consciência devemos agir uns para com os outros em espírito de fraternidade.

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