A situação difícil que se vive no Iraque, a incapacidade da administração americana responder com eficácia às consequências do furacão Katrina em Nova Orleães, o recente acordo entre a União Europeia e a China, são acontecimentos que se inserem no processo em curso de emergência de uma nova ordem internacional.
É hoje evidente que a intervenção dos Estados Unidos no Iraque, à margem das Nações Unidas, a que sempre me opus como cidadão, foi agravada pelos erros cometidos depois da invasão e ocupação, com destaque para a total destruição do Estado e da ordem pública bem patente na pilhagem dos museus iraquianos, na destruição total do exército e na marginalização total de todos os membros do Partido Baas sem ter a preocupação de identificar os que estivessem dispostos a participar na nova situação política então criada. A intervenção não conduziu a uma democracia estável, mas sim a uma situação muito difícil do ponto de vista da segurança não só no Iraque, mas em toda a região. Teve ainda como efeitos colaterais perversos o recrudescimento do terrorismo e o reforço dos sectores mais conservadores no xiismo iraniano.
Foi evidente para os cidadãos de todo o mundo a incapacidade depois demonstrada pela administração americana sob a liderança do presidente Bush em assumir e responder com eficácia às consequências trágicas do furacão Katrina. Quando vi na televisão os milhares de cidadãos abandonados à sua sorte em Nova Orleães, que gritavam por socorro, tive uma profunda sensação de incómodo. Eram na sua esmagadora maioria negros, descendentes dos escravos arrancados a África para erguer as bases do que é hoje a economia americana, que gritavam por ajuda juntamente com alguns brancos pobres, na sua maioria idosos. “Somos americanos” gritava uma velha senhora negra. É possível que estes acontecimentos marquem uma nova vaga de movimentos pelos direitos cívicos, face à incapacidade demonstrada pelo multiculturalismo à americana e as discriminações positivas para incluir os mais pobres no sistema. Para além disso, demonstraram-se as consequências das doutrinas que defendem o enfraquecimento das funções do Estado, a dificuldade em articular competências locais, regionais e nacionais, e sobretudo, a fragilidade do governo americano em assegurar a segurança pública aos seus cidadãos. É difícil prever as consequências graves para a imagem internacional dos Estados Unidas resultante da incapacidade de ter, por exemplo, elaborado e executado um plano de evacuação da cidade.
A insensibilidade da administração americana estende-se às causas das crescentes alterações climáticas, que tornarão mais frequentes tragédias como o furacão Katrina, mantendo-se intransigente na não ratificação do Protocolo de Quioto.
Outro facto de importância inegável para o futuro é o acordo alcançado entre a União Europeia e a China sobre os têxteis, apesar das reservas formuladas por países como a França e a Espanha, e que é bem demonstrativo da importância que a Comissão Europeia e a União sob a Presidência de Tony Blair dão à manutenção de uma relação privilegiada entre a União Europeia e a China quer do ponto de vista económico, quer do ponto de vista político. O volume das trocas económicas é cada vez mais importante em outras matérias para além dos têxteis e mal estarão os países europeus que não tiverem bens para vender no vasto mercado chinês. A China é e será cada vez mais a mais importante das novas potências emergentes, mas outras se seguirão como a Índia e o Brasil.
Todos estes acontecimentos têm sido acompanhados de uma procura crescente do petróleo e do aumento do barril de crude, o que torna prioritário a nível mundial uma aposta decidida no desenvolvimento das energias alternativas.
É neste contexto que me interrogo se a intervenção americana no Iraque não terá representado o fim do período dos Estados Unidos como única grande potência hegemónica. Estamos no início de um processo longo, complexo e recheado de perigos de emergência de uma nova ordem internacional, em que várias potências e realidades regionais, como a União Europeia, irão ter um papel crescente na definição de novas regras em áreas estratégicas como o comércio internacional, a protecção do meio ambiente, o combate à fome, à pobreza e às intolerantes desigualdades existentes na repartição da riqueza, a prevenção de pandemias, o combate ao terrorismo, a promoção de todos os direitos humanos e de maior igualdade de género.
domingo, setembro 11, 2005
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