domingo, setembro 04, 2005

MANUEL ALEGRE - UMA AGENDA DE ALTERNATIVA E DE ESPERANÇA

É inegável que Portugal atravessa um momento de desânimo e de falta de confiança no futuro, apesar de esforços do governo para contribuir para a ultrapassar esta situação.
Neste contexto a intervenção de Manuel Alegre no passado dia 30 de Agosto, em Viseu, foi seguida com muita atenção a nível do País e animará muitos debates futuros. Não se limitou a ser uma clarificação da sua posição face às eleições presidenciais, foi também uma análise lúcida da situação do País, esboçando simultaneamente uma agenda de alternativa e de esperança, que merece ser analisada e comentada.
Considerou que Portugal atravessa uma crise muito grave, que não se reduz ao défice das finanças públicas ou às dificuldades da nossa economia perante a globalização Identificou expressões de uma crise do Estado “que por sua vez é fruto de uma crise da sociedade, da confusão e ausência de valores, do declínio do espírito de serviço público, do facilitismo, da negligência, do egoísmo”, que pode transformar-se numa crise de regime. Traçou por isso o que considerou dever ser o papel capital do Presidente da República e considerou que as próximas eleições presidenciais “deveriam ser uma oportunidade para a renovação e revitalização da nossa vida política segundo critérios e métodos autenticamente republicanos.”Acrescentou que ao Presidente da República cabe o magistério de procurar restabelecer “ a confiança dos portugueses em si mesmos, no seu país, nas suas instituições democráticas” e simultaneamente “despertar as energias criadoras da sociedade, defender a solidariedade contra os egoísmos, o gosto e o brio no trabalho, o espírito de serviço contra o desleixo e o salve-se quem puder, a sobriedade, a exigência de rigor contra os excessos do novo riquismo, do dinheiro fácil e de todas as formas de negligência e de impunidade.”Sublinhou a necessidade dar à política uma dimensão cultural.
Registo algumas das suas palavras a que voltarei para as comentar nos próximos meses: “Na Europa do mercado, o nosso país conta pouco. Mas Portugal tem uma História, uma língua, uma cultura e uma ligação inapagável às várias partes do mundo por onde passou e onde hoje se fala português. É opor isso que, entre países do mesmo peso demográfico, Portugal é o único que pode ser um actor global. É essa a função do Presidente da República dar: dar à representação externa a dimensão de um novo patriotismo, a dimensão da História, da cultura e da língua portuguesa, porque essa foi, é e continua a ser a nossa riqueza principal.
Ao Presidente da República cabe a responsabilidade de preservar o actual quadro democrático-constitucional e ao mesmo tempo impulsionar a renovação do funcionamento do sistema político, que é a única forma de os portugueses voltarem a acreditar.”
Procurei, de forma pessoal e discutível, sublinhar aspectos que considero essenciais da análise feita por Manuel Alegre da situação política actual e explicitar como é que uma leitura sem complacência da actual crise pode simultaneamente criar “uma expectativa de alternativa e de esperança.” Intencionalmente deixei de lado a interpretação das suas palavras sobre a questão da candidatura presidencial, até porque o disse em bom português.
Entendi valorizar uma agenda política que desperta crescente atenção de sectores alargados da sociedade portuguesa por um razão simples, porque sabe dar o nome às coisas e faz apelo ao que há de melhor em cada um de nós. È por tudo isto que Eduardo Prado Coelho intitulou certeiramente a sua crónica sobre este discurso como “O discurso interrompido” (Público, 1 de Setembro de 2005).
Como diz o Livro de Qohelet, também conhecido por Eclesiastes: “Todas as coisas têm o seu tempo”.

Sem comentários: