domingo, maio 22, 2005

AS CRIANÇAS TÊM DIREITOS

A sociedade portuguesa tem vindo a tomar consciência dolorosamente das violências que tem permitido silenciosamente, por desatenção e omissão, que sejam infligidas a milhares de crianças anos após anos.
Foi primeiro a tomada de consciência dos crimes pedófilos que ninguém via e que de repente se começaram a tornar visíveis, a provocar indignações e processos.
Nos últimos meses surgiram outro tipo de situações em que familiares próximos foram constituídos arguidos acusados de terem assassinado os seus filhos. Tudo isto é difícil de olhar de frente.
Todos fomos educados na defesa dos direitos dos pais relativamente à educação e ao cuidar dos filhos e custa admitir que algumas famílias podem ser um perigo para as crianças, ao ponto de as poderem inclusive assassinar. Os dados divulgados pelo Comissão Nacional de Protecção das Crianças e Jovens em Risco devem inquietar-nos. Nos últimos cinco anos 14 mil menores sofreram situações de abandono e negligência da parte dos pais. Verificaram-se mais casos de negligência, de maus tratos físicos e psicológicos, de abandono escolar, que deram origem a um maior número de processos. Foram também registados casos de prostituição infantil e de pornografia infantil, consumo de estupefacientes e consumos excessivos de álcool, abuso sexual e exposição a comportamentos desviantes.
Não creio que possamos saber com rigor se tratou-se de um efectivo agravamento da situação, de um melhor funcionamento dos sistemas de protecção de crianças e jovens em risco, ou de uma maior abertura a enfrentar a realidade por parte da sociedade e da comunicação social.
Tudo isto exige respostas de proximidade, a intervenção dos técnicos, dos curadores de menores, mas essas intervenções parcelares deveriam inserir-se numa política inovadora para as famílias, que tem que enfrentar os desafios provocados pela maternidade precoce, pelo empobrecimento e sobreendividamento crescentes, pelas famílias monoparentais por opção ou por abandono de um dos seus membros.
Continuamos, contudo, desatentos a outras violências, por vezes subtis, cometidas sobre crianças pelo facto de estarem em situação irregular no país. É certo que se criou um registo para estas crianças junto ao ACIME (Alto Comissariado para a Imigração e Minorias Étnicas) para que dessa forma possam ter acesso à escola e à saúde. Mas faz sentido que crianças nascidas em Portugal, filhas de imigrantes em situação irregular, continuem a nascer ilegais, enquanto em Espanha em situação idêntica nascem, e bem, espanholas. O acesso à escola de toda e qualquer criança com ou sem registo é, aliás, um imperativo legal resultante da aplicação da Convenção sobre os Direitos das Crianças das Nações Unidas, há muito ratificada por Portugal, e qualquer obstáculo constitui uma ilegalidade e deve ser alvo de denúncia e sanção.
Não haverá crianças em Portugal sem estarem inscritas no Registo Civil, sem que o seu direito ao nome e a adquirir uma nacionalidade esteja assegurado?
Outro dado que nos deve fazer reflectir é o número de crianças, vítimas de abandono e de maus tratos na família, que já cometeram crimes. Segundo dados publicados na imprensa 1500 crianças com idades inferiores a 16 anos já cometeram crimes.
Tudo isto exige políticas activas de educação sexual e de planeamento familiar. O número de crianças que se tornaram mães precoces e pais ausentes é a constatação de que até hoje os esforços de muitas associações que têm trabalhado nesta área não conseguiram um grau razoável de eficácia. Há que apoiar mais e complementar por parte das instituições públicas a sua acção. Ninguém ignora que uma maternidade inesperada de uma jovem com escassos rendimentos significa, na maioria dos casos, um destino de baixo nível de qualificações profissionais, precariedade de emprego e pobreza. Cuidar das crianças, de todas as crianças que vivem em Portugal, independentemente da sua origem, de serem ou não portuguesas, assegurar a efectividade dos direitos que lhes são reconhecidas na Convenção sobre os Direitos das Crianças das Nações Unidas tem de ser uma prioridade nacional, do Estado e dos cidadãos. É, além disso, o melhor investimento que se pode fazer num futuro de justiça e segurança para todos.

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