domingo, abril 24, 2005

VER, JULGAR E AGIR

A eleição do Cardeal Joseph Ratzinger como novo Papa foi recebida por muitos com surpresa e desapontamento. Um ensaísta europeu reputado como Tomthy Garton Ash acrescentou mesmo que a sua eleição era motivo de júbilo para os ateus, prevendo que no fim do seu pontificado "a Europa será provavelmente mais islâmica do que agora nas regiões mais pobres e mais secular do que nunca nas mais ricas" (vide, "Europa de São Bento a Bento XVI", Público, 22 de Abril de 2005).
Pela minha parte, recebi a notícia, com surpresa, mas com total serenidade. Os caminhos abertos por João Paulo II não poderão ser fechados. Cabe a cada um dos que com eles se identificam agir nesse sentido. Atrevo-me, aliás, a pensar que outros caminhos serão abertos.
O escritor Nuno Júdice num interessante depoimento dado quando do falecimento de João Paulo II previu (e acertou) que o novo Papa viria da Europa e afirmando: "Neste momento, a Europa está e atravessar uma crise cultural e política e, se a Igreja tivesse alguém que não viesse do espaço europeu, isso contribuiria ainda mais para a afastar dos grandes centros de decisão" (vide, Diário de Notícias, 3 de Abril de 2005). Naturalmente havia outros cardeais europeus, empenhados na Nova Evangelização, como D. José Policarpo, que estariam à altura deste desafio. O que julgo é que há uma inegável crise cultural e política na Europa, sendo certo que a Igreja de Cristo tem de estar ao serviço da salvação de todos os seres humanos e não apenas de uma parte deles ou de um qualquer continente.
Julgo que o mais importante não é fazer cenários e profecias religiosas ou laicas, mas com humildade, acolher as palavras e os actos de Bento XVI e procurar ler os sinais que objectivamente transmitem. Se me permitem seguir o método da Acção Católica, «ver, julgar e agir», que tanto ensinou a milhares de cristãos em Portugal e no Mundo e que tão útil pode ainda ser.
Ora o que vimos até agora foi um Papa que na sua primeira mensagem adoptou um tom de humildade e fez apelo a colegialidade episcopal, assumindo "como compromisso primário o de trabalhar sem poupar energias na reconstituição da plena e visível unidade de todos os seguidores de Cristo", acrescentando que são precisos gestos, não bastam manifestações de bons sentimentos, diálogo teológico ou aprofundamento das motivações históricas e acrescenta que é diante do Juízo de Cristo".. que cada um de nós deve colocar-se, na consciência de ter um dia de dar-lhe contas de tudo aquilo que fizeram ou não em vista do grande bem da plena e visível unidade de todos os discípulos".
Não é por acaso que na missa da inauguração do pontificado participaram, o metropolita Crisóstomo de Éfeso, em representação do Patriarca Ortodoxo de Constantinopla, Bartolomeu I e, pela primeira vez, o Arcebispo de Cantuária, Rowan Williams. Não é difícil adivinhar novos passos para a unidade com ortodoxos e anglicanos.
Vimos também que dirigiu palavras de afecto aos que seguem outras religiões ou que simplesmente procuram uma resposta às perguntas fundamentais da existência e ainda não a encontraram. Reafirmou também a intenção de prosseguir com dedicação o promissor diálogo de civilizações. Só o futuro dirá se estes propósitos significarão prioridade absoluta ao ecumenismo cristão e um prosseguimento mais lento do diálogo inter-religioso, bem como um acentuar de um diálogo com os não-crentes, como o que o Cardeal Ratzinger teve com Jürgen Habermas.
Se assim viesse a ser haveria que contribuir pela acção para avivar o espírito de Assis, mas pode não ser assim, Bento XVI pode ter apenas pretendido dar a prioridade que deve ter a reconstituição da plena e visível unidade dos seguidores de Cristo.
Merece ser lida pela sua frescura a mensagem com que o novo Presidente da Conferência Episcopal Portuguesa, D. Jorge Ferreira da Costa Ortiga, saudou o novo Papa Bento XVI afirmando "renovamos a fidelidade ao sucessor de Pedro, e queremos mergulhar na densidade de um projecto de atenção à modernidade, com os seus desafios (...) nas novidades ainda não assumidas do Concílio Vaticano II" e manifestando-se,"(...) empenhados em caminhar com todos, particularmente, com os jovens (...) escutando as suas expectativas no desejo de os ajudar a encontrar sempre com maior profundidade Cristo vivo, o eternamente jovem." (vide, www.ecclesia.pt ).
Merecem também atenção as próximas Conferências de Maio, promovidas pelo Centro de Reflexão Cristã (CRC), que têm como tema central "Boa Nova na Cidade Moderna", que se inserem claramente nesta linha pastoral.
Os novos tempos do pontificado do Papa Bento XVI não são tempos para demissões ou para desânimos são tempos para serenamente ver, julgar e agir, para acolher o não esperado e para mergulhar nas novidades ainda não assumidas do Concílio Vaticano II.

Sem comentários: