A poesia de José Tolentino Mendonça não tem "uma conotação imediatamente política", mas para ele, os insignificantes, os clandestinos, as prostitutas, "esses para quem nos custa olhar, esses que não queremos ver, são o reduto da poesia porque neles, na sua condição de vítimas, está o que resta da manhã, do sonho do próprio mundo", como afirmou na entrevista recente a Maria Leonor Nunes (vide, JL, Jornal de Letras, Artes e Ideias, XXV, nº899, pp.16-17).
O pretexto para essa entrevista foi a publicação de mais um belíssimo livro de poemas A Estrada Branca, que coincidiu com a edição e estreia da sua primeira peça teatral Perdoar Helena, que segue de perto à publicação da sua tese de doutoramento A Construção de Jesus.
O horizonte em que se insere a sua poesia é mais largo do que o de uma reflexão imediatamente política, mas penso que por isso mesmo é mais abrangente. Há já longos anos, quando muitos insistiam que tudo era política, aprendi com Eduardo Lourenço que "A política como Absoluto é o reino da Morte".
É justo recordar a propósito da poesia a memória de Maria de Lourdes Pintasilgo, que nela sempre buscou inspiração para a sua acção política. A poesia ajuda-nos a ver o real de forma mais clara e com o distanciamento necessário para entender o mistério das pessoas e o carácter paradoxalmente fraterno de todos os combates, já que só há uma única humanidade.
A poesia de José Tolentino Mendonça não tem uma conotação imediatamente política, mas alimenta a nossa determinação em dizer não ao intolerável sofrimento dos pobres e dos excluídos, a lutar pela dignidade de todos, incluindo os insignificantes.
Mas, não é apenas a sua poesia que não tem uma conotação imediatamente política, também a sua teologia não é uma teologia política, como o pretendia ser a teologia política, aliás, extremamente inspiradora, de um Johann Baptist Metz.
O ponto de partida de A Construção de Jesus é a narração do Evangelho de Lucas do episódio em que uma mulher inominada, que muitas vezes foi apressadamente confundida com Maria Madalena, conhecida como pecadora naquela cidade irrompe em casa de um fariseu que o tinha convidado para comer consigo e, traz um vaso de alabastro "colocando-se por trás dele e chorando, começou a banhar-Lhe os pés com lágrimas: enxugava-os com os cabelos e beijava-os, ungindo-os com perfume" (Lc.7,38-39). Tudo isto foi motivo escândalo para os convivas porque esta mulher inominada era reputada por eles como pecadora. Jesus não só não a afasta , como lhe diz que os seus pecados lhe estão perdoados, terminando por dizer "Salvou-te a tua fé. Vai em paz"(Lc.7,50). Que José Tolentino de Mendonça parta deste episódio para a compreensão de quem é Jesus, isto é, para a construção de Jesus é tanto mais significativo quanto o que chocou mais os convivas foi o perdão dos pecados. "Quem é este que até perdoa os pecados" (Lc.7,49), interrogam-se os convivas.
O perdão está também no centro da sua peça Perdoar Helena. Como refere José Tolentino Mendonça, na já citada entrevista, "A reflexão que proponho nesta peça é sobre a necessidade do perdão e como essa experiência se impõe, a dada altura à Humanidade e à História para ganhar o seu sentido pleno" (JL,p.17).
A atenção aos insignificantes e aos outros excluídos, a necessidade do perdão são dimensões que estão para lá da acção política imediata, das diversidade das opções face aos problemas e situações concretas.
Contudo, interrogo-me se para a construção de políticas que visem alcançar mais inclusão e fraternidade, não devemos ler e escutar com atenção as interpelações que nos coloca a poesia de José Tolentino Mendonça.
Não sendo imediatamente política, estando muito para além dela, pode iluminar a nossa acção política, repleta de aproximações e de actos frágeis e nos tornar mais determinados em construir uma sociedade, mais solidária e fraterna, que inclua todos e não deixe excluído a ninguém.
domingo, abril 03, 2005
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