domingo, abril 10, 2005

JOÃO PAULO II - PORTAS QUE NÃO PODEM SER FECHADAS

É um lugar comum dizer que o pontificado de João Paulo II tendo sido longo, foi também complexo, mas é mais justo dizer que abriu caminhos novos que não podem ser fechados. Gostaria de sublinhar apenas três: o pedido de perdão pelos pecados da Igreja; a defesa firme dos direitos dos imigrantes; o progresso do diálogo inter-religioso, particularmente entre o catolicismo, o judaísmo e o islamismo.
Durante as comemorações do Jubileu no ano 2000, João Paulo II teve a oportunidade de assumir um pedido público de perdão pelos pecados da Igreja, que abordou, de forma clara e concreta, em muitas visitas.
No seu encontro com a comunidade católica de Goréè afirmou relativamente ao "crime enorme" da escravatura: "...Aqueles homens, aquelas mulheres e aquelas crianças foram vítimas de um comércio vergonhoso, em que tomaram parte pessoas baptizadas, mas que não viveram a sua fé. Como esquecer os enormes sofrimentos infligidos, desprezando os direitos humanos mais elementares, às populações deportadas do continente africano? Como esquecer as vidas humanas anuladas pela escravidão? É preciso confessar com toda a verdade e humildade este pecado do homem contra o homem, este pecado do homem contra Deus". (vide, Direitos do Homem, de João XXIII a João Paulo II, ed. Principia).
João Paulo II esteve sempre também atento aos mais pobres dos pobres, às minorias, aos excluídos, sem recear enfrentar os preconceitos, defendendo com firmeza os direitos dos imigrantes. Para dar apenas um exemplo, insistia em que:"...se é verdade que os Países altamente desenvolvidos nem sempre estão em condições de absorver todos os que emigram , todavia temos de reconhecer que o critério para determinar o limite do suportável não pode ser a simples defesa do próprio bem-estar, esquecendo as reais necessidades de quem é dramaticamente constrangido a pedir hospitalidade"(vide, Migrações, Mensagens de João Paulo II, co-edição da Fundação de Ajuda à Igreja que Sofre e da Comissão Episcopal de Migrações e Turismo).
Num tempo em que o medo da concorrência dos produtos fabricados pelos mais pobres levaram ao recuo dos ideais internacionalistas, João Paulo II manifestou sempre uma compaixão sincera e profunda pelos dramas e angústias de toda a humanidade.
Fiel ao Concílio Vaticano II, no qual foi um dos participantes activos, deu continuidade pela sua prática à Gaudium et Spes e a muitas das suas orientações fundamentais. Não se limitou, por exemplo, ao respeito pelas religiões não-cristãs, mas promoveu, de forma profética, um verdadeiro diálogo inter-religioso, que foi mal recebido por muitos tradicionalistas e continua a ter muitas resistências passivas e, por agora, silenciosas. O encontro de Assis, no qual rezou pela paz com representantes de várias outras confissões e crenças religiosas, cristãs e não-cristãs, foi um marco na história contemporânea. Combateu séculos de preconceitos anti-semitas e de islamofobia no interior da Igreja.
O diálogo iniciado com o judaísmo e o islamismo é central para o futuro de respeito e de paz entre toda a humanidade. É uma das portas que não pode ser fechada e deveria ser alargada a todos os homens e mulheres que procuram a verdade, mesmo quando não reconhecem na origem dessa busca o apelo de Deus.
É verdade que manteve outras fechadas, que devem ser abertas: o sacerdócio feminino; o repensar da sexualidade e da ética; a necessidade de criar condições para um diálogo teológico sem exclusões no seio da Igreja. Tudo isto é verdade, mas não esconde a paixão com que se gastou a criar condições para que a esperança fosse um horizonte viável para tantos milhões de seres humanos, como abraçou a causa dos direitos humanos e da democracia.
Que não se fechem as portas que abriu e que outras venham a ser abertas é o voto de esperança que formulamos neste momento.

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