As declarações de D. José Policarpo sobre o casamento entre católicas e muçulmanos e as reacções que suscitaram, vieram demonstrar a necessidade de prosseguir e aprofundar o diálogo e o relacionamento entre católicos e muçulmanos em Portugal, que tem sido exemplar, como foi sublinhado, de imediato, pelo Padre Peter Stilwell, responsável pelas relações ecuménicas e pelo diálogo inter - religioso no Patriarcado de Lisboa.
Tendo promovido as primeiras iniciativas que envolveram católicos, muçulmanos e judeus no quadro do CRC (Centro de Reflexão Cristã), considero que o diálogo entre católicos e muçulmanos não deve escamotear as questões controversas, mas tem de ser desenvolvido no quadro de uma ética de responsabilidade e não alimentar um circo mediático, que muitos aproveitam para dar livre curso aos seus preconceitos.
Não ignoro o muito que tem sido feito para o diálogo e convivência fraterna por D. José Policarpo, e já tive oportunidade de me referir aqui à importância desse diálogo.
O mais contestável na declaração coloquial de D. José Policarpo, é não ter em conta que nas situações que referiu há dimensões culturais, que não se confundem com a fé dos crentes muçulmanos, que têm a ver com correntes culturais, políticas e religiosas islâmicas dominantes em determinadas sociedades não-democráticas.
A teóloga muçulmana ismaelita, Faranaz Keshavjee, num inteligente depoimento publicado no Público, de 15 de Janeiro de 2009, chama a atenção, com pertinência, para a existência de diferentes práticas, tradições e leituras de fé diferenciadas entre os 1,2 mil milhões de muçulmanos do mundo.
A pluralidade do islamismo, não é uma realidade apenas internacional, mas é algo que também existe entre nós, um país em que os muçulmanos, como também acontece com os judeus, não são apenas uma presença recente, mas têm raízes antigas na sociedade e cultura portuguesas. Muitas das figuras mais em evidência nas diferenças correntes e comunidades islâmicas em Portugal, são cidadãos portugueses de origem, não são imigrantes, o que lhes confere características específicas em termos europeus.
Faranaz Keshavjee faz uma afirmação que me parece essencial: «Conhecer os muçulmanos não passa só por ler o Alcorão, mas por conviver com eles e escutá-los». Tem toda a razão. Só se pode conhecer e só se pode gostar das pessoas com quem nos habituamos a conviver no dia a dia, com quem partilhamos com naturalidade as dificuldades e as esperanças.
A advertência sobre a necessidade de não ficarmos pela leitura do Alcorão, vale também para os muçulmanos que quisessem conhecer os católicos através da mera leitura da Bíblia. O «Deus dos Exércitos», de que se fala, por vezes, no Antigo Testamento, poderia não permitir perceber os ensinamentos de Jesus Cristo e dar uma ideia deformada do catolicismo, ou do cristianismo, em geral.
Nesta matéria é sempre útil, não nos focarmos pelos textos fundadores, mas perceber a forma como são lidos e têm sido apropriados no decorrer do tempo pelos crentes das diferentes confissões religiosas na sua vida quotidiana.
Recentemente realizou-se um importante encontro entre católicos e muçulmanos no Vaticano, como se pode ver aqui, que irá prosseguir num país de maioria muçulmana, como se pode ver aqui.
Católicos e muçulmanos, muçulmanos e católicos, estão condenados a dialogar entre si, a desenvolver uma cultura de respeito mútuo, e, em geral, de respeito pela liberdade religiosa.
O diálogo entre católicos e muçulmanos é um contributo incontornável para o respeito dos direitos humanos através do diálogo entre as grandes tradições religiosas da humanidade.
O diálogo deve ser também entendido como uma exigência de respeito pelo Deus Vivo que, independentemente das suas diferentes tradições, católicos e muçulmanos proclamam. Como poderemos anunciar Deus aos não - crentes, se não formos capazes de promover o diálogo, o respeito e a cooperação entre os crentes?
domingo, janeiro 18, 2009
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5 comentários:
O Professor Moisés Espírito Santo é que meteu o dedo na ferida: o diálogo religioso exige que se discuta doutrina e isso é difícil quando à mesa estão religiões dogmáticas.
Se não for além de encontros onde abundam abraços, discursos generalistas e gestos de boa vontade, vai ser sempre um diálogo com pézinhos de lã onde discussões académicas arriscam-se a acabar mal. O episódio daquele discurso do Papa numa universidade alemã foi um bom exemplo disso.
Depois do discurso de Bento XVI que referiu,já muito caminho foi realizado no diálogo católico-muçulmano. A visita de Bento XVI à Turquia e a sua oração na Mesquita Azul, virado para Meca, e mais recentemente a primeira reunião do fórum católico-muçulmano no Vaticano, que terá sua próxima reunião em Tripoli (Líbia) são apenas alguns exemplos.Há,contudo, que entender o seu comentário como uma exigência aos crentes, católicos e muçulmanos, para que testemunhem a sua fé no Deus único através da promoção do diálogo, do respeito mútuo e da cooperação entre si e entre todos os seres humanos. Tem razão, temos esse dever.Não creio, contudo, que estas sejam a preocupações do Professor Moisés Espírito Santo.
Não serão as preocupações do Professor Moisés nem são as minhas. O que eu disse foi no sentido de o diálogo entre religiões ter que passar também pelo saber aceitar críticas, mesmo que não se concorde com elas.
Certamente que há coisas que unem muçulmanos e cristãos, mas também há coisas os separam. Enquanto não se conseguir debater estas últimas sem ser com pézinhos de lã - quando se fala sequer delas - o diálogo vai ser sempre limitado e vai assumir contornos de uma espécie de exercício de ignorar o elefante na sala, para usar uma expressão inglesa. E isso tem um efeito contraproducente na construção de uma tolerância religiosa esclarecida e sincera, onde a declaração de discordância não pode ser vista como uma forma de intolerância.
Daí que o Professor Moisés não tenha deixado de meter o dedo na ferida ao apontar o dogmatismo como entrave ao diálogo.
Para que tudo fique claro, quero deixar três breves notas:
1-Concordo num ponto, o diálogo entre católicos e muçulmanos não deve escamotear as questões controversas, como escrevi.
2-Discordo, contudo, do Prof. Moisés Espírito Santo, quando ele, confrontado pelo jornalista do Correio da Manhã, de 15 de Janeiro de 2009, com a diversidade de direitos das mulheres na Bósnia, na Turquia e na arábia Saudita, respondeu que: «A religião é a mesma e determinas como a mulher se deve comportar em sociedade…». É uma afirmação dogmática e pouco rigorosa de um intelectual laico, que pode ser considerada como um entrave ao diálogo. As religiões não são abstracções, são experiências espirituais de pessoas concretas que procuram uma relação com Deus no quadro de diferentes tradições espirituais, a partir de culturas diversas.
Tenho a sorte de conhecer muitos muçulmanos, incluindo mulheres sunitas e ismaelitas, portuguesas e marroquinas, que se batem e vivem de acordo com os direitos humanos. Não posso por isso ignorar que existem práticas, culturas e leituras diferenciadas entre os muçulmanos.
Como do Professor Moisés Espírito Santo eu apenas referi o ponto sobre o diálogo entre religiões, posso, nesse caso, concluir que eu e você estamos de acordo.
Sobre a situação das mulheres nos países de maioria islâmica, o debate já é outro. Não que discorde de si, mas não quis entrar por aí.
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