domingo, novembro 23, 2008

ESTRATÉGIAS PARA A CULTURA EM LISBOA

Tenho defendido desde há alguns anos que Lisboa precisa de uma política cultural consequente, não elitista e participada. Pugnando por uma produção cultural com qualidade, há que valorizar as subculturas emergentes, normalmente associados a movimentos artísticos, muito jovens e muito diversos, que por vezes são relegados para uma marginalização que a cidade não pode aceitar.
Uma Lisboa cosmopolita tem de assumir a diversidade e abrir expectativas de vida com qualidade aos que nela habitam.
Considero muito positivo o desafio lançado aos cidadãos de Lisboa pela vereadora Rosália Vargas, responsável pelo pelouro da cultura em Lisboa, para participarem no processo de reflexão estratégica sobre o sector cultural, partindo de uma auscultação de diversos agentes culturais.
Após o diagnóstico, pretende-se desenhar e consensualizar as principais linhas estratégicas de actuação no campo cultural da cidade, definir programas de actuação, envolvendo os diversos actores culturais, económicos e institucionais da cidade para uma actuação comum coerente e consistente.
Pretende-se ultrapassar a situação existente no campo da cultura, em que as decisões eram tomadas sem uma base, de forma casuística e isolada.
Este é um projecto em que todos podem participar, tendo sido criado um sítio na Rede para dar conta das diferentes fases do processo de reflexão estratégica e para que possam dar o seu contributo, cujo endereço é http://cultura.cm-lisboa.pt/.
Uma das realidades que as estratégias para a cultura em Lisboa devem valorizar são as diferentes memórias da cidade, presentes na sua toponímia e inscritas, de diversa forma na vida da cidade, da Rua do Poço dos Negros e da Calçada do Poço dos Mouros aos santos negros da bela Igreja da Graça. Estão anunciadas iniciativas para recordar a presença muçulmana e judaica na vida da cidade, o que é muito positivo, mas não se deverá esquecer também a presença africana, que tem mais de quinhentos anos na cidade, de que Francisco Avelino Carvalho nos fala aqui.
A arte e a cultura podem ser veículos e instrumentos de inclusão social, se ao lado, da valorização de formas culturais profundamente enraizadas na cultura da cidade como o Fado, se criarem oportunidades para outras expressões culturais de qualidade, com que nos vêm enriquecendo os que se têm juntado aos lisboetas, vindos de outros países e/ou de outras regiões do país.
Os equipamentos existentes, designadamente, as pequenas salas de teatro das juntas de freguesia ou do município, para além das salas das colectividades, bem como o espaço público, são insuficientemente utilizados. É possível organizar programações no quadro das quais as expressões de qualidade dos migrantes tenham oportunidade de ser incluídas. Existem condições para que, através de protocolos com as escolas, se disponibilizem estes espectáculos a públicos mais jovens. As manifestações culturais de qualidade são destinadas a todos, não se destinam a públicos separados, como alguns estupidamente continuam a pensar.
Lisboa é, como o foi no passado, nos períodos em que foi uma cidade global, um espaço em que se cruzam cidadãos com diferentes identidades culturais, que vivem e trabalham lado a lado e dialogam entre si. São as pessoas que dialogam, não as culturas.
É uma cidade em que a diversidade cultural não se cristaliza em enclaves étnicos. É por isso uma cidade cosmopolita, que deve saber gerir e valorizar a diversidade. Para dar apenas alguns exemplos, a peça “Vento Leste” da actriz Natasha Marjanovic, sobre a qual podem ler aqui, a música de Nancy Vieira que podem ouvir aqui, são manifestações culturais que transportam memórias imigrantes. A música de Sara Tavares, a que já me referi aqui, que podem ouvir aqui, ou o hip hop de Sam the Kid (Samuel Mira) que podem ouvir aqui, são já expressões de culturas mestiças, que combinam diferentes inspirações de forma desenvolta e original. Todas devem ser consideradas como fazendo parte do património da cidade, mesmo quando a transcendem e permitem estabelecer laços com outra redes de cidades lusófonas, ibero-americanas ou europeias.
Muitos outros exemplos de grande qualidade poderiam ser dados de grupos teatrais, de dança, da literatura, do vídeo ou do cinema.
A diversidade cultural é uma mais-valia para a cidade, faz parte de sua imagem internacional, pode contribuir para projectar os seus grupos culturais e não tenhamos medo das palavras, criar oportunidades para as suas indústrias culturais.
Esperamos que as estratégias para a cultura de Lisboa, ajudem a potenciar e projectar toda a riqueza de criação cultural que se manifesta na cidade, afastando obstáculos burocráticos e dando-lhe visibilidade não só a nível da cidade, mas também a níveis nacional e internacional, contribuindo para a afirmação de Lisboa, novamente, como cidade global.

A imagem reproduz um quadro de Manuela Jardim, pintora, a que me referi aqui.

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