domingo, fevereiro 18, 2007

FLEXIGURANÇA - QUESTÕES PRÉVIAS

A flexigurança irá ser cada vez mais discutida nos próximos meses e não posso deixar de colocar algumas questões prévias ao seu debate.
Vivemos tempos de grandes desafios para os trabalhadores, em que é necessário tentar perceber o que são mudanças razoáveis tendo em conta as alterações da situação económica, social e cultural, quer a nível nacional, quer no quadro europeu e mundial, e que representa o aproveitamento desses processos para maior exploração e precarização das condições de trabalho.
A flexigurança é apresentada como uma solução mágica, importada da Dinamarca, com uma ligação a uma certa social-democracia “nórdica”, que seria uma alternativa ao liberalismo puro e duro e que permitiria articular de forma virtuosa flexibilidade e segurança. Naturalmente que o novo modelo abre as portas a maior flexibilidade nas contratações e despedimentos, mas promete maior apoio social no desemprego.
Temos de reconhecer que o ministro Vieira da Silva tem tido alguma prudência no tratamento desta matéria, chamando a atenção, designadamente, para as questões que coloca a sua “transferabilidade”, isto é, a determinação dos termos e condições em que tais estratégias podem funcionar em países com características culturais e com sistemas de emprego distintos dos países nórdicos.
Para justificar a introdução da flexigurança, entre nós, tem-se invocado a rigidez do mercado de trabalho e da legislação dos despedimentos.
Convém, contudo, ser mais rigoroso. A única área em que o despedimento é rodeado de maiores garantias do que em outros países europeus é a do despedimento individual com invocação de justa causa.
Os trabalhadores estão mais desprotegidos do que em muitos outros países europeus no que se refere aos despedimentos ditos por causas objectivas, como os justificados com a invocação de extinção dos postos de trabalho ou por despedimento colectivo e verificam-se muitos atropelos na forma como a legislação é aplicada pelas entidades patronais sem uma pronta intervenção da administração do trabalho, por falta de recursos humanos.
O mercado de trabalho português é, na prática, um dos mais flexíveis da Europa. Nele coexistem elevado grau de informalidade nas relações laborais em vários sectores de actividade, com crescente precarização do trabalho, particularmente, dos trabalhadores mais jovens, bem como, formas imaginativas de contornar os direitos dos trabalhadores por parte de muitas entidades empregadoras.
Para discutir a flexigurança é preciso ter também presente que o que se está a propor é uma nova forma da Segurança Social financiar a reconversão das empresas.
Nesta matéria é necessário fazer contas e dizer quanto custou e quanto continua a custar à Segurança Social o “emagrecimento” das empresas nos últimos anos, quantos milhões de euros estão a ser pagos e têm sido pagos a título de subsídio de desemprego para facilitar a cessação dos contratos de trabalho “por mútuo acordo, motivado pela necessidade de reduzir postos de trabalho”.
Não sabemos também quantos milhões de euros deixaram de entrar em contribuições para a Segurança Social com as reformas antecipadas na sequência do esgotamento do período de concessão de subsídio de desemprego.
Tudo isto teve grandes vantagens económicas para as empresas e foi muito importante para atenuar os prejuízos sofridos pelos trabalhadores abrangidos. O custo destas medidas foi, contudo, mais elevado para Segurança Social do que o montante das importâncias pagas pelo Fundo de Garantia Salarial para custear o pagamento das importâncias em dívida aos trabalhadores no caso de insolvência dos empregadores.
É justo dizer que esta legislação foi alterada pelo actual Governo que instituiu novas regras em matéria de subsídio de desemprego.
Não se devem adoptar novas soluções que favoreçam a rentabilidade das empresas à custa dor recursos afectos à Segurança Social, sem prejuízo de admitir que devemos estar abertos a considerar novas possibilidades de articulação entre o económico e o social.
Vivemos tempos de mudança em que as empresas e sobretudo os grupos de empresas têm uma grande plasticidade e recorrem à autonomização de algumas das suas actividades criando novas empresas e mudando as sedes dessas novas empresas para Espanha. Entre as causas dessas mudanças de sede estão razões fiscais, designadamente, o IVA mais elevado em Portugal e não a rigidez da legislação laboral.
É positivo que as centrais sindicais portuguesas, UGT e CGTP estejam decididas a tomar uma atitude proactiva nesta matéria e tenham constituído uma comissão conjunta para acompanhar de perto os assuntos considerados prioritários da Presidência Portuguesa da União Europeia e queiram discutir temas, como emprego, relações de trabalho e flexigurança.
Estaremos atentos e não deixaremos de dar o nosso contributo para estes debates.
O que está em causa não são apenas direitos ou garantias dos trabalhadores, são questões de cidadania.

3 comentários:

Filipe Tourais disse...

Sobretudo agora que os números do desemprego dispararam para números apenas vividos antes da nossa adesão à então CEE, é paradoxal combater desemprego com uma legislação que favoreça o despedimento individual. Era suposto que um Governo sustentado no Parlamento por um partido que, à partida, daria garantias de defesa a um modelo de desenvolvimento sustentado no bem-estar social e no privilégio de políticas de promoção do emprego e de justiça social, não deveria alinhar nesta moda neo-liberal que adapta a leitura da realidade a um discurso a ela hermético e sem fundamentação estatística e que preconiza soluções mágicas como o chavão flexigurança.
Rendemo-nos a tudo o que vem da UE, acriticamente. Seria muito mais adequada adoptar uma postura que levasse às causas primeiras de tudo isto, que é o dogma anti-proteccionista, o que coloca os trabalhadores europeus em concorrência com povos socialmente menos evoluídos, renegando todo um percurso histórico de conquistas e evolução sociais. A EU é um mercado apetecível para as potências asiáticas emergentes e aí residiria o nosso poder negocial para, em sede de OMC, exigirmos mais direitos laborais e respeito pelos direitos humanos nesses países. Ao contrário, submetemo-nos, e com isso vamos perdendo também aquilo que nos tornou um mercado apetecível, com elevados níveis de bem-estar e de poder de compra.

José Leitão disse...

Agradeço o seu comentário. Tenho um link permanente para o seu blogue, que leio sempre com atenção e proveito.
Considero que a luta pelo respeito dos direitos humanos e laborais em todo o mundo deve ser um objectivo para todos os que se reclamam de uma esquerda que seja verdadeiramente libertadora.
Está em discussão na China uma nova lei sobre o contrato de trabalho, como refere o Courrier Internacional, n.º98.Esta lei pode representar um avanço, mas não deixa de ser significativo que entre os que se lhe opõem se encontrem as empresas estrangeiras e as de Hong Kong. Esta opinião é, segundo refere o Courrier, partilhada pelo sítio americano Global Labor Strategies.
No número da revista que referi pode ler mais informação sobre esta matéria.
Quer isto dizer que temos que começar por denunciar as empresas americanas ou europeias que se opõem ao progresso do direito laboral chinês.Estou certo que partilha também destas preocupações.

Filipe Tourais disse...

Também partilho essas preocupações, claro. Sobretudo preocupa-me a desimformação e o desinteresse generalizado na nossa sociedade sobre o tema.
Agradeço a dica e a simpatia da resposta.