O filme “Babel” de Alejandro González-Iñárritu surpreendeu-me e deixou marcas profundas na minha sensibilidade. Devo dizer que não tinha expectativa especial relativamente a ele e por isso apenas o vi na semana passada.
O que desde logo me agarrou foi o olhar a partir de vários ângulos para pedaços da nossa condição humana contemporânea, foi dar-nos a ver em paralelo várias estórias, situadas em contextos culturais e sociais muito diferentes - Estados Unidos, México, Marrocos, Japão e faladas em francês, inglês, espanhol, japonês e árabe.
Progressivamente as várias estórias mostram os nexos que as ligam e que na sua diversidade se inserem na trama comum da nossa história. Não deixa de ser simbólico, e creio que carregado de alguma ironia, que o que as une seja a espingarda de caça que um rico caçador japonês deu, como prova de amizade, a um guia marroquino e que este vendeu a um vizinho.
Devo confessar que as dimensões políticas presentes no filme e que podem ser discutidas, não são para mim o mais importante.
Considero a política um instrumento para tornar possível, a liberdade de desabrochar a vida que todos trazem dentro de si, de concretizar o direito à felicidade.
O que me interessa no filme é o que reforça a nossa consciência metapolítica de uma comum pertença à humanidade. É a capacidade para nos dar a ver o que de mesmo se esconde no que é diferente. Apesar da metáfora bíblica de Babel, percebemos que “a descoberta da alteridade é a de uma relação não de uma barreira”, como escreveu há muito, Claude Lévi-Strauss.
Impressionaram-me positivamente no filme as boas representações de Brad Pitt e Cate Blanchet, mas devo confessar que considero excelentes as representações de Adriana Barraza, no papel de empregada doméstica mexicana, da jovem japonesa e dos jovens irmãos marroquinos, particularmente do mais novo, cujos nomes gostaria de poder mencionar aqui.
O mesmo e o diferente unem o jovem marroquino, que descobre a sua sexualidade. e a jovem japonesa, que vive dolorosamente a sua solidão emocional, agravada pelo preconceito de que é vítima por ser surda-muda. Estão presentes na solidariedade viva com que a turista americana é ajudada na aldeia marroquina, onde fica a aguardar a vinda de auxílio americano. Estão também presentes na forma como as crianças americanas são recebidas na festa de casamento mexicana e no laço de afecto que une a empregada doméstica mexicana às crianças que criou.
O filme fala-nos também dos muros e daí o recurso à metáfora de Babel. Os muros da desconfiança e do preconceito político que atrasam o socorro à americana ferida, os muros que existem entre vizinhos, México e Estados Unidos, os que impedem uma mexicana de regressar aos Estados Unidos onde trabalhava há 16 anos, os muros da discriminação e do preconceito que se erguem em torno da jovem japonesa, apesar de bela e rica, porque é surda-muda.
O filme deixa-nos muitas questões em aberto que se prendem com a súbita emergência do trágico na vida de cada um, como a bala que quase mata a turista americana, a forma impensada como dois jovens marroquinos, ao experimentarem uma arma que lhes foi dada para guardar um rebanho dos chacais, irão causar a morte de um deles.
O filme usa uma linguagem sóbria. Uma imagem que vale muitas palavras é a do regresso da empregada ao México depois de muitos anos de trabalho em situação irregular. Tudo o que tem cabe debaixo do braço. É uma das imagens com mais carga política deste filme.
Se há um objectivo politico que podemos fixar depois de ver este filme é lutar para regular a globalização de forma a eliminar os muros evitáveis que separam o género humano e nos impedem de ver que somos todos membros de uma única humanidade.
domingo, fevereiro 25, 2007
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