domingo, janeiro 29, 2006

SERENAMENTE, CONSTRUAMOS O FUTURO

Os resultados das eleições presidenciais têm de ser aceites com humildade democrática. Se a esquerda tivesse um pouco mais de 0,7%, Manuel Alegre teria defrontado Cavaco Silva na segunda volta e provavelmente tê-lo-ia vencido. Tudo fizemos, para que assim fosse mas perdemos como o conjunto da esquerda estas eleições presidenciais. Não vale a pena chorar sobre leite derramado.
O povo é quem mais ordena em democracia e se não ganhamos as eleições não podemos dissolver o povo, temos que tentar perceber as razões do que aconteceu.
Alguns comentários de blogues que apoiaram a candidatura de Mário Soares, e de alguma imprensa escrita, demonstram uma total incapacidade de fazer uma análise concreta da situação concreta. Reduzem tudo à denúncia do populismo, não aprenderam ainda que a história se não repete senão como caricatura e evocam o fantasma do defunto PRD. Ainda não conseguiram perceber a razão pela qual Mário Soares teve a votação que teve, mas estou certo com mais algum distanciamento emocional compreenderão.
É preciso serenamente começar por dizer que, apesar do apoio do primeiro-ministro e de outros membros do governo à candidatura de Mário Soares, os eleitores não confundem o governo e o primeiro-ministro, José Sócrates, com a candidatura de Mário Soares. Estou certo que José Sócrates continuará a ter boas sondagens, pese embora a discordância que cada um possa ter relativamente à candidatura de Mário Soares. Estou, além disso, pessoalmente convencido que iremos começar a recuperação económica e o governo começa a demonstrar capacidade para atrair novos investimentos.
Depois é preciso dizer também, que apesar do enorme erro que foi a sua candidatura, Mário Soares continuará a merecer a gratidão de todos os socialistas e da maioria dos portugueses pelo contributo que deu à consolidação da democracia e a ser um interventor respeitado no repensar do programa socialista.
A eleição de Cavaco Silva obriga toda a esquerda a ser mais auto-exigente e responsável. Temos que estar particularmente atentos e vigilantes à forma como irá exercer os poderes presidenciais.
Os resultados de Manuel Alegre, um milhão cento e vinte mil votos, demonstraram que o poder dos cidadãos poderá ser cada vez mais uma realidade, que não será impedida por aparelhos burocráticos, sejam eles económicos, mediáticos ou políticos, que os militantes partidários poderão ser cada vez mais exigentes e exigir reformas profundas no funcionamento dos partidos e os cidadãos, em geral mais exigentes e responsáveis, relativamente a todas as matérias de que depende o futuro de Portugal. Digo “poderão ser” e não “serão” porque o futuro não está inscrito nos astros, mas é o resultado das nossas escolhas e da nossa determinação e perseverança em nos batermos por elas.
Não nos iludamos no diagnóstico da situação. Os partidos políticos enfrentam problemas decorrentes de algum autismo, de domínio dos aparelhos burocráticos, de insuficiente participação democrática dos militantes em muitas áreas da sua actuação, mas continuam a ser necessários e insuficientes no quadro de uma democracia moderna. Continua actual o programa constitucional no qual Manuel Alegre baseou o seu contrato presidencial, conjugar a democracia representativa, na qual os partidos têm um papel fundamental a desempenhar, com novas formas de democracia participativa, na qual os movimentos de cidadãos são chamados a ter uma intervenção crescente.
É por isso natural que na sequência das eleições presidenciais, Manuel Alegre tenha anunciado a criação de um movimento de cidadãos, nacional, transversal, plural e aberto, sem estruturas nem hierarquias rígidas, que terá um programa de intervenção cívica baseado em grandes causas e temas do Contrato Presidencial. O movimento, como afirmou Manuel Alegre, “não é convertível em partido político”, nem se vai “projectar ou intervir na vida interna de qualquer partido”(vide http://www.manuelalegre.com/ )
Os temas e causas a desenvolver compreendem, nomeadamente, a promoção da língua portuguesa, a desertificação do território, ou a igualdade de género.
A existência de um movimento de cidadania deve ser entendido como um contributo para melhorar a qualidade da democracia e um poderoso estímulo para a renovação da vida partidária. Uma razão mais para encarar a construção do futuro com serenidade e esperança.

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