domingo, novembro 13, 2005

A ERA DAS MIGRAÇÕES

Os recentes motins em França, as trágicas realidades da imigração clandestina em Ceuta e Melilla tendem a preencher a atenção dos cidadãos e a não lhes permitir ir muito longe na compreensão das causas dos fenómenos. Não são muitos os jornalistas e comentadores que fornecem elementos para pensar o que se passa. Sobre as migrações existem, aliás, numerosas e bem estruturadas teses de mestrado e de doutoramento, felizmente algumas publicadas, importantes relatórios de instituições credíveis como a OCDE, a OIM e as Nações Unidas, mas os dados que fornecem estão normalmente ausentes do debate mediático e do debate político. Há uma enorme tentação de explorar o medo em lugar de divulgar informação objectiva e construir respostas adequadas para os desafios que coloca o facto de vivermos no que dois importantes estudiosos destes fenómenos, S.Castles e M.J. Miller designaram como “the age of imigration” (a era das migrações).
O Departamento de Estudos Económicos e Sociais das Nações Unidas publicou um importante relatório World Economic and Social Survey 2004, International Migration.
A sua leitura permite perceber que a grande imigração intercontinental começou no século dezasseis durante a idade da expansão europeia. O que há de novo hoje, é que a imigração desde a segunda metade do século XX começou a realizar-se no sentido do mundo desenvolvido e já não como no período da grande imigração atlântica que vai desde 1840 até ao fim da primeira guerra mundial, para o mundo não desenvolvido. As referências à actual pressão migratória ignoram o facto de que as taxas de imigração nos países de acolhimento são hoje mais baixas do que eram na viragem do século XIX para o século XX. As migrações na década de 90 do século passado registaram, contudo, um aumento de 3% para os países desenvolvidos.
A razão não é apenas a procura de oportunidades mais vantajosas nos países desenvolvidos. Responde também à existência de trabalho provocadas pelo próprio processo de desenvolvimento económico e cada vez mais pela persistente quebra de natalidade. De acordo com o referido relatório, a população da Europa sem a imigração teria registado uma redução de 4,4 milhões (-1,2%) entre 1995 e 2000 se durante esse período não tivessem chegado ao continente cerca de 5 milhões de imigrantes. A população da Alemanha teria diminuído desde 1970 se não fossem os imigrantes. Nos finais da década de 90, a imigração contribuiu para pelo menos três quartos do crescimento demográfico da Áustria, Dinamarca, Grécia, Itália, Luxemburgo, Espanha e Suiça. Segundo as projecções das Nações Unidas para o período de 2000-2050, mesmo com a entrada de uma média de 600 000 imigrantes por ano na Europa, é provável que a população europeia sofra uma redução de 96 milhões. Uma imigração significativa proveniente dos países que se tornaram recentemente membros da União Europeia teria como efeito tornar mais complicada a situação demográfica nesses países que têm taxas de fecundidade ainda mais baixas do que as que se verificam na Europa Ocidental. Dos países candidatos actualmente à adesão só a Turquia poderia contribuir para contrariar a redução demográfica da população europeia.
É por isto tudo que tem razão Teresa de Sousa quando escreveu, num artigo corajoso, “Se a Europa for uma fortaleza não terá futuro” (Público, 1-11-2005).
Ora é esta a realidade que os Estados Membros da União Europeia se recusam a encarar de frente, são e serão cada vez mais no futuro países de imigração. Os Estados da Europa ocidental que foram tradicionalmente países exportadores de mão-de-obra, não assumem facilmente uma tão profunda mudança de perfil para países de imigração. Contudo, é necessário que o façam se quiserem ter uma gestão proactiva dos fluxos migratórios. Os agentes e responsáveis políticos têm que falar verdade e ganhar a maioria dos cidadãos para esta realidade, o que está ainda longe de acontecer. Têm de explicar que a imigração é não apenas do interesse de quem imigra, mas também dos países de acolhimento. Sem a imigração o desenvolvimento económico estará comprometido, não será sustentável o modelo social europeu e a União Europeia assistirá a uma decadência demográfica irreversível.
Só assumindo que precisamos de imigrantes, criaremos políticas que fomentem a imigração legal e a integração de qualidade. Se o fizermos as migrações internacionais poderão funcionar a nível internacional como um agente de intercâmbios de competências técnicas e de conhecimento, bem como motores de dinamismo económico e de eficiência. A opção é entre gerirmos de forma proactiva as migrações ou entrarmos no futuro às arrecuas.

1 comentário:

Marco Oliveira disse...

Finalmente uma análise lúcida às origens de alguns problemas que vivemos hoje.