Rosa Parks faleceu esta semana, a 24 de Outubro de 2005, com 92 anos. Ficou ligada a uma das maiores batalhas pelos direitos civis nos Estados Unidos e no Mundo. Rosa Parks era, na noite de 1 de Dezembro de 1955, uma costureira cansada que voltava para casa depois de um pesado dia de trabalho, e que não tinha nenhum lugar sentado na parte do autocarro reservado aos negros. Rosa Parks sentou-se num lugar em que era permitido sentar-se apenas se não houvesse um branco para o ocupar. Quando entraram mais brancos e lhe disseram para dar lugar a um branco, recusou-se e foi presa por violar a legislação em vigor.
A partir dessa desobediência e das reacções em cadeia que desencadeou, verificou-se uma dura batalha pelos direitos cívicos que conduziu à eliminação progressiva de todas as leis discriminatórias existentes nos Estados Unidos, cujo sucesso é ainda hoje inspirador para novas recusas em qualquer parte do Mundo.
Quando Rosa Parks desobedeceu, eu tinha cinco anos de idade, mas fui profundamente marcado pela luta pelos direitos cívicos nos Estados Unidos, pelas notícias que chegavam das lutas conduzidas por Martin Luther King.
Tenho dificuldade em reconstituir como fui sendo impregnado por essa informação, mas há para mim três ideias muito claras: sempre rejeitei com indignação a separação das pessoas em função da cor da pele; sempre entendi que a luta contra a discriminação racial deve ser travada por toda a gente e a minha simpatia ia para os movimentos em que negros e brancos, em conjunto, enfrentavam a segregação racial; sempre considerei que o segredo do sucesso e da eficácia da luta de Martin Luther King esteve na sua opção pela não-violência activa e pela desobediência civil na linha de Mahatma Gandhi.
Evocar hoje Rosa Parks é primeiro que tudo lembrar que cada um de nós tem mais poder e responsabilidade do que imagina e que, por vezes, temos o dever de desobedecer.
É também um apelo à cidadania em geral e, designadamente, em matéria de luta contra a discriminação racial e pela igualdade de oportunidades aqui em Portugal, como em qualquer parte do Mundo.
A luta contra a discriminação racial exige leis, mas elas não são suficientes. É preciso mudar as mentalidades, os nossos olhares sobre as pessoas e as situações, os nossos relacionamentos quotidianos.
É difícil ser negro e pobre entre nós. Existe o que alguns sociólogos designam como racismo subtil, para lá dos casos de racismo flagrante.Constroem-se muros e fronteiras, nalguns casos reais, noutros imaginários, sendo certo que o imaginário é sempre real para quem o toma como tal. Por outras palavras, há pessoas que não querem responder por telefone a uma oferta de emprego, ou a um anúncio de um aluguer de um quarto porque não estão dispostas a que lhes digam depois não quando perceberem que são negras. Quando se acumulam experiências de discriminação qualquer pessoa se torna mais sensível a tudo isso e muitas vezes sem paciência para mais uma experiência desagradável.
As universidades deviam ter um papel pedagógico nesta matéria, mas alguma coisa está errado no que ensinam quando se verifica que há faculdades em que até nas cantinas as pessoas comem separadas por nacionalidade ou pela cor da pele.
Temos que derrubar estes muros reais ou imaginários, ensinar como diz Mia Couto que “cada pessoa é uma humanidade individual” e que como Miguel Torga escreveu “o universal é o particular, menos os muros”.
Sobretudo temos de interiorizar que todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos. Todas as formas abertas ou subtis de discriminação racial têm vítimas directas, mas são uma agressão a cada um de nós porque atentam contra um valor matricial, a nossa pertença comum à humanidade.
Há muito a fazer para construir uma sociedade que respeite os direitos humanos de todos os cidadãos, nacionais ou imigrantes,uma sociedade solidária em que todos participem equitativamente a todos os níveis. Por nos ter ensinado o poder que cada um de nós tem para construir uma sociedade em espírito de fraternidade, obrigado Rosa Parks.
domingo, outubro 30, 2005
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