domingo, outubro 23, 2005

CEUTA, MELILLA E A CONSCIÊNCIA CRISTÃ

O imenso sofrimento dos imigrantes em situação irregular e requerentes de asilo nas fronteiras de Ceuta e Melilla não têm provocado tomadas de posição de muitas entidades ou associações entre nós.
Naturalmente que há excepções e tomadas de posição que merecem ser tidas em conta. Destacaria duas tomadas de posição, o artigo da deputada europeia socialista no Parlamento Europeu, Ana Gomes, intitulado “Fortaleza Europa”, publicado no Courrier Internacional nº 28, de 14 a 20 de Outubro, e a tomada de posição da FORCIM (Fórum de Organizações Católicas para a Imigração) reunido em Lisboa, em 14 de Outubro de 2005. São textos com dois registos diferentes, o de Ana Gomes, uma corajosa e lúcida tomada de posição política, o da FORCIM, expressão de uma visão profética.
Para ser mais claro, a tomada de posição da FORCIM, embora pretenda agir sobre a realidade para a transformar, não assenta numa lógica política, coloca perante o juízo e a acção dos cidadãos em geral questões difíceis, que não podemos ignorar e para as quais nos temos de empenhar em construir soluções melhores.
O texto completo pode ser consultado em www.ecclesia.pt/ocpm, mas deixo registado aqui algumas das questões que coloca.
“…Recordamos que a Europa através das suas políticas migratórias securitárias e socialmente minimalistas tem vindo a tornar, desde há anos, o mediterrâneo num «mar de morte» e «deserto de suplício» para os imigrantes e refugiados da vizinha África. A Europa deve comprometer-se de forma arrojada e cooperante na resolução das causas que forçam o migrar dos irmãos e envidar esforços com vista ao respeito intransigente dos direitos humanos, do Direito Internacional consagrado em Convenções ratificadas. Mais do que reforçar fronteiras tornando-as «muros em escada» onde morrem imigrantes, há que reforçar a cooperação afro-europeia para erradicar a fome, pobreza, corrupção, comércio de armas e combater eficazmente as redes de traficantes de pessoas (…)
Situações destas continuarão a acontecer nos próximos meses, se a Europa, em contexto global de acelerada mundialização das migrações, não se responsabilizar concreta e «comunitariamente» pelo combate às raízes subjacentes à crescente irregularidade dos fluxos migratórios, através de uma urgente gestão da imigração legal, de forma ordenada, humana e participada bi- e multilateralmente”.
Estas afirmações não são a solução para as questões colocadas, são a exigência de que todos como cidadãos sejamos exigentes na avaliação das políticas nacionais e europeias, são um desafio a que os agentes políticos e cientistas sociais construam respostas que eliminem todo o sofrimento evitável de tantos milhares de seres humanos.
Gostaria a este propósito de deixar aqui expressa a minha solidariedade à forma como a Obra Católica Portuguesa de Migrações tem procurado despertar a consciência dos cristãos e dos cidadãos em geral em matéria de migrações. A consciência profética não pode ser hipotecada a qualquer sistema de troca de favores
Não deve surpreender ninguém a insatisfação que esta instituição tem manifestado perante todas as políticas de imigração que têm sido prosseguidas, incluindo as dos governos em que participei.
Como afirma o teólogo Johann Baptist Metz a história da redenção “…olha do ponto de vista dos vencidos e das vítimas para o teatro mundial da história…Para ela o potencial de sentido da história da liberdade não depende só dos sobreviventes, dos bem sucedidos, dos que escaparam.” (vide, A fé em história e sociedade: estudos para uma teologia fundamental prática, Edições Paulinas.1981).
É desejável que todos percebam o papel de cada um, aos partidos cabe ter políticas claras e alternativas em matéria de migrações, à(s) Igreja(s) ser um pólo profético, às associações de imigrantes, aos sindicatos, às associações anti-racistas ou de defesa dos direitos humanos serem porta voz dos seus associados e expressão da forma como vêem as políticas migratórias.
Isto não significa que não haja critérios que se venham a tornar comuns. Seria útil que entre eles se contassem a defesa dos direitos humanos de todos e a eliminação do sofrimento evitável através de melhores políticas em matéria de migrações.
No que se refere à vergonhosa situação de «crise humanitária» nas fronteiras europeias de Ceuta e Melilla, temos de afirmar com clareza que, pela sua parte, a FORCIM soube ser expressão da consciência cristã face à dramática e inaceitável situação de «crise humanitária» em que vivem milhares de imigrantes e requerentes de asilo da vizinha África.

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