domingo, abril 06, 2014

A ATUALIDADE DO GESTO DE ARISTIDES DE SOUSA MENDES


O gesto de Aristides de Sousa Mendes ao recusar a indiferença perante a sorte dos refugiados que afluíam ao Consulado de Bordéus, fugindo do avanço nazi, foi um gesto de solidariedade, diria mesmo, de fraternidade, que não foi fácil de tomar nesses tempos sombrios, em que o cálculo egoísta, a cobardia, a demissão dos bons permitiam que se afirmasse e expandisse, o que a filósofa Hannah Arendt denominou como a "banalidade do mal".
O gesto de Aristides de Sousa Mendes inscreve-se numa lógica de resistência à “banalidade do mal” em nome da sua consciência cristã, que o levava a obedecer primeiro a Deus que aos homens perante milhares de refugiados que procuravam salvar a sua vida.
Como referiu na sua defesa no processo disciplinar que lhe foi instaurado: "Era realmente meu objetivo «salvar toda aquela gente», cuja aflição era indescritível: uns tinham perdido os seus cônjuges, outros não tinham notícias dos filhos extraviados, alguns haviam visto sucumbir pessoas queridas sob os bombardeamentos alemães que todos os dias se renovavam e não poupavam os fugitivos apavorados. Quantos tiveram de inumá-los, antes de prosseguirem na louca correria da fuga!»"
Refere com clareza diversas situações e cidadãos de diferentes origens e nacionalidades, acrescentando: "Com efeito, eram numerosos entre os fugitivos, os oficiais dos exércitos dos países ocupados anteriormente, austríacos, checos e polacos, os quais seriam fuzilados como rebeldes; eram igualmente numerosos os belgas, holandeses, franceses, luxemburgueses e até ingleses, que seriam submetidos ao duro regime dos campos de concentração alemães; havia intelectuais eminentes, artistas de renome, homens de Estado, diplomatas, da mais alta categoria, grandes industriais e comerciantes, etc., que teriam a mesma sorte.
Muitos deles eram judeus, que, já perseguidos antes, procuravam angustiosamente escapar aos horrores de novas perseguições, por fim um sem número de mulheres de todos os países invadidos que procuravam evitar ficar à mercê da brutal sensualidade teutónica".
A Fundação Aristides de Sousa Mendes sempre associou a divulgação e defesa dos direitos humanos ao legado de Aristides de Sousa Mendes.
Temos de nos interrogar se nos nossos tempos não estamos também na Europa a ser cúmplices da “banalidade do mal”, naturalmente noutras formas e noutras dimensões.Como não recordar as palavras do Papa Francisco em Lampedusa que não se calou perante os milhares de imigrantes que têm ficado sepultados no mar, quando procuravam refúgio na Europa.Disse ele:“ (…)Quem de nós chorou por este facto e pelos factos como este?”. Quem chorou pela morte destes irmãos e irmãs? Quem chorou por tantas pessoas que estavam no barco? Pelas jovens mães que levavam as suas crianças? Por estes homens que desejavam alguma coisa para sustentar as próprias famílias? Estamos numa sociedade que esqueceu a experiência do chorar, do “«adecer com»: a globalização da indiferença tirou-nos a capacidade de chorar! (..) E insistiu na pergunta que também nos é dirigida: «Quem chorou?». «Quem chorou hoje no mundo?»".
Evocarmos o gesto de Aristides de Sousa Mendes não significa apenas olhar para trás para tempos relativamente aos quais temos o dever de memória para que nunca mais se repitam. É necessário retirar do gesto de Aristides de Sousa Mendes ensinamentos para o presente e para a construção de um futuro, que corresponda inteiramente para todos, ao que ficou consagrado no art.1.º da Declaração Universal dos Direitos do Homem: «Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos. Dotados de razão e de consciência devem agir uns para com os outros em espírito de fraternidade».

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