O novo romance de José Eduardo Agualusa lê-se com muito prazer e proveito, o que desde logo recomenda a sua leitura.
Pedro Mexia titulou o seu comentário a este livro "José Eduardo Agualusa escreve um ensaio sobre o português disfarçado de romance", como podem ler aqui. Não creio que o livro seja um ensaio, é quando muito um romance ensaio, cruzado com um romance policial e um romance de viagens e muitas estórias. Tem bons antecedentes. Não terá sido, por exemplo, o livro Viagens na Minha Terra de Almeida Garrett um romance ensaio, um romance de viagens e uma estória de amor?
Pedro Mexia, escreveu, em conclusão numa análise críítica deste livro:"Agualusa sabe que a poesia começou por ser uma linguagem prática, útil, ou mágica e xamânica. «Milagrário Pessoal» nunca esquece a dimensão política, nem a política da língua, mas o seu impulso é todo poético, adâmico. O milagre é que esta língua seja tantas línguas, que tantas línguas sejam uma só língua. Um enigma que Agualusa compara ao mais poético dos enigmas: a linguagem dos pássaros" .
O romance é construído, com subtileza, ironia, lirismo e humor, e arranca da procura do jovem Iara dos neologismos "das palavras recém-nascidas (..) caídas de repente nesse vasto alarido que é a vida" (p.13) através do programa informático Neotrack, disponível para esse efeito, e utilizando no título um neologismo milagrário, que designa um diário de prodígios, que ainda não encontram no Dicionário da Academia das Ciências de Lisboa. Uma hipótese percorre o romance e se fosse possível identificar as palavras que exprimem a linguagem dos pássaros, que poderão estar recolhidas em velhos livros e que não seriam neologismos, mas paleologismos.
Poderíamos dizer que é um livro repleto de afectos e de estórias de personagens, que pertencem a uma mesma Nação crioula, repartida por vários Estados e continentes, a que a língua portuguesa serve, não apenas de traço de união, mas também de veículo de comunicação e de comunhão.
Iara, o professor, Mara Bruto da Costa, Alexandre Anhanguera, Fadário da Luz do Espírito Santo, Magda-a-Meiga, Plácido Domingo, Júlio Branquinho, o Quitubia, são algumas das personagens com que nos cruzamos ao longo deste livro.
A língua portuguesa de que nos fala Agualusa é uma língua viva, que se tem acrescentado ao longo dos séculos, no contacto e diálogo com outras línguas, não apenas do inglês, mas das outras línguas que fazem parte do universo do Mundo de Língua Portuguesa. Moisés da Conceição escreve, que que "a língua portuguesa sendo já africana na sua matriz, pelo demorado convívio com o árabe, que muito a contaminou, necessita de enegrecer ainda mais, afeiçoando-se à geografia e aos lugares onde estão os seus abundosos falantes". (pág.32)
Recordei-me ao ler estas reflexões de outras mais elaboradas e convergentes de Léopold Sédar Senghor, num ensaio intitulado Lusitanidade e Negritude, que foi republicado nas suas obras completas.
"A língua portuguesa, em particular, recolheu palavras do mundo inteiro. Garoto, por exemplo, vem do francês gars; branco, do germânico blank, que também significa brilhante ou limpo. Carimbo, do quimbundo ka´rima; bule, do malaio buli; leque, do chinês lieu khieu. Jangada veio de changadam, uma palavra do malaiala de Malabar, na Índia (...)".(p. 85)
Outros romances poderiam ser escritos partindo de palavras com que a língua portuguesa contribuiu para outras línguas, que são também marcas de viagens, contactos e negócios nos mais diversos continentes.
O romance tem, como subtítulo (Apologia das varandas, dos quintais e da língua portuguesa, seguida de uma breve refutação da morte) e recomendo a leitura atenta do décimo primeiro capítulo em que desenvolve o papel dos quintais nas sociedades crioulas de matriz portuguesa nos trópicos e aborda a relação entre o português e o quimbundo.
O romance contém pistas preciosas para uma política da língua, que merecem a atenção dos cientistas sociais, dos linguistas e dos responsáveis pela política da língua portuguesa, mas e sobretudo, é um romance que nos agarra pela leveza da escrita, pelas estórias que compõem a sua estrutura narrativa, pela subtileza, pela ironia, pelo humor, em suma, pelo prazer de o ler.
Pedro Mexia titulou o seu comentário a este livro "José Eduardo Agualusa escreve um ensaio sobre o português disfarçado de romance", como podem ler aqui. Não creio que o livro seja um ensaio, é quando muito um romance ensaio, cruzado com um romance policial e um romance de viagens e muitas estórias. Tem bons antecedentes. Não terá sido, por exemplo, o livro Viagens na Minha Terra de Almeida Garrett um romance ensaio, um romance de viagens e uma estória de amor?
Pedro Mexia, escreveu, em conclusão numa análise críítica deste livro:"Agualusa sabe que a poesia começou por ser uma linguagem prática, útil, ou mágica e xamânica. «Milagrário Pessoal» nunca esquece a dimensão política, nem a política da língua, mas o seu impulso é todo poético, adâmico. O milagre é que esta língua seja tantas línguas, que tantas línguas sejam uma só língua. Um enigma que Agualusa compara ao mais poético dos enigmas: a linguagem dos pássaros" .
O romance é construído, com subtileza, ironia, lirismo e humor, e arranca da procura do jovem Iara dos neologismos "das palavras recém-nascidas (..) caídas de repente nesse vasto alarido que é a vida" (p.13) através do programa informático Neotrack, disponível para esse efeito, e utilizando no título um neologismo milagrário, que designa um diário de prodígios, que ainda não encontram no Dicionário da Academia das Ciências de Lisboa. Uma hipótese percorre o romance e se fosse possível identificar as palavras que exprimem a linguagem dos pássaros, que poderão estar recolhidas em velhos livros e que não seriam neologismos, mas paleologismos.
Poderíamos dizer que é um livro repleto de afectos e de estórias de personagens, que pertencem a uma mesma Nação crioula, repartida por vários Estados e continentes, a que a língua portuguesa serve, não apenas de traço de união, mas também de veículo de comunicação e de comunhão.
Iara, o professor, Mara Bruto da Costa, Alexandre Anhanguera, Fadário da Luz do Espírito Santo, Magda-a-Meiga, Plácido Domingo, Júlio Branquinho, o Quitubia, são algumas das personagens com que nos cruzamos ao longo deste livro.
A língua portuguesa de que nos fala Agualusa é uma língua viva, que se tem acrescentado ao longo dos séculos, no contacto e diálogo com outras línguas, não apenas do inglês, mas das outras línguas que fazem parte do universo do Mundo de Língua Portuguesa. Moisés da Conceição escreve, que que "a língua portuguesa sendo já africana na sua matriz, pelo demorado convívio com o árabe, que muito a contaminou, necessita de enegrecer ainda mais, afeiçoando-se à geografia e aos lugares onde estão os seus abundosos falantes". (pág.32)
Recordei-me ao ler estas reflexões de outras mais elaboradas e convergentes de Léopold Sédar Senghor, num ensaio intitulado Lusitanidade e Negritude, que foi republicado nas suas obras completas.
"A língua portuguesa, em particular, recolheu palavras do mundo inteiro. Garoto, por exemplo, vem do francês gars; branco, do germânico blank, que também significa brilhante ou limpo. Carimbo, do quimbundo ka´rima; bule, do malaio buli; leque, do chinês lieu khieu. Jangada veio de changadam, uma palavra do malaiala de Malabar, na Índia (...)".(p. 85)
Outros romances poderiam ser escritos partindo de palavras com que a língua portuguesa contribuiu para outras línguas, que são também marcas de viagens, contactos e negócios nos mais diversos continentes.
O romance tem, como subtítulo (Apologia das varandas, dos quintais e da língua portuguesa, seguida de uma breve refutação da morte) e recomendo a leitura atenta do décimo primeiro capítulo em que desenvolve o papel dos quintais nas sociedades crioulas de matriz portuguesa nos trópicos e aborda a relação entre o português e o quimbundo.
O romance contém pistas preciosas para uma política da língua, que merecem a atenção dos cientistas sociais, dos linguistas e dos responsáveis pela política da língua portuguesa, mas e sobretudo, é um romance que nos agarra pela leveza da escrita, pelas estórias que compõem a sua estrutura narrativa, pela subtileza, pela ironia, pelo humor, em suma, pelo prazer de o ler.
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