domingo, novembro 29, 2009

ERNESTO MELO ANTUNES - UM HOMEM IMPRESCINDÍVEL

A recente homenagem a Ernesto Melo Antunes no 10.º aniversário da sua morte com o colóquio Liberdade e Coerência Cívica – O exemplo de Melo Antunes na História Contemporânea Portuguesa, que podem conhecer melhor aqui e cujo programa podem conhecer aqui, foi plenamente justificada e esperemos que marque o início do reconhecimento do que foi a sua enorme importância na consolidação da democracia e na construção do Portugal moderno e protagonista activo na cena política internacional. O tempo tende a simplificar os factos passados e reduzir artificialmente os protagonistas dos acontecimentos marcantes, ou a reduzir a sua acção através de clichés, que muitas vezes perduram não por que sejam verdadeiros, mas porque parecem “bene trovato”.
Numa das intervenções da sessão de abertura foi colocada a hipótese de Melo Antunes ter sido “talvez demasiado político para uma carreira militar e demasiado militar para uma carreira política”. É um cliché que não faz justiça ao facto de Melo Antunes ter sido um homem imprescindível. Bertold Brecht considerou num dos seus poemas que “aqueles que lutam toda a vida são imprescindíveis”. Melo Antunes lutou toda a vida, tendo tido, por exemplo, a ousadia de sendo militar no activo ter pretendido integrar uma lista da CDE pelos Açores em 1969, cujo manifesto redigiu e podem ler aqui, o que o salazarismo não permitiu; de ter redigido o capítulo sobre as Forças Armadas do programa do PS na clandestinidade em 1973; de ter sido o coordenador da equipa responsável pela elaboração do Programa do Movimento das Forças Armadas; e o principal autor do Documento dos Nove. Não é, contudo, apenas por ter lutado toda a vida que foi imprescindível. Melo Antunes perdeu algumas batalhas, não logrando, por exemplo, ver concretizado o Programa de Política Económica e Social, elaborado por um grupo de trabalho que coordenou em 1975, que podem ler aqui, e que veio a ser inviabilizado pelo 11 de Março.
Não é pelo facto de não ter sido, por exemplo, Chefe de Estado-Maior ou Deputado, ou dirigente destacado do Partido Socialista, que Melo Antunes deixou de ser um homem imprescindível. Melo Antunes foi Ministro nos segundo, terceiro, quarto e sexto Governos Provisórios, membro do Conselho da Revolução e da Comissão Constitucional (1976-1983), a que presidiu e que foi a antecessora do Tribunal Constitucional.
Recordo apenas três áreas em que sem a acção de Melo Antunes, os acontecimentos não teriam seguido o mesmo caminho: a relação com os novos países africanos de Língua Portuguesa que emergiram após a descolonização; a derrota de Vasco Gonçalves; a consolidação democrática depois do 25 de Novembro. Só o estudo histórico rigoroso permitirá confirmá-lo, mas foi assim que como jovem socialista, empenhado intensamente na luta política nesse período, senti a sua acção.
Melo Antunes bateu-se por uma ideia de Portugal independente e actor activo na cena política internacional em termos que não foram propriamente aqueles que se seguiram, mas a sua preocupação no processo de descolonização com a construção de relações estreitas entre Portugal e os novos países africanos de Língua Portuguesa foi muito positiva e semeou futuros que vieram a facilitar o processo de constituição da CPLP e a juntar na política externa portuguesa a opção europeia com a relação estreita com o Mundo de Língua Portuguesa.
Melo Antunes foi o principal autor do Documento dos Nove, que podem ler aqui, que permitiu isolar Vasco Gonçalves e a sua “muralha de aço”. Foi um documento que galvanizou entusiasmos e deu razões acrescidas para lutar aos que se batiam por um modelo de socialismo inseparável das liberdades, direitos e garantias fundamentais, e recusavam o modelo soviético ou o hiper-radicalismo esquerdista. É verdade que militares à sua direita vieram a ter um papel de relevo na luta contra o gonçalvismo, e que o Partido Socialista teve um papel fundamental e insubstituível nesse processo, mas sem os militares que se mobilizaram em torno do documento, o sucesso desse combate teria ficado irremediavelmente comprometido.
Considero também que Melo Antunes teve um papel insubstituível no impedir que a derrota do radicalismo revolucionário no 25 de Novembro, tivesse sido seguida de uma radical viragem à direita e a uma involução democrática. A ida de Melo Antunes à televisão considerando o PCP indispensável à democracia portuguesa foi um facto extremamente importante e separou as águas relativamente à direita militar e política. Jaime Neves e outros membros da direita militar pretendiam a ilegalização do PCP.
A distância da direita política relativamente a Melo Antunes mantém-se actualmente como o comprova o facto de Cavaco Silva ter recusado o convite para presidir ao colóquio que homenageou Melo Antunes, como podem ver aqui. Recorde-se que o Governo de Cavaco Silva também recusou em 1992 o apoio à candidatura de Melo Antunes a director-geral da UNESCO.
Um homem bom e justo, justificou sem dúvida a sua existência, mas Melo Antunes não foi apenas bom e justo, foi um homem imprescindível.

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