A encíclica “Caridade na Verdade” do Papa Bento XVI é um documento que se insere na tradição da doutrina social da Igreja Católica procurando conferir-lhe maior densidade teológica e actualizá-la tendo em conta a necessidade de mudar o mundo mudado desde a publicação da notável e profética encíclica da Paulo VI Populorum Progressio
Decorridos mais de quarenta anos sobre aquele documento, procura avaliar os termos diferentes em que hoje se coloca o problema do desenvolvimento. É um texto de grande densidade, de que refiro apenas alguns tópicos esquemáticos, para convidar à leitura do documento na íntegra, o que pode fazer aqui.
O papel do Estado: “Hoje, aproveitando inclusivamente a lição resultante da crise económica em curso que vê os poderes públicos do Estado directamente empenhados em corrigir erros e disfunções, parece mais realista uma renovada avaliação do seu papel e poder, que hão-de ser sapientemente reconsiderados e reavaliados para se tornarem capazes, mesmo através de novas modalidades de exercício, de fazer frente aos desafios do mundo actual”.
Os direitos dos trabalhadores: “A diminuição do nível de tutela dos direitos dos trabalhadores ou a renúncia a mecanismos de redistribuição de rendimentos, para fazer o país ganhar mais competitividade internacional, impede a afirmação de um desenvolvimento de longa duração.”
O papel do mercado: “Os pobres não devem ser considerados um «fardo» mas um recurso, mesmo do ponto de vista económico. Há que considerar errada a visão de quantos pensam tenha estruturalmente necessidade de uma certa quota de pobreza e subdesenvolvimento para poder funcionar melhor. O mercado tem interesse em promover a emancipação, mas para o fazer verdadeiramente, não pode contar consigo mesmo, porque não pode produzir por si o que está para além das suas próprias possibilidades…”
As Nações Unidas: “Perante o crescimento da interdependência mundial, sente-se imenso (…)- a urgência de uma reforma , quer da Organização das Nações Unidas, quer da arquitectura económica e financeira internacional, para que seja possível uma real concretização do conceito de família de nações.”
Autoridade Política Mundial: “Para o governo da economia mundial, para sanar as economias atingidas pela crise, de modo a prevenir o agravamento da mesma e, em consequência, maiores desequilíbrios, para realizar um oportuno e integral desarmamento, a segurança alimentar e a paz, para garantir a salvaguarda do ambiente e para regular os fluxos migratórios urge a presença de uma verdadeira Autoridade Política Mundial”.
A encíclica tem provocado reacções muito significativas dos defensores do neo-liberalismo, que não escondem a sua agressiva rejeição dos ensinamentos desta encíclica. São significativos dois textos publicados no “Expresso”, por Henrique Raposo, em 11/07/2009 e 18/07/2009. Ao primeiro desses textos respondeu José Tolentino de Mendonça aqui, em termos que subscrevo integralmente.
Vale a pena ler também o que escreveu no blogue O Valor das Ideias, Carlos Santos aqui e que certeiramente intitulou “As reacções à encíclica papal dos monoteístas do Mercado: de Henrique Raposo a Pedro Arroja”.
Henrique Raposo é claro na sua crítica à encíclica: “A própria «Caritas in Veritates» é um texto onde existem pontos de contacto entre Bento XVI e a esquerda. Aliás, a lista das «esquerdices» do Papa Bento XVI é tão longa como o ego do intelectual Joseph Ratzinger: a globalização atacou o Estado, o Estado recupera agora o seu lugar cimeiro de controleiro do mercado, as deslocalizações das empresas são negativas, a globalização ameaça o sindicalismo, etc”. Henrique Raposo diz ainda que “a Igreja e a esquerda não são iguais eticamente”, que se limita a “constatar analiticamente que, A Igreja e a esquerda são parecidas em certos pontos”, “partilham certas percepções empiricamente erradas - da realidade”.
O problema não é, contudo, da Igreja Católica ou da esquerda, pelo menos daquela esquerda, que não põe em causa o processo da globalização, mas sim a necessidade de o regular.
O problema é dos neo-liberais, que lidam mal com a realidade nacional e mundial, que não querem ver a crise a que o capitalismo financeiro entregue a si próprio e às regras por eles defendidas conduziu a economia mundial e que sem a intervenção do Estado não é possível proteger os direitos dos cidadãos, incluir os excluídos e diminuir as desigualdades sociais.
A encíclica questiona-nos sobre os limites daquilo que conseguimos realizar, individual e colectivamente. Torna-nos conscientes da necessidade de um novo pensamento e de desenvolver novas energias ao serviço de um verdadeiro humanismo integral. Interroga-nos sobre a nossa disponibilidade para uma vida entendida como tarefa solidária e jubilosa e sobre a necessidade de continuarmos a dedicar-nos com generosidade ao compromisso de realizar o “desenvolvimento do homem todo e de todos os homens”.
É para isso que servem as encíclicas para nos desafiarem a pensarmos e agirmos de forma mais lúcida e exigente.
Decorridos mais de quarenta anos sobre aquele documento, procura avaliar os termos diferentes em que hoje se coloca o problema do desenvolvimento. É um texto de grande densidade, de que refiro apenas alguns tópicos esquemáticos, para convidar à leitura do documento na íntegra, o que pode fazer aqui.
O papel do Estado: “Hoje, aproveitando inclusivamente a lição resultante da crise económica em curso que vê os poderes públicos do Estado directamente empenhados em corrigir erros e disfunções, parece mais realista uma renovada avaliação do seu papel e poder, que hão-de ser sapientemente reconsiderados e reavaliados para se tornarem capazes, mesmo através de novas modalidades de exercício, de fazer frente aos desafios do mundo actual”.
Os direitos dos trabalhadores: “A diminuição do nível de tutela dos direitos dos trabalhadores ou a renúncia a mecanismos de redistribuição de rendimentos, para fazer o país ganhar mais competitividade internacional, impede a afirmação de um desenvolvimento de longa duração.”
O papel do mercado: “Os pobres não devem ser considerados um «fardo» mas um recurso, mesmo do ponto de vista económico. Há que considerar errada a visão de quantos pensam tenha estruturalmente necessidade de uma certa quota de pobreza e subdesenvolvimento para poder funcionar melhor. O mercado tem interesse em promover a emancipação, mas para o fazer verdadeiramente, não pode contar consigo mesmo, porque não pode produzir por si o que está para além das suas próprias possibilidades…”
As Nações Unidas: “Perante o crescimento da interdependência mundial, sente-se imenso (…)- a urgência de uma reforma , quer da Organização das Nações Unidas, quer da arquitectura económica e financeira internacional, para que seja possível uma real concretização do conceito de família de nações.”
Autoridade Política Mundial: “Para o governo da economia mundial, para sanar as economias atingidas pela crise, de modo a prevenir o agravamento da mesma e, em consequência, maiores desequilíbrios, para realizar um oportuno e integral desarmamento, a segurança alimentar e a paz, para garantir a salvaguarda do ambiente e para regular os fluxos migratórios urge a presença de uma verdadeira Autoridade Política Mundial”.
A encíclica tem provocado reacções muito significativas dos defensores do neo-liberalismo, que não escondem a sua agressiva rejeição dos ensinamentos desta encíclica. São significativos dois textos publicados no “Expresso”, por Henrique Raposo, em 11/07/2009 e 18/07/2009. Ao primeiro desses textos respondeu José Tolentino de Mendonça aqui, em termos que subscrevo integralmente.
Vale a pena ler também o que escreveu no blogue O Valor das Ideias, Carlos Santos aqui e que certeiramente intitulou “As reacções à encíclica papal dos monoteístas do Mercado: de Henrique Raposo a Pedro Arroja”.
Henrique Raposo é claro na sua crítica à encíclica: “A própria «Caritas in Veritates» é um texto onde existem pontos de contacto entre Bento XVI e a esquerda. Aliás, a lista das «esquerdices» do Papa Bento XVI é tão longa como o ego do intelectual Joseph Ratzinger: a globalização atacou o Estado, o Estado recupera agora o seu lugar cimeiro de controleiro do mercado, as deslocalizações das empresas são negativas, a globalização ameaça o sindicalismo, etc”. Henrique Raposo diz ainda que “a Igreja e a esquerda não são iguais eticamente”, que se limita a “constatar analiticamente que, A Igreja e a esquerda são parecidas em certos pontos”, “partilham certas percepções empiricamente erradas - da realidade”.
O problema não é, contudo, da Igreja Católica ou da esquerda, pelo menos daquela esquerda, que não põe em causa o processo da globalização, mas sim a necessidade de o regular.
O problema é dos neo-liberais, que lidam mal com a realidade nacional e mundial, que não querem ver a crise a que o capitalismo financeiro entregue a si próprio e às regras por eles defendidas conduziu a economia mundial e que sem a intervenção do Estado não é possível proteger os direitos dos cidadãos, incluir os excluídos e diminuir as desigualdades sociais.
A encíclica questiona-nos sobre os limites daquilo que conseguimos realizar, individual e colectivamente. Torna-nos conscientes da necessidade de um novo pensamento e de desenvolver novas energias ao serviço de um verdadeiro humanismo integral. Interroga-nos sobre a nossa disponibilidade para uma vida entendida como tarefa solidária e jubilosa e sobre a necessidade de continuarmos a dedicar-nos com generosidade ao compromisso de realizar o “desenvolvimento do homem todo e de todos os homens”.
É para isso que servem as encíclicas para nos desafiarem a pensarmos e agirmos de forma mais lúcida e exigente.
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