Se quisermos resumir a mensagem deixada, no Cairo, por Barack Hussein Obama ao mundo islâmico podemos sintetizá-la em duas palavras que fez questão de proferir em árabe: “assalamu alaykum”, que significa “Que a paz esteja contigo”.
O seu discurso representa uma viragem radical relativamente à política seguida pela administração de G.W. Bush e da sua teoria do eixo do mal.
É significativo que o seu histórico discurso, que podem ler em português aqui, tenha sido proferido no Cairo, onde foi recebido por duas importantes instituições, a Universidade de al-Azhar e a Universidade do Cairo.
Obama, ao contrário de Bush, demonstrou ser uma pessoa culta e que não ignora as dimensões culturais e religiosas não apenas no relacionamento com os Estados, mas também com os cidadãos.
Obama, que se apresentou como cristão, filho de um muçulmano, que viveu num país maioritariamente muçulmano, a Indonésia, abordou frontalmente as principais questões que se têm colocado nas relações entre os Estados Unidos e o mundo islâmico, considerando que “temos de as enfrentar juntos”, deixando pistas para essa convergência, que tentarei sintetizar.
No que se refere ao extremismo violento, reafirmou a determinação no combate, mas também que os Estados Unidos não pretendem instalar bases no Afeganistão, que não haverá solução apenas militar e que apostam no desenvolvimento, reafirmando a retirada total do Iraque até 2012.
A questão israelo-palestiniana foi a segunda questão abordada, tendo sublinhado os laços inquebrantáveis entre os Estados Unidos e Israel e a condenação do Holocausto que não pode ser negado, mas evocando também o sofrimento dos palestinianos “muçulmanos e cristãos em busca de uma pátria”; os campos de refugiados; as humilhações resultantes da ocupação; o direito dos palestinianos a terem um Estado seu, condenando a construção de novos colonatos por Israel; bem como a importância da luta não-violenta para conseguirem os seus objectivos.
Obama manifestou a esperança de que “Jerusalém seja lar seguro e permanente para judeus, cristãos e muçulmanos, e lugar onde todas as crianças de Abraão vivam juntas e em paz”.
Muito importante é a clara posição contra a proliferação das armas nucleares, a defesa de um mundo em que “nenhuma nação tenha armas nucleares” e a importância nesse contexto do Tratado de Não proliferação de Armas Nucleares, bem como, noutro plano, o direito do Irão desenvolver a energia nuclear para fins pacíficos.
Reafirmando a importância e a superioridade dos valores democráticos, rejeitou a ideia de que a guerra seja o meio para impor a democracia, dizendo: “nenhum sistema ou governo pode ser imposto por uma nação a outra nação”.
A liberdade religiosa foi considerada, por Obama, “central para que os povos consigam viver juntos” , tendo saudado os esforços do rei Abdullah da Arábia Saudita de diálogo entre as religiões e a liderança da Turquia na Aliança de Civilizações.
A questão dos direitos das mulheres foi sublinhada de forma positiva, acentuando o facto de na Turquia, no Paquistão, no Bangladesh e na Indonésia, países de maioria muçulmana, terem sido eleitas mulheres para postos de liderança.
Em vez do afrontamento Obama procurou mobilizar os muçulmanos para a cooperação para o desenvolvimento económico e a igualdade de oportunidades, manifestando a disponibilidade dos norte-americanos para reunir-se aos cidadãos e governos, às organizações comunitárias e aos líderes religiosos, aos homens de negócios nas comunidades muçulmanas em todo o mundo “para ajudar nosso povo a alcançar uma vida melhor”.
O discurso de Obama está repleto de referências religiosas ecuménicas, terminando com citações do Corão, do Talmud e da Bíblia, convergentes na necessidade dos povos do mundo viverem juntos e em paz.
Paulo Pedroso demonstrou lucidez quando chamou a atenção no Blogue Banco Corrido aqui para o que designou por “a teologia política de Obama: pós secularismo ecuménico”.
É por isso que os cristãos tradicionalistas partilham com os laicistas tradicionais um certo mal-estar perante a forma desenvolta como Barack Obama se refere às práticas religiosas e à liberdade de religião e à separação das igrejas do Estado nos Estados Unidos, que é compatível, por exemplo, como se verifica neste discurso com a preocupação em trabalhar com os muçulmanos americanos para lhes criar condições que permitam cumprir o dever de pagar o zakat, cujo significado podem perceber aqui.
È uma nova linguagem que anuncia uma nova era nas relações dos Estados Unidos com o mundo islâmico, que merece ser apoiada, e que tem de levar a mudanças drásticas na agenda e nas prioridade da diplomacia americana e das diplomacias europeias.
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