Nesta semana em que se verificou a consagração oficial de Eduardo Lourenço como uma das figuras cimeiras da cultura portuguesa contemporânea, com a realização do Congresso Internacional Eduardo Lourenço, por iniciativa do Centro Nacional de Cultura (CNC), como podem ver aqui, durante o qual lhe foi entregue a Medalha de Mérito Cultural pelo Ministro da Cultura, Pinto Ribeiro, quero deixar aqui registada a minha profunda admiração pelo amigo, pelo intelectual e cidadão. Gostaria também de recordar gestos e atitudes de tempos em que não gozava ainda do actual reconhecimento público.
Comecei a ouvir falar de Eduardo Lourenço quando ainda frequentava o Liceu Nacional de Viseu ao Luís Miranda Rocha, infelizmente já falecido, que falava dos seus ensaios marcados por uma saudável heterodoxia num tempo de conformismos ideológicos e culturais. Só depois do 25 de Abril comecei a acompanhar a sua persistente intervenção cívica e intelectual. Apesar de estar a viver em França, onde era professor, Eduardo Lourenço participou activamente da construção da democracia que viria a ser consagrada na Constituição da República de 1976. Integrando-se claramente no socialismo democrático, manteve uma atitude permanentemente solidária e crítica, tendo, por exemplo, acompanhado Lopes Cardoso na Fraternidade Operária, em desrespeito da orientação então definida pelo Partido Socialista, não tendo sido expulso como aconteceu com os restantes, se bem me lembro, graças à intervenção discreta, mas eficaz de António Reis.
A sua inquietação relativamente ao futuro do socialismo democrático está bem viva num livro desse período “O Complexo de Marx”, D. Quixote (1979), em que tanto está presente a sua preocupação com os jovens socialistas, apenas por meras razões editoriais este livro não lhes foi dedicado.
Eduardo Lourenço continua a ser uma figura intelectual de referência do socialismo democrático, sendo há vários anos o director da revista “Finisterra”, que passará a ser editada pela Fundação Res Publica.
Eduardo Lourenço é, sobretudo, um dos intelectuais que mais profundamente tem pensado Portugal e a sua cultura nesta profunda mutação - de país colonial a democracia pós-colonial. Livros como “Os Militares E O Poder”, Editora Arcádia (1975), “O Fascismo Nunca Existiu” D. Quixote (1976), “O Labirinto da Saudade”, D. Quixote (1978) são referências incontornáveis para pensar Portugal nesse período.
Eduardo Lourenço publicou também ensaios fundamentais para analisar de forma prospectiva o lugar de Portugal na Europa como “Nós e a Europa ou as Duas Razões”, Imprensa Nacional da Casa da Moeda (1989) e “L’Europe Introuvable Jalons pour une Mytologie Européenne”, Paris, Metaillé (1991), reflexão que persiste como podem ver aqui.
Eduardo Lourenço é também um homem profundamente generoso. Recordo-me, por exemplo, que, tendo-o convidado a falar no Centro de Reflexão Cristã e tendo-se atrasado numa homenagem a António Ramos Rosa, chegou, sem ter jantado, sem a conferência, que tinha preparado no avião quando vinha para Lisboa, e, de improviso, proferiu a magnífica conferência “Como se Deus não existisse», publicada na revista Reflexão Cristã.
Eduardo Lourenço que foi um leitor apaixonado de Kierkegaard desde a sua juventude coimbrã é o intelectual português, que tem pensado o cristianismo e os desafios com que está confrontado, com maior liberdade de espírito. Nas suas páginas, mesmo as de crítica literária, está sempre presente uma interrogação espiritual radical. Eduardo Prado Coelho em “O Cálculo das Sombras”, Asa (1997) chamou a atenção que no importante livro de ensaios “O Canto do Signo - Existência e Literatura (1957-1993)”, Presença (1994) de Eduardo Lourenço: «encontramos sugestões utilíssimas para uma historia de Deus em Portugal …».
É fundamental que não se percam os textos dispersos em que Eduardo Lourenço problematizou o cristianismo, que viessem a ser publicados e debatidos no seu conjunto. Deixo aqui um breve excerto de um sobre “A face de Deus no mundo da imagem”, publicado na revista Reflexão Cristã para incentivar a concretização desta proposta. «Há uma passagem no Evangelho que nunca leio sem uma intensa emoção - diz Eduardo Lourenço. É a passagem em que Cristo interroga Pedro - Ele, que devia conhecer como ninguém o outro naquilo que ele era efectivamente, até para o escolher como seu continuador terrestre, como propagador da sua palavra, da sua mensagem. Numa espécie de vertigem ontológica que é de resto semelhante à da suprema baixeza, como Pascal diria, e da sua humilhação final pela morte - Cristo pergunta: «Pedro, tu amas - Me? «(João, 21,15-17). Quer dizer, o Cristo mesmo não é senhor do seu amor».
Continuamos a precisar do contributo do homem generoso, do intelectual, do cidadão do pensador inconformista que é Eduardo Lourenço.
Foto retirada do sítio do Secretariado Nacional da Pastoral da Cultura aqui
domingo, outubro 12, 2008
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3 comentários:
Porque é preciso recomeçar a pensar (a menos que se pense que "a crise" foi um carnaval e já estamos em quarta-feira de cinzas...), permito-me interromper para sugerir Para uma economia política institucionalista .
É uma chamada de atenção muito oportuna a que me associo.
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